Velha conhecida no país, María Corina Machado tem cada vez mais adeptos fora de seu reduto e dispara nas pesquisas após fracasso de lideranças como Juan Guaidó e Henrique Capriles para tirar Maduro do poder

A oposição a tudo e a todos que a ex-deputada María Corina Machado faz há anos na Venezuela começa, enfim, a dar frutos. Com o fracasso de lideranças como Juan Guaidó e Henrique Capriles na tentativa de tirar Nicolás Maduro do poder, a “dama de ferro” agora lidera todas as pesquisas para as primárias da oposição, em outubro, e se posiciona para tornar-se a principal candidata nas urnas para desafiar Maduro em 2024, arrastando multidões nos atos que promove pelo país.

Ao todo, 14 candidatos opositores disputarão as primárias, mas entre todos se destacam dois velhos conhecidos dos eleitores, que provavelmente encabeçarão a lista: o moderado Henrique Capriles, de um lado, e a radical María Corina Machado, do outro. E María Corina começa com enorme vantagem nas sondagens: nas últimas pesquisas chegou a ultrapassar os 50% das intenções de voto.

Coordenadora nacional do Vem Venezuela, partido que fundou há mais de cinco anos, María Corina Machado também foi a única candidata que liderou uma grande mobilização de pessoas à sede da Comissão Nacional de Primárias, em Caracas, para registrar sua candidatura, na semana passada.

— A derrota deste regime já começou nas ruas da Venezuela e vamos confirmá-la nas eleições de 2024 — disse a apoiadores que a acompanharam à sede das primárias. — Quero falar com os venezuelanos que se sentiram enganados. Não tenham medo. Chegou a hora de fechar um ciclo de ódio no país.

Sua entrevista para o site independente Efecto Cocuyo, publicada há 10 dias dias, foi de longe a mais assistida no canal do site no YouTube, com quase 90 mil visualizações. Para efeito de comparação, as entrevistas com os outros candidatos tiveram em média 2 mil visualizações — a com Capriles, feita há 10 dias, tem até agora 11 mil.

Luz Mely Reyes, veterana jornalista venezuelana e uma dos criadoras do Efecto Cocuyo, explica que vários fatores explicam o crescimento da ex-deputada, o que era impensável há alguns anos.

— O país está cansado do governo Maduro e, ao mesmo tempo, da incapacidade de liderança da oposição para conseguir mudanças. Tudo foi tentado, desde a via institucional, nas eleições de 2015, até o governo interino de Guaidó, em 2019. Isso, na minha perspectiva, tem fomentado um desejo de mudança geral. E María Corina Machado é vista como essa figura que pode impulsionar essa mudança — afirmou ao GLOBO.

Hoje com 55 anos, María Corina Machado ficou conhecida por liderar a oposição mais linha-dura contra o então presidente Hugo Chávez, mas seu nome se diluiu nos anos seguintes entre outros líderes opositores — com os quais mantém atualmente profundas divergências.

Nascida em Caracas, em uma família conservadora e católica fervorosa, seu apoio sempre foi limitado às classes mais altas do país e a parte dos venezuelanos no exílio. Mas agora seus atos reúnem centenas de apoiadores das classes populares, inclusive nos redutos chavistas, longe da capital.

Engenheira industrial de formação, María Corina se destacou durante seu mandato, entre 2011 e 2014, como uma deputada combativa — e principalmente por suas críticas ferozes, tanto ao regime quanto à oposição. Uma das principais articuladoras das manifestações contra o governo de Maduro, em fevereiro de 2014, teve seu mandato cassado no mês seguinte pela Assembleia Nacional da Venezuela, comandada na época pelo chavista Diosdado Cabello, número dois do regime. Depois, em 2015, foi inabilitada politicamente e proibida de deixar o país.

Nos últimos anos, se opôs tanto ao autoproclamado governo interino de Juan Guaidó, que buscava o fim do chavismo pelo confronto, quanto ao setor moderado da oposição, que defendia a estratégia de retomar a via eleitoral para derrotar o governo nas urnas.

Machado queria mais: derrubar Maduro à força, com a ajuda dos Estados Unidos — o que nunca passou de uma ideia. Agora, a mesma política que sempre defendeu que a participação da oposição nas eleições legitimaria o governo, tem grande chance de ir às urnas.

— Ela amadureceu politicamente — diz Reyes, do Efecto Cocuyo. — Mudou de estratégia e começou a percorrer o país muito antes de todos os outros candidatos. Mas, sobretudo, vejo que há hoje um clima no país para seu crescimento, que tem a ver com o descontentamento generalizado com as classes dirigentes.

Seu amadurecimento político vai além da possibilidade de participar de uma eleição como candidata. Se antes María Corina Machado era totalmente contra qualquer negociação com Maduro, hoje já admite falar com o regime.

— Seria conveniente para o seu próprio bem participar de uma verdadeira negociação para a sua saída e não de uma negociação para a sua permanência como tem sido até agora — disse, em entrevista recente ao jornal espanhol Clarín.

Tanto Capriles quanto María Corina Machado oficializaram sua participação nas primárias no último fim de semana, após percorrerem o país onde sofreram violentos embates de partidários do governo. Mas o chavismo já mostrou que não facilitará a realização das primárias opositoras. A última manobra de Maduro foi a renúncia dos reitores do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o que na prática dissolveu o órgão que fiscalizaria o processo.

Primárias incertas

A medida aconteceu em meio a um dos muitos debates entre líderes da oposição, que tentavam decidir se pediriam ou não ao CNE o apoio logístico necessário para a realização do pleito interno. Machado era radicalmente contra, enquanto Capriles e a maioria dos candidatos opositores defendiam que o órgão ajudaria a finalizar as primárias com mais credibilidade. Após a manobra de Maduro, no entanto, todos concordaram em continuar sem o CNE — o que María Corina tomou como uma vitória pessoal.

Mas a autogestão de um processo totalmente manual — e a cargo de uma oposição altamente dividida e com partidos desmantelados após anos de disputas políticas — pode diminuir a participação dos eleitores. Também há muita incerteza sobre como as primárias serão realizadas.

Enquanto isso, Capriles segue inabilitado pelo regime e pode acabar fora da disputa — em 2017, o político foi proibido de disputar cargos políticos por 15 anos —, abrindo caminho para o avanço de María Corina Machado. Sua inabilitação política teve uma duração bem mais curta, e pelo menos até agora ela não está proibida de concorrer.

Como se não bastassem todas as dificuldades das primárias, o voto da oposição pode chegar dividido nas eleições. Até então com bons resultados nas pequisas, o forasteiro Benjamín Rausseo, comediante que às vezes flerta com a política, desistiu de participar do processo e anunciou que irá concorrer à Presidência como candidato independente. 

À ruptura de Rausseo, somou-se esta semana a do Força Local, novo partido que tem tentado pactuar um espaço de convivência com o governo, deixando de lado a agenda de um importante setor da oposição que denuncia as graves violações dos direitos humanos e a deriva autoritária de Maduro.


Fonte: O GLOBO