Ministério da Justiça vai obrigar empresas a excluir conteúdos que façam apologia a crimes

O Ministério da Justiça e Segurança Pública editou nesta quarta-feira uma portaria para regulamentar a ação de plataformas de redes sociais em relação à veiculação de conteúdos violentos nesses ambientes. A medida pretende estabelecer diretrizes para que as empresas sofram sanções, incluindo até suspensão de atividades, caso não atuem para combater a disseminação desse tipo de discurso. Como antecipou O GLOBO, o ato administrativo vai estabelecer normas para a exclusão de conteúdos nas redes sociais.

Nesta quarta-feira, foi registrado mais um ataque em escolas. Um estudante do 9º ano da Escola Municipal Isaac de Alcântara Costa, no Ceará, atacou duas alunas mais novas, do 4º ano, com uma machadinha. Uma delas está na UTI e o estado de saúde é estável. É o terceiro ataque a escolas em menos de um mês.

Mais cedo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou as medidas em coletiva de imprensa. Segundo ele, era preciso tomar uma providência para combater o que chamou de "epidemia de ataques".

— Estamos vendo que há uma situação emergencial, que tem gerado uma epidemia de ataques, ameaça de ataques, assim como de difusão de pânico nas famílias e comunidades escolares — afirmou Dino. — Não se trata de uma regulação ampla dos serviços, mas de regulação estrita, específica para ameaça contra estudantes.

A portaria será editada sem prazo para chegar ao fim. De acordo com Dino, a medida irá "até o momento que o Congresso legisle sobre o assunto". O ministro frisou que a pasta tem amparo legal para tomar a iniciativa e que o " marco civil da internet não rege sozinho esse âmbito."

O ministro também anunciou que a Secretaria do Consumidor (Senacon) da pasta vai instaurar processos administrativos para apuração de responsabilidade de cada empresa em relação ao dever de segurança e cuidado em relação aos veiculadores de conteúdo danosos aos estudantes.

O ministro afirma que o governo terá todo o respaldo jurídico para:
  • Exigir a retirada de conteúdo violento ou ilícito: a portaria estabelece que as empresas devem atender às solicitações de autoridades competentes, incluindo a retirada imediata de conteúdos
  • Instaurar processos administrativos para apuração de responsabilidade de plataformas: o mecanismo poderá ser utilizado caso haja suspeita de que as empresas não atuaram para evitar propagação de conteúdos que incentivem ataques contra escola ou façam apologia a esses crimes
  • Determinar multa ou até suspensão das redes em caso de descumprimento da lei: caso a empresa não atenda à solicitação das autoridades ou ao que está previsto na portaria as sanções podem escalar tanto em relação ao valor das multas, que podem chegar a R$ 12 milhões, até mesmo a suspensão das atividades da plataforma no país.
  • Requisitar às plataformas análise de risco sistêmico: as empresas deverão considerar os efeitos negativos na propagação de conteúdos ilícitos desde a exposição de crianças e adolescentes a conteúdos impróprios para idade até risco de viralização de publicações que incentivem ataques a escolas
  • Requisitar no relatório de risco que as empresas informem ao Ministério da Justiça e Segurança Pública as regras do algoritmo que faz a recomendação de conteúdos na plataforma
Segundo o ministro, a pasta deve considerar para retirada de conteúdo violento do ar prazo de cerca de duas horas. O período levou em consideração o tempo fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para remoção de conteúdos das redes. Para agilizar o trabalho, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) vai criar um banco de dados dos conteúdos ilegais para informar as plataformas com rapidez e viabilizar remoção mais eficiente dos conteúdos.

A pasta vai requisitar que cada plataforma adote análise de risco sistêmico. A ideia é dar mais transparência na moderação de conteúdo e termos de uso para prevenir a propagação de conteúdos violadores no dever da saúde e segurança dos adolescentes.

— No âmbito desse processo administrativo, a Senacon vai solicitar relatórios sobre as medidas que estão adotando. Medidas proativa dessas empresas, como estão atendendo as requisições das autoridades e quais o protocolos que estão editando em fato da situação de crise em território nacional — disse ele.

Uma das obrigações das plataformas será a de repassar aos delegados de polícia dados dos usuários que propaguem violência. Além disso, a ideia é fazer com que IPs de usuários que fazem apologias e incitação à violência contra estudantes sejam impedidos de criar novos perfis. O ministro afirmou que a força-tarefa da pasta já identificou cerca de 1000 perfis suspeitos de propagar conteúdos violentos.

— Pela primeira vez temos regramento claro de como combater condutas a partir da responsabilização das empresas, que durante anos disseram que eram neutras e, portanto, não eram responsáveis. O que a portaria afirma é que são responsáveis — defendeu Dino.

O ministro ainda anunciou que, em caso de descumprimento, as empresas podem sofrer sanções previstas no Código do Consumidor, que incluem de multa (que pode chegar a R$ 12 milhões) a suspensão das atividades no país.

— Sanções vão desde multa até suspensão de atividade. Não desejamos que isso aconteça. Com a edição dessa moldura normativa, objetiva, com obrigações, prazos e parâmetros técnicos, o que desejamos é a adequação desses serviços — afirmou o ministro.

Na segunda-feira, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) se reuniu com representantes de empresas de redes sociais para cobrar medidas de prevenção e combate à violência. A pasta pediu que as plataformas tivesse celeridade em retirar conteúdos de risco do ar e adotassem medidas para moderar publicações em suas plataformas.

Além disso, na última terça-feira, o Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Twitter que informasse quais as medidas tomadas pela empresa para monitorar conteúdos que incitam a violência nas redes. O órgão solicitou que o Twitter apresentasse a lista de perfis e publicações enviadas pelo MJSP com pedido de retirada do ar e informasse se a demanda das autoridades havia sido atendida.

A pasta sugeriu aos estados que reforcem o policiamento ostensivo nos próximos dias devido à publicação recorrente de postagens relacionadas a ameaças no dia 20 de abril. O ministro afirmou, no entanto, que ainda não há recomedação para que haja suspensão de aulas. O Ministério também destinará R$ 100 milhões para fortalecimento de guardas municipais.O valor se soma aos R$ 150 milhões reservados para incentivar projetos relacionados à ronda escolar.

'Tristes e inaceitávels episódios'

No início da noite desta quarta-feira, os ministros da Educação, Camilo Santana, e da Secretaria de Comunicação (Secom), Paulo Pimenta, se manifestaram sobre o tema nas redes sociais. Santana pediu união de toda sociedade para combater episódios de violência.

"Diante dos tristes e inaceitáveis episódios de violência que têm ocorrido em algumas escolas, muito fruto dessa cultura da intolerância e do ódio que tomou conta do país nos últimos anos, é preciso a união de todos nós, poderes, entes federativos e sociedade, para enfrentar e superar esse desafio", escreveu.

O ministro defendeu ainda que é preciso punir os responsáveis por incitar comportamentos violentos:

"Nossas escolas precisam, cada vez mais, de professores valorizados e alunos bem acolhidos e acompanhados. Além disso, é preciso dar um basta aos disseminadores da violência, que encontram terreno fértil para multiplicação através de redes sociais sem regras, e que precisam assumir suas responsabilidades. E identificar e punir, dentro da lei, os que propagam essa violência. O desafio é grande, mas vamos vencer", disse.

O ministro Paulo Pimenta prestou solidariedade aos familiares das crianças atacadas no Ceará e argumentou que apenas aumento dos investimentos em segurança não é suficiente para resolver o problema. Pimenta defendeu que é preciso interromper a disseminação de ódio pelas redes.

"As publicações de ódio nas redes têm dois objetivos: validar e inflar os anseios violentos já presentes em quem assiste e naturalizar, aos poucos, para o espectador, as cenas brutais que promovem", afirmou.


Fonte: O GLOBO