Tentativa golpista do presidente fracassou e, inteiramente isolado, ele deve acabar preso ou no exílio

Analistas peruanos ouvidos pelo GLOBO são unânimes ao condenar a ordem do presidente peruano, Pedro Castillo, de dissolver o Congresso, classificando-a como um golpe de Estado sem qualquer amparo na Constituição.

A Carta peruana tem diversos mecanismos que tornam difícil e instável a permanência de qualquer mandatário no cargo, assim como sua relação com o Congresso. Antes de Castillo, Pedro Pablo Kuczysnki, eleito em 2016, renunciou sob ameaça de impeachment menos de dois anos depois, e seu vice que assumiu a Presidência, Martín Vizcarra, foi destituído pelo Parlamento em 2020.

Nesta quarta-feira, estava marcada para às 17h de Brasília (15h em Lima) a votação do terceiro pedido de impeachment de Castillo. Ao contrário do Brasil, onde o processo se arrasta durante meses, no Peru, basta uma única votação e a obtenção de dois terços dos votos, sem demoradas audiências anteriores, para o presidente cair.

Acusado de corrupção, Castillo já sobrevivera a dois pedidos de impeachment anteriores. A acusação não tinha provas sólidas, mas, na noite de terça-feira, surgiram novos depoimentos em seu processo, que poderiam ajudar os congressistas a finalmente conquistarem 87 dos 130 votos.

Sem força e impopular, o inexperiente professor eleito presidente, que chegou ao poder no ano passado vencendo por uma pequena margem Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, apelou para uma ruptura com a ordem constitucional.

— As ações de Castillo têm todas as características de um golpe de Estado. O presidente Castillo deu a ordem de dissolver o Parlamento sem passar pelos procedimentos constitucionais. É uma tentativa de intervir nas instituições — afirmou ao GLOBO Indira Huilca, socióloga e ex-parlamentar de esquerda. — Vivemos isso há 30 anos. Este caso e o de Fujimori têm muitas similaridades. A diferença é que Fujimori contava com apoio das Forças Armadas. Mas, de resto, é muito parecido.

Segundo Fernando Tuesta, cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Peru, "o que aconteceu no Peru é um golpe de Estado com todas as letras".

— Nada do que foi anunciado pelo ex-presidente Pedro Castillo é permitido pela Constituição. Se tinha pouca legitimidade, agora perdeu a legalidade. Ele está usurpando o poder e nenhuma obediência lhe é devida.

Adriana Urrutia, presidente da associação da sociedade civil Transparência, em Lima, diz que “é preciso condenar muito fortemente o golpe de Estado presidencial”.

— O presidente não tem ferramentas constitucionais para fazer isso. Então ele está tomando esta decisão fora do marco constitucional. A decisão se ampara no uso da força ou abuso de poder — disse Urrutia.

A pesquisadora observa haver uma grande diferença entre o que Castillo tentou fazer e a dissolução do Parlamento determinada por Martín Vizcarra em 2019. O então presidente peruano se valeu de um mecanismo constitucional: segundo a Constituição do país, ao ter duas questões de confiança — instrumento pelo qual o presidente pede respaldo a uma política ou iniciativa — negadas, o presidente pode dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.

Castillo tentou dizer que tivera duas questões negadas, alegando que, ao se recusar a votar o nome que indicou para primeiro-ministro na semana passada, o Parlamento lhe negara uma questão de confiança. A oposição, no entanto, recorreu desse argumento no Tribunal Constitucional, e o caso ainda não havia sido julgado.

— As duas situações [2019 e agora] não têm nada a ver uma com a outra. O Parlamento fez a solicitação ao Tribunal Constitucional, e a questão estava sendo avaliada. Castillo não está amparado constitucionalmente — disse Urrutia.

A tentativa de golpe rapidamente deu errado. Quase todo o seu Gabinete renunciou, assim como seu advogado pessoal e embaixadores no exterior. As Forças Armadas e a polícia liberaram comunicados dizendo não reconhecer a ordem de Castillo, e, menos de duas horas após o comando, o Parlamento realizou uma sessão para declarar a Presidência vaga. A vacância foi aprovada com 101 votos a favor.

Pela Constituição, assume agora a vice-presidente, Dina Boluarte. A sua cerimônia de juramento está marcada para as 17h de Brasília, mesmo horário no qual aconteceria a votação de impeachment.

As condições de governabilidade permanecem tétricas, com o mesmo Congresso que fez de tudo para inviabilizar o governo desde seu início. Uma alternativa, segundo Huilca, seria a convocação de novas eleições.

— O Congresso também é sumamente impopular, e foi uma força golpista neste 1,5 anos de governo de Castillo. Para a maioria da população, nenhum dos dois representa estabilidade.

Por ora, Boluarte não dispõe de um mecanismo que a permita convocar um novo pleito. Resolver isto, no entanto, talvez não seja tão difícil.

— O Parlamento já fez diversas alterações em leis de acordo com o momento. Muitas vezes já fizeram ajustes rápidos para abreviar mandatos, ou pedir eleições. Isto pode ser feito mais uma vez — acrescentou Huilca .

Já Castillo foi detido, supostamente quando se dirigia à embaixada do México. Seu destino deve ser a prisão ou o exílio. (Colaborou Marina Gonçalves)


Fonte: O GLOBO