Pais e flho já foram alvos da personalidade violenta do empresário, que chegou a chamar primo com câncer de 'lixo' e 'bactéria'

Preso desde abril e respondendo a nove processos criminais em São Paulo, o empresário Thiago Brennand tem em seu histórico, além de uma série de acusações feitas por mulheres, uma relação conturbada com integrantes da sua família, tradicional em Pernambuco. Ele já foi protagonista de agressões e ameaças e também alvo de registros de boletins de ocorrência. Todo esse processo culminou no rompimento com parentes e em sua exclusão do testamento dos pais.

Um dos familiares com quem Brennand teve desavenças foi o primo Jason Vieira, que tratava de um câncer desde 2013 e faleceu em março deste ano, aos 49 anos. Era chamado de “Cancinho” pelo primo, em mórbida alusão à sua doença.

Em um áudio enviado por Brennand ao primo, ao qual o GLOBO teve acesso, o empresário chama Jason de “canceroso”, “lixo” e “bactéria”. Ele chegou a mandar entregar um caixão com coroa de flores na casa em que Jason morava, no Recife, antes de sua internação em São Paulo, onde morreu.

— Eu dou minha palavra, pela vida do meu filho, pela minha e do meu pai, as três pessoas que eu mais amo: eu vou mandar uma coroa de flores te zoando quando tu tiver no caixão. Só não vou mijar no seu caixão na frente de todo mundo porque eu vou pouco a Recife. 

Porque se não eu iria, nem que tivesse polícia e eu fosse preso em flagrante. Pagaria fiança e ficaria livre. Pensa que a essa hora suas células estão sendo carcomidas por esse câncer. Compra uma cachorra e põe o nome dela de metástase — disse Brennand, que em outra gravação diz que mataria o primo. — Se o câncer não te matasse eu iria ter esse prazer. Se não fosse pelo meu pai, tu já estaria morto há muitos anos.

Apesar das menções referentes ao pai na mensagem a Jason, Brennand não mantém relação de proximidade com José Aécio Fernandes Vieira, um dos responsáveis por construir o império que deu origem à fortuna da família. 

José Aécio e o irmão fundaram uma série de empresas na área da saúde em Pernambuco, que depois deram origem a negócios em outras áreas. Casou-se com Joana Tavares da Silva Fernandes Vieira, integrante da família do renomado artista plástico Francisco Brennand (1927-2019), de quem Thiago adotou o sobrenome.

O empresário recebeu a antecipação de sua herança em 2007, junto aos quatro irmãos. Na ocasião, ele não aceitou receber parte do que tinha direito em participações societárias em empresas ao lado dos outros herdeiros. Exigiu receber sua fatia em imóveis e dinheiro.

Os pais de Brennand registraram um novo testamento em novembro de 2019, no qual reservaram R$ 3,6 milhões para um neto e dividiram o restante em quatro partes iguais para os irmãos de Thiago, que foi excluído da partilha.

A mãe de Brennand explicou a decisão no próprio documento. Disse que a exclusão do filho decorreu da “absoluta inexistência de qualquer afinidade” entre eles, e que Thiago “sempre demonstrou hostilidade e o desejo de com ela não se relacionar, tendo-a já agredido e injuriado verbalmente e por escrito de forma reiterada”. Segundo a mulher, o comportamento do filho lhe causou “insuportável nível de sofrimento”.

O testamento foi registrado cinco dias depois de Brennand ter enviado um e-mail à mãe no qual a chama de “figura abominável”, “abjeta” e “nojenta”. “Muito foda ter essa coisa horripilante como genitora”, escreveu Thiago, segundo relatou a mulher.

Da mesma forma, o pai de Brennand também o deserdou e relatou no documento que vinha sofrendo ameaças do filho por conta de seu inconformismo com os planos de repartir a herança apenas entre seus irmãos.

Brennand tem hoje seis mandados de prisão preventiva contra si, a maior parte por crimes contra mulheres, como estupro, agressões e cárcere privado. Ao menos três denúncias que deram origem a esses processos partiram de ex-companheiras do empresário.

Agressões ao filho

A ex-mulher de Brennand com quem ele tem um filho hoje adolescente também já disparou acusações. Em abril de 2020, ela registrou boletim de ocorrência no Recife após ser alertada pelo filho de que ele teria sofrido sessões de espancamento em Moscou, onde morou por três meses com o pai, e em São Paulo. À época dos eventos, o jovem tinha 14 anos.

A própria mulher contou à polícia que já havia sido agredida durante o relacionamento com Brennand, que durou quatro anos. Em seu depoimento, o adolescente disse que apanhava do pai “desde pequeno” com um cabo de carregador para iPhone. “Teve uma época em que ele me bateu muito com baqueta de bateria. Ele tinha uma banda. Quando eu menos esperava, ele já tava me batendo com a baqueta”, narrou.

A lista de itens usados nas agressões também incluía cabides, cinto, corda e cipó de goiabeira, e que era vítima até de choques elétricos, segundo o relato do garoto. Os motivos eram sempre “besteiras”, conforme ele afirmou aos policiais: iam desde seu desempenho abaixo do esperado nas aulas de surfe a até uma confusão na hora de buscar a vitamina que o pai tomava. 

Em depoimento ao Ministério Público, uma modelo que namorou com Brennand em 2021 disse que o empresário aplicava nele e no filho, com uma seringa, suplementos para que eles ficassem “mais fortes”.

A mãe do adolescente apresentou uma mensagem enviada pelo filho em sua conta no Instagram. “Preciso de sua ajuda, estou desesperado. Agora lembro de quando você me falava que um dia eu iria ter consciência e voltar para você. Meu pai me espanca, me bate até mesmo enquanto eu passo mal”. Depois, pelo WhatsApp, o jovem continuou o relato: “tive que dormir de bruços hoje porque eu não aguentei encostar as costas na cama. Dói ficar de camisa. Meu braço tá cortado”.

Dois dias depois do depoimento, o adolescente retornou à delegacia e disse que queria alterar seu testemunho. 

“Tem muita coisa que eu falei que era mentira e foi na hora da raiva, foi mais um ato de rebeldia meu. Eu falei com meu pai e nossa relação está melhor que nunca. Se ele me bateu, foi pouco. Não foi muito”, retificou. Cerca de três meses após esse episódio, Brennand registrou um boletim de ocorrência em Osasco (SP) narrando que seu filho havia desaparecido, e que suspeitava que ele tivesse fugido com a ajuda da mãe.

O caso das agressões ao jovem foi enviado a São Paulo, para a 3ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM Oeste). Os advogados de Brennand pediram o arquivamento do inquérito e alegaram que os hematomas apresentados à época do registro da ocorrência decorreram dos treinos de jiu-jitsu que o menino fazia. O pedido foi atendido em 22 de junho de 2022, quando o inquérito foi arquivado.

A mãe de Thiago Brennand e a sua ex-mulher, mãe do filho adolescente do empresário, não quiseram dar entrevista ao GLOBO. A segunda disse apenas que queria se distanciar do assunto, “como se ele não existisse”. O advogado de Brennand, Alexandre Queiroz, disse que “está concentrado na defesa de seu cliente na Justiça” e que não faria comentários adicionais.

A próxima audiência de Brennand na Justiça, envolvendo uma acusação de estupro a uma modelo americana que foi sua namorada, está marcada para o dia 21 deste mês.


Fonte: O GLOBO