Presidente eleito também precisará negociar uma licença para gastos extras acima dos R$ 100 bi
Porto Velho, RO - O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua equipe terão entre os primeiros passos na economia o desafio de fazer articulações políticas que permitam uma solução concreta para o Orçamento de 2023. É preciso negociar uma licença para gastar no primeiro ano de governo e abrir caminho para cumprir promessas de campanha, como a preservação de um pagamento mínimo de R$ 600 do Auxilio Brasil.
A necessidade de assegurar recursos aos mais fragilizados foi reforçada por Lula em discurso feito logo após a vitória nas urnas neste domingo (30), com ênfase no combate à extrema pobreza e ao fim da fome. Segundo integrantes do PT ouvidos pela Folha, as costuras para viabilizar essas e outras tarefas vão ocupar as atenções da coalizão vencedora já nas primeiras decisões após o pleito.
"Temos o dever de garantir que todo brasileiro possa tomar café de manhã, almoçar e jantar todos os dias. Esse será novamente o compromisso número um do meu governo", disse. "A roda da economia vai voltar a girar com geração de empregos, valorização dos salários e renegociação das dívidas das famílias que perderam seu poder de compra. A roda da economia vai voltar a girar com os pobres fazendo parte do Orçamento", afirmou.
Lula ainda reforçou o compromisso de incentivar micro e pequenos empreendedores e apoiar pequenos e médios produtores rurais. Também se comprometeu a reindustrializar o país, resgatar o programa habitacional Minha Casa Minha Vida voltado à baixa renda, além de recriar o chamado Conselhão —que reúne grandes empresários para discutir e sugerir medidas para o desenvolvimento do país.
A primeira tarefa é a formação da equipe de transição, como costuma ocorrer quando há troca de governo. Pela relevância, a área econômica recebe uma atenção prioritária nesse momento, e a escolha dos integrantes sinaliza como será conduzida a agenda durante o mandato. A tarefa tem um complicador adicional, pois demanda negociações entre integrantes de uma frente ampla com dez partidos.
O período entre a eleição e o começo do novo governo gera uma expectativa particular desta vez, já que o presidente Jair Bolsonaro (PL) é o primeiro desde a redemocratização a ter que entregar o cargo após não ter sido reeleito —o que coloca um vencedor e um derrotado diretamente nas tratativas de transição.
A hostilidade estimulada pelo atual mandatário em relação ao adversário foi levada a tal nível que coloca em dúvida até mesmo a viabilidade de uma colaboração entre as duas equipes.
Há uma preocupação no PT sobre como se dará o acesso a números, projeções e informações estratégicas da administração pública, sem as quais se torna mais difícil a tomada de decisão. A aposta, porém, é que o processo acabe andando graças ao quadro de técnicos dos órgãos —que permanecem independentemente do governo de ocasião e servem ao Estado, não a um ou outro grupo.
O PT tem ao menos dois nomes dados como certos para participar da transição. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP).
Ambos também são fortes candidatos a ocuparem ministérios na área econômica. Gleisi pode assumir o Ministério do Planejamento, que será recriado. Já Padilha é nome forte para assumir o Ministério da Fazenda, que também deve ser recriado a partir da divisão do superministério da Economia, comandado hoje por Paulo Guedes.
Existe a expectativa de que os escolhidos na área econômica sejam anunciados em breve, para evitar que a incerteza possa contaminar as expectativas e alimentar momentos de instabilidade financeira durante uma transição política já delicada.
Também são cotados para participar da transição, e para a área econômica, o ex-governador do Piauí e senador eleito Wellington Dias (PT) e o ex-governador da Bahia Rui Costa (PT).
Em meio às diversas prioridades, a negociação para uma nova regra fiscal pode ficar para um segundo momento. Mesmo assim, é urgente encaminhar uma solução para o Orçamento.
PT QUER INCLUIR AUXÍLIO DE R$ 600 E AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO NO ORÇAMENTO DE 2023
Integrantes do PT ouvidos pela Folha afirmam que a proposta de Orçamento de 2023, como está, é uma mentira. Bolsonaro enviou o projeto em agosto com cortes significativos em programas sociais e sem verba suficiente para assegurar a continuidade do benefício mínimo de R$ 600 no Auxílio Brasil no ano que vem.
A campanha também quer assegurar aumento real no salário mínimo já em 2023. A regra em estudo pelo partido concede alta acima da inflação com base na média do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) dos últimos cinco anos. Isso daria uma expansão adicional de cerca de 1,3%, mas também é avaliado um percentual fixo de 2% no primeiro ano.
Economistas ligados à campanha afirmam, na condição de não terem os nomes revelados, que começaram a avaliar cada rubrica para validar o que é viável. Já ficou claro que será preciso fazer escolhas para definir de quanto será a licença extra para gastar.
Certos integrantes do PT dizem que o valor adicional ao já previsto na proposta de Orçamento de 2023 deve ficar acima de R$ 200 bilhões, mais do que os R$ 100 bilhões defendidos por algumas casas no mercado financeiro. Alguns chegaram a estimar que a conta poderia ir a R$ 300 bilhões, mas o montante é reconhecido como quase proibitivo.
Os economistas Bráulio Borges e Manoel Pires, da FGV (Fundação Getulio Vargas), estimaram um custo potencial de R$ 125 bilhões no ano que vem com despesas extras (entre elas os R$ 600 do Auxílio Brasil, o reajuste dos servidores e a revisão de gastos de custeio da máquina e investimentos).
A fatura pelo lado das despesas é o que vai ditar o tamanho da licença, que depende de PEC (proposta de emenda à Constituição). Mas a revisão das projeções de arrecadação também é importante para definir como ficará o resultado primário –fruto da diferença entre despesas e receitas.
Uma das promessas de Lula que pode afetar as receitas é corrigir a tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), elevando a faixa de isenção dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 5.000 mensais.
No entanto, dizem interlocutores, ainda que os técnicos apontem valores e alternativas de remanejamento, as escolhas finais vão depender da formação da equipe, especialmente da definição dos ministros.
LULA VAI CONVOCAR REUNIÃO COM GOVERNADORES ELEITOS E PREFEITOS
Lula entende que há uma pavimentação política a ser feita para viabilizar a agenda econômica do futuro governo. O petista vai chamar uma reunião com os governadores eleitos e os prefeitos de capitais para ouvir as prioridades de cada um. Segundo um auxiliar próximo, a intenção é firmar uma espécie de pacto para que essas prioridades, incluindo obras públicas, possam ser executadas.
No último debate, promovido na sexta (28) pela TV Globo, o petista chegou a falar que cada governador e prefeito poderá apresentar três obras estruturantes consideradas prioridades, para que haja uma discussão sobre a viabilidade de executá-las. Esse aceno tem potencial para gerar uma primeira aproximação política de Lula em um contexto delicado de transição.
Emissários do partido também já fizeram contato com o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), para sinalizar que precisarão de um canal de diálogo para resolver o impasse da peça orçamentária.
NOVA REGRA FISCAL DEPENDE DE AVAL DE FUTURO MINISTRO; VEJA QUAIS ESTÃO EM DEBATE
A definição da regra fiscal a substituir o teto de gastos (que impede o crescimento real das despesas federais) é mais delicada ainda, porque demandará aval do futuro ministro. Entre os modelos em discussão, alguns têm a preferência de alas do partido.
De acordo com os relatos, tem grande adesão o modelo defendido pelo ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Nelson Barbosa. Ele sugere um mecanismo em que o presidente eleito definirá, em seu primeiro ano de mandato, qual deve ser o nível de gastos para os próximos anos.
Há também a opção de manter despesas correntes (como salários, compra de materiais e manutenção da máquina) sujeitas a um limite de gastos, corrigido pela inflação mais um percentual real, enquanto os investimentos ficariam sob outro limite. Outra ala defende a retomada de perseguir apenas o resultado primário como principal âncora das contas públicas, como era antes do teto de gastos.
Pessoas próximas às discussões avaliam que este último modelo tem chances de prevalecer, uma vez que Lula tem batido na tecla de que pretende revogar o teto de gastos. Ele fala ainda que não é preciso de lei para haver responsabilidade fiscal. De qualquer forma, ainda não há consenso.
Fonte: Folha de São Paulo
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