Bancada ruralista defende necessidade de 'modernização' da legislação; No novo texto, Anvisa e Ibama perderiam poder decisório
Em discussão no Senado, o projeto de lei (PL) 1.459/2022, chamado de PL do agrotóxico, ou PL do veneno pelos críticos, poderá autorizar, em larga escala, a aplicação de novos pesticidas no país.
Defendido pela bancada ruralista, que critica o trâmite atual para autorizações, o novo texto centralizaria no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) a decisão pela liberação de novas substâncias. Hoje, o processo depende também de aval do Ibama e do Anvisa, que passariam a ser órgãos apenas consultivos.
Apesar de ruralistas defenderem que o trâmite de hoje é longo, 2.182 novos agrotóxicos foram autorizados durante a gestão de Jair Bolsonaro, o maior número de registros em um mandato desde 2003. Outra crítica feita por ambientalistas é que o PL acaba com o veto a produtos que contenham substâncias cancerígenas. Caso a lei seja aprovada, essas substâncias seriam passíveis de autorização desde que não haja "risco inaceitável".
— Se já foram 2 mil autorizações em quatro anos, com a atual política de aprovação, imagina modificando isso — afirma Tatiana da Silva Pereira, bióloga e ecotoxicologista da Universidade Federal do Pará (UFPA). — O que vejo como os maiores problemas são a centralização da liberação no Mapa, dando à Anvisa e ao Ibama apenas caráter consultivo, além da aprovação automática de um produto caso a análise ultrapasse o período de dois anos.
Atualmente, para um novo agrotóxico conseguir sua autorização para comercialização e aplicação no Brasil, a empresa em questão precisa pedir autorizações independentes à Anvisa, Ibama e Mapa, cada um analisando seu campo de competência. O novo texto diz que esses órgãos continuam com responsabilidade, mas não teriam mais poder decisório, pois a decisão final seria do Mapa.
Além de mudar o trâmite, o PL traz outros gatilhos que aceleram a autorização de agrotóxicos, como a liberação automática após dois anos de análise; a liberação de pesticidas para uso próprio para uso próprio em determinadas situações; e a permissão de um registro temporário desde que as substâncias sejam vendidas em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A história do Projeto de Lei nasceu há 24 anos, quando o então senador Blairo Maggi apresentou o projeto original, PL 526/1999, para alterar apenas um artigo da Lei dos Agrotóxicos ( Lei 7.802, de 1999), sobre monitoramento de produtos. Ainda no Senado, o projeto passou a alterar também o artigo 9, sobre embalagens e então passou para a Câmara Federal. Nos últimos anos, o texto foi profundamente alterado e atualmente muda totalmente a Lei dos Agrotóxicos, entregando uma nova legislação.
Ministro da Agricultura defende lei e diz que análise será rigorosa
Ano passado, a Câmara aprovou o projeto, que retornou ao Senado. Como nasceu do Senado, o texto poderia ser votado diretamente no plenário, mas, após pressões, o presidente da casa Rodrigo Pacheco (PSD) disse que garantiria mais discussões. Por isso, o PL passou pela Comissão da Agricultura e agora está na Comissão do Meio Ambiente, com relatoria do senador governista Fabiano Contarato (PT), que prometeu um texto "equilibrado".
O atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, é defensor do projeto e por isso se reuniu nesta semana com Pacheco. Depois do encontro, disse que "excessos" acrescentados ao texto seriam ajustados e prometeu uma "análise técnica muito rigorosa".
— Princípio básico: ninguém é a favor de produtos cancerígenos, ninguém é a favor da continuidade de produtos que afetem gravemente o meio ambiente — disse, após o encontro de terça-feira (30), o ministro.
Impactos à saúde: 'tragédia anunciada'
Mas, para Marina Lacôrte, porta-voz de Agricultura do Greenpeace Brasil, o "texto não tem solução".
— Os artigos mais críticos são justamente os que a bancada ruralista mais quer. Permitir substância cancerígena vai aumentar a quantidade de produtos à venda, então é do interesse deles. Mesmo que a gente suprima alguns pontos, não vai adiantar, porque não tem como voltar a ser o original, o projeto já foi alterado e reconfigurado, está revogando toda uma lei.
Para Lacôrte, que considera o argumento de modernização da legislação como uma "falsa narrativa", os impactos com a nova lei, caso aprovada, seriam destrutivos. Ela diz que o Brasil deveria estar, na verdade, discutindo a revisão de substâncias autorizadas no passado, mas que hoje são banidas na Europa, e investindo em laboratórios capazes de realizar todos os testes devidos.
Hoje, explica a especialista, não há um laboratório brasileiro que realize todos os testes necessários e, por isso, a depender da substância, a autorização é dada com base no teste e uso no exterior. Entretanto, diferentes climas podem implicar em consequências distintas no uso de um agrotóxico.
— É uma tragédia anunciada. Já não estamos numa boa situação hoje, e vemos diariamente estudos de impactos de agrotóxicos na nossa saúde, em casos de infertilidade, abortos, má formação de fetos e contaminações agudas. O pacote vai aumentar a quantidade de veneno que se usa no Brasil, que já não é pouca. O caminho agora deveria ser o oposto da celeridade: investir em outras formas de produção, que dariam conta se tivessem o mesmo investimento que o agro recebe há 50 anos — afirma Lacôrte.
Tatiana Pereira, que trabalha junto a pequenos produtores rurais na Amazônia, explica que hoje os mais expostos são os agricultores. Sem a devida instrução, pequenos e médios agricultores raramente usam equipamento de proteção individual (EPI).
— A informação é escassa, muitas vezes eles nem sabem os causadores dos problemas de saúde que eles têm. Normalmente desenvolvem problemas ligados ao sistema nervoso, na visão, pele, perda de apetite e dor de cabeça. A médio e longo prazo pode levar a diferentes tipos de câncer.
Apesar de ruralistas defenderem que o trâmite de hoje é longo, 2.182 novos agrotóxicos foram autorizados durante a gestão de Jair Bolsonaro, o maior número de registros em um mandato desde 2003. Outra crítica feita por ambientalistas é que o PL acaba com o veto a produtos que contenham substâncias cancerígenas. Caso a lei seja aprovada, essas substâncias seriam passíveis de autorização desde que não haja "risco inaceitável".
— Se já foram 2 mil autorizações em quatro anos, com a atual política de aprovação, imagina modificando isso — afirma Tatiana da Silva Pereira, bióloga e ecotoxicologista da Universidade Federal do Pará (UFPA). — O que vejo como os maiores problemas são a centralização da liberação no Mapa, dando à Anvisa e ao Ibama apenas caráter consultivo, além da aprovação automática de um produto caso a análise ultrapasse o período de dois anos.
Atualmente, para um novo agrotóxico conseguir sua autorização para comercialização e aplicação no Brasil, a empresa em questão precisa pedir autorizações independentes à Anvisa, Ibama e Mapa, cada um analisando seu campo de competência. O novo texto diz que esses órgãos continuam com responsabilidade, mas não teriam mais poder decisório, pois a decisão final seria do Mapa.
Além de mudar o trâmite, o PL traz outros gatilhos que aceleram a autorização de agrotóxicos, como a liberação automática após dois anos de análise; a liberação de pesticidas para uso próprio para uso próprio em determinadas situações; e a permissão de um registro temporário desde que as substâncias sejam vendidas em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A história do Projeto de Lei nasceu há 24 anos, quando o então senador Blairo Maggi apresentou o projeto original, PL 526/1999, para alterar apenas um artigo da Lei dos Agrotóxicos ( Lei 7.802, de 1999), sobre monitoramento de produtos. Ainda no Senado, o projeto passou a alterar também o artigo 9, sobre embalagens e então passou para a Câmara Federal. Nos últimos anos, o texto foi profundamente alterado e atualmente muda totalmente a Lei dos Agrotóxicos, entregando uma nova legislação.
Ministro da Agricultura defende lei e diz que análise será rigorosa
Ano passado, a Câmara aprovou o projeto, que retornou ao Senado. Como nasceu do Senado, o texto poderia ser votado diretamente no plenário, mas, após pressões, o presidente da casa Rodrigo Pacheco (PSD) disse que garantiria mais discussões. Por isso, o PL passou pela Comissão da Agricultura e agora está na Comissão do Meio Ambiente, com relatoria do senador governista Fabiano Contarato (PT), que prometeu um texto "equilibrado".
O atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, é defensor do projeto e por isso se reuniu nesta semana com Pacheco. Depois do encontro, disse que "excessos" acrescentados ao texto seriam ajustados e prometeu uma "análise técnica muito rigorosa".
— Princípio básico: ninguém é a favor de produtos cancerígenos, ninguém é a favor da continuidade de produtos que afetem gravemente o meio ambiente — disse, após o encontro de terça-feira (30), o ministro.
Impactos à saúde: 'tragédia anunciada'
Mas, para Marina Lacôrte, porta-voz de Agricultura do Greenpeace Brasil, o "texto não tem solução".
— Os artigos mais críticos são justamente os que a bancada ruralista mais quer. Permitir substância cancerígena vai aumentar a quantidade de produtos à venda, então é do interesse deles. Mesmo que a gente suprima alguns pontos, não vai adiantar, porque não tem como voltar a ser o original, o projeto já foi alterado e reconfigurado, está revogando toda uma lei.
Para Lacôrte, que considera o argumento de modernização da legislação como uma "falsa narrativa", os impactos com a nova lei, caso aprovada, seriam destrutivos. Ela diz que o Brasil deveria estar, na verdade, discutindo a revisão de substâncias autorizadas no passado, mas que hoje são banidas na Europa, e investindo em laboratórios capazes de realizar todos os testes devidos.
Hoje, explica a especialista, não há um laboratório brasileiro que realize todos os testes necessários e, por isso, a depender da substância, a autorização é dada com base no teste e uso no exterior. Entretanto, diferentes climas podem implicar em consequências distintas no uso de um agrotóxico.
— É uma tragédia anunciada. Já não estamos numa boa situação hoje, e vemos diariamente estudos de impactos de agrotóxicos na nossa saúde, em casos de infertilidade, abortos, má formação de fetos e contaminações agudas. O pacote vai aumentar a quantidade de veneno que se usa no Brasil, que já não é pouca. O caminho agora deveria ser o oposto da celeridade: investir em outras formas de produção, que dariam conta se tivessem o mesmo investimento que o agro recebe há 50 anos — afirma Lacôrte.
Tatiana Pereira, que trabalha junto a pequenos produtores rurais na Amazônia, explica que hoje os mais expostos são os agricultores. Sem a devida instrução, pequenos e médios agricultores raramente usam equipamento de proteção individual (EPI).
— A informação é escassa, muitas vezes eles nem sabem os causadores dos problemas de saúde que eles têm. Normalmente desenvolvem problemas ligados ao sistema nervoso, na visão, pele, perda de apetite e dor de cabeça. A médio e longo prazo pode levar a diferentes tipos de câncer.
Além disso, o alimento que chega a nossa mesa tem enorme teor de produtos químicos desconhecidos — explica a bióloga, que também lembra dos impactos ao meio ambiente. — Os agrotóxicos contaminam solos e lençol freático e afetam várias outras populações além das pragas, como as abelhas, que são principais polinizadoras das próprias plantações.
Fonte: O GLOBO
Fonte: O GLOBO
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