Segundo levantamento da Datafolha encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quase 30% das mulheres sofreram algum tipo de violência de gênero no ano passado
Quase metade das brasileiras (46,7%) sofreu algum tipo de assédio sexual no ano passado, mostra pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgada na manhã desta quinta-feira.
O índice é o maior da série histórica do levantamento, que teve início em 2017. Comparando com os dados do ano passado, houve um aumento de nove pontos percentuais nos casos de assédio.
De acordo com o instituto, quatro em cada 10 mulheres afirmam ter recebido cantadas ou comentários desrespeitosos enquanto andavam em alguma via. Outras 18,6% ouviram cantadas ou comentários impertinentes no ambiente de trabalho, enquanto 12,8% sofreram assédio no transporte público e 11,2% foram abordadas de maneira agressiva durante uma balada ou festa.
O estudo aponta ainda que o assédio é proporcionalmente maior entre mulheres jovens. Na faixa etária de 16 a 24 anos, 76,1% passaram pela situação no último ano.
Em relação à escolaridade, 31,8% das mulheres com ensino fundamental relataram alguma forma de assédio em 2022. Entre as mulheres com nível superior, esse percentual chegou a 59,7%. A discrepância, segundo a pesquisa, pode estar ligada à compreensão do que é assédio, definição que pode variar na percepção de uma mulher para outra.
“É provável que mulheres mais jovens e que passaram pela faculdade estejam mais engajadas em debates sobre os direitos das mulheres e, portanto, tenham uma compreensão mais ampla do que significa assédio sexual”, diz o levantamento.
A pesquisa quantitativa "Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil" aponta para o recrudescimento da violência contra a mulher no país: quase 30% das brasileiras sofreram algum tipo de violência de gênero em 2022, resultado recorde para a série histórica da pesquisa.
Pela estimativa do instituto, cerca de 18,6 milhões de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram atos de violência no ano passado. Entre as que relataram violência, há uma média de quatro agressões por ano. Porém, o número salta para nove se consideradas apenas as divorciadas.
— (Contribuiu para o aumento da violência) a redução de financiamento das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, que não começou no governo (Jair) Bolsonaro, mas ocorre desde a última década, muito embora os dados estejam mostrando um aumento da violência ao longo dos anos— afirma Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo ela, a ascensão da extrema direita também ajuda a explicar o cenário:
— Faz com que temas como desigualdade de gênero sejam combatidos — explica.
O Datafolha entrevistou 2.017 pessoas com mais de 16 anos em 126 municípios brasileiros no período de 9 a 13 de janeiro de 2023. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.
O tipo de agressão mais comum sofrido pelas mulheres foi a ofensa verbal, quando há insulto, humilhação ou xingamento: 23,1% delas foram alvo desse tipo de violência. Em seguida, vem perseguição (13,5%), ameaças (12,4%) e agressão física (11,6%). Depois as ofensas sexuais (9%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%), ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%), lesão provocada por algum objeto atirado (4,2%) e, por último, esfaqueamento ou tiro (1,6%)
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública também constatou o crescimento acentuado de formas de violência grave ao longo do último ano. Perseguição ou amedrontamento, por exemplo, tidos como um dos indicadores de risco de morte, saltou de 7,9% para 13,5% em um ano. Batida, empurrão ou chute foi de 6,3% para 11,6%, mostra a pesquisa.
A violência atinge as mulheres de forma desigual. As que têm entre 16 e 24 anos foram as principais vítimas em 2022: 43,9% dizem ter sofrido violência. O percentual também é numericamente maior entre mulheres negras (29,9%) do que entre brancas (26,3%). Há, ainda, maior vulnerabilidade entre separadas e divorciadas (41,3%) do que casadas (17%), solteiras (37,3%) e viúvas (24,6%).
Uma em cada três brasileiras sofreu violência de parceiro
O levantamento também trouxe um dado inédito este ano: uma em cada três brasileiras (33,4%) sofreu violência física e sexual de parceiro ou ex-parceiro íntimo ao longo da vida. O Brasil está acima da média mundial, que é de 27%, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Se também for levada em conta a violência psicológica, que engloba humilhações, xingamentos e insultos, por exemplo, o percentual de mulheres que sofreram algum tipo de violência por parte do parceiro íntimo ao longo da vida sobe para 43 — uma média de 27,6 milhões de mulheres, se o resultado for projetado para o universo da população feminina.
As mais vulneráveis a essa violência vinda de companheiros são as mulheres de 25 a 34 anos (48,9%) e que têm até o ensino fundamental (49%) — entre o último grupo, inclusive, são mais frequentes situações como ser “impedida de se comunicar com amigos e familiares por um longo período de tempo” (18,7%) ou ter “acesso a recursos básicos negados, como assistência médica, comida ou dinheiro” (19,4%).
As mulheres negras (45%) sofrem proporcionalmente mais vitimização de parceiros do que as mulheres brancas (36,9%), sendo as mulheres pretas (48%) ainda mais vulneráveis que as pardas (43,8%).
Casa é lugar de perigo
Mais da metade (53,8%) das mulheres que sofreram violência afirmaram que o episódio mais grave de 2022 ocorreu dentro de casa. Trata-se de um aumento de 10 pontos percentuais em relação à primeira edição da pesquisa, de 2017.
A violência dentro do próprio lar no ano passado foi maior do que a registrado em 2021, auge do isolamento social da pandemia e quando 48,8% da violência sofrida aconteceu em casa. Outros lugares onde houve episódio de violência grave no ano passado foram: a rua (17,6%), o ambiente de trabalho (4,7%) e os bares ou baladas (3,7%).
A maioria (45%) das mulheres, porém, não fez nada em relação à violência sofrida, mesmo patamar da pesquisa anterior. Apenas 14% denunciaram à delegacia da mulher, e 8,5% prestaram queixa em uma delegacia comum. O 180, Central de Atendimento à Mulher, foi usado por só 1,6%.
Quando questionadas sobre o motivo de não terem procurado as autoridades, 38% dizem que resolveram a situação sozinhas, 21,3% dizem não acreditar que a polícia possa oferecer uma solução e 14,4% julgam que não tinham provas suficientes para denunciar. O medo de represálias impediu a denúncia de 12,8%.
Para as brasileiras, o combate à violência doméstica passa por punição mais severa aos agressores (76,5%), acesso a especialistas em saúde mental (72,4%), suporte legal e serviços que orientem a mulher vitimizada (69,4%), ampliação da divulgação de campanhas para conscientização e orientação sobre denúncias de violência doméstica para homens e mulheres (67,9%) e garantia do acesso a necessidades básicas para mulheres em situação de violência (67,2%).
Pela primeira vez, o estudo apontou o ex-companheiro como o principal autor da violência (31,3%), seguido pelo atual parceiro íntimo (26,7%). Esses percentuais vêm crescendo ao longo dos últimos anos. Namorados, cônjuges e companheiros eram apontados por 19,4% das mulheres como autores de violência na pesquisa de 2017. Já os ex's, que eram citados por 16% das mulheres em 2017.
Fonte: O GLOBO
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