É um aumento de 41% na comparação com 2021. Tendência é que débitos continuem subindo

O esqueleto de uma das mais controversas medidas econômicas tomadas durante o governo Jair Bolsonaro começa a ganhar corpo. 

O limite para o pagamento de precatórios, dívidas decorrentes de decisões judiciais contra a União, já gera um passivo total de R$ 141,8 bilhões para o governo federal, de acordo com dados do Relatório Contábil do Tesouro Nacional, que serão divulgados nesta terça-feira. É um aumento de 41% na comparação com 2021 e de 139% frente a 2018. A tendência é que essa dívida continue subindo.

Precatórios são dívidas do governo decorrentes de decisões judiciais para as quais não é possível mais recorrer. Ou seja, o governo terá que pagar em algum momento. São obrigações do governo que vão desde processos de grandes empresas e de servidores públicos, a questões previdenciárias que se arrastam há anos na Justiça.

O passivo é decorrente de uma emenda à Constituição aprovada no fim de 2021, em meio a uma série de medidas propostas pelo governo Bolsonaro para abrir espaço no Orçamento do ano seguinte.

O objetivo, àquela época, foi ampliar os gastos com programas sociais, especialmente o Auxílio Brasil (que agora voltou a se chamar Bolsa Família). Para contornar a falta de espaço no teto de gastos (que trava as despesas federais), o governo optou por limitar o pagamento dos precatórios, sob o argumento de que essas despesas cresceram muito nos últimos anos.

‘Esconde-esconde da dívida’

Na época, apenas essa mudança abriu um espaço de R$ 43 bilhões. A emenda também mudou o indexador do teto de gastos, para que o espaço total disponível ao governo Bolsonaro chegasse a mais de R$ 100 bilhões.

A emenda limitou o pagamento dos precatórios ao valor quitado pelo governo federal em 2016, acrescida da inflação ano a ano. Como a cada ano o limite de pagamento está menor que o total que o governo deveria pagar, acumula-se um estoque. Até então, toda a dívida sinalizada pela Justiça era paga pelo governo federal sem limitações (é comum, porém, que os estados limitem os pagamentos dos seus precatórios).

Mesmo com o fim do teto de gastos (que será substituído pelo novo arcabouço fiscal), a limitação para o pagamento de precatórios permanece até 2026. Em 2027, portanto, toda a dívida decorrente dos últimos anos deverá ser paga pelo governo, mas ainda não há qualquer indicativo de como esse débito será quitado.

Os dados do relatório do Tesouro Nacional mostram que o governo pagou R$ 59,1 bilhões em dívidas no ano passado, mas acumulou um estoque a pagar de R$ 141,8 bilhões. Esse valor não será inteiramente pago neste ano — e o montante subirá mais.

Conforme a regra, o governo federal deve pagar primeiro os papéis de pequeno valor — até R$ 79,2 mil. Em seguida, vêm as dívidas que têm características alimentares com limite R$ 237,6 mil. Neste grupo, credores com mais de 60 anos e pessoas com doenças ou deficiências têm prioridade. Na sequência, são efetuados os demais pagamentos. Quantias superiores e demais precatórios entram na próxima rodada de acertos.

O economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP), projeta que a dívida total chegará a R$ 244,7 bilhões em 2027, ou 1,8% do PIB. Para ele, o governo não está tratando desse assunto:

— O governo anterior empurrou dois governos para frente. E quando lá chegar? O governo da época pedirá para empurrar para frente.

O professor afirma que o tempo só está agravando o problema. Os precatórios estão sendo corrigidos pela Selic, maior que o custo médio da dívida pública federal:

— Precatório é dívida e está acumulando e aumentando a dívida. O certo seria corrigir a série histórica da dívida, contabilizando a cada mês o que nele se emitiu de precatório, e apontando hoje qual é o correto tamanho da dívida pública, que oficialmente é maior do que a publicada pelo Banco Central. Não haveria estímulo para continuar essa brincadeira de esconde-esconde absurdamente cara.

Perda provável de R$ 502 bi

O extenso relatório do Tesouro Nacional aponta para os riscos de a União ter novas derrotas no Judiciário, embora nas últimas semanas o Ministério da Fazenda tenha conseguido obter vitórias nos tribunais superiores.

O relatório aponta também como “provável” perder R$ 502 bilhões em decisões judiciais — quando a probabilidade de perda por parte da União é alta. Estão nessa discussão ações sobre IPI, PIS/Cofins, entre outros.

A União ainda classifica como “possível” perder R$ 1,433 trilhão. Um processo é classificado assim quando a probabilidade de perda não é alta, mas ainda considerável. Estão nessa situação discussões sobre PIS/Cofins-Importação e de instituição financeiras, deduções do Imposto de Renda e inclusão do PIS/Cofins nas suas próprias bases de cálculo.


Fonte: O GLOBO