Sucesso na internet com 64 mil seguidores, a advogada Maria Carolina Gontijo se surpreende com o desconhecimento sobre impostos indiretos, como o ICMS, no debate da reforma tributária

A advogada tributarista Maria Carolina Gontijo resolveu criar a personagem Duquesa de Tax no Twitter “para não passar raiva sozinha”, como escreve no perfil, que tem 64,1 mil seguidores. Ela diz que o modelo atual impede que as pessoas saibam quanto estão pagando de imposto quando compram algo, diante da complexidade do sistema.

Ontem, Dia dos Namorados, ela postou a enquete: você é do time “namoro cumulatividade: aparenta ser único, mas tem vários” ou “namoro não cumulatividade ampla: só um, no valor agregado”, em alusão a um dos termos mais usados nesses tempos de discussão da reforma tributária.

Dessa maneira, simples e bem-humorada, a advogada, que já contou ter escolhido o nome do perfil inspirada pelo tax (imposto em inglês) e pelo détaxe (reduzir ou suprimir impostos, em francês), vem conseguindo cada vez mais seguidores, como o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco.

O que levou a senhora a criar um perfil no Twitter sobre a reforma tributária, esse assunto tão árido?

Como eu digo no Twitter, queria explicar o sistema tributário para não passar raiva sozinha. Primeiro, eu achei que ia explicar uma coisa com que ninguém se importaria. Era mais um desabafo, não imaginei que alguém se interessaria por isso. Mas fui surpreendida, as pessoas queriam entender aquilo.

Cada vez que sai alguma coisa no jornal, os seguidores pedem explicações sobre ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), Cofins, exceções. As pessoas querem ler o jornal e entender, como é o cálculo por dentro do ICMS, do Imposto de Importação...

Por que sua defesa da reforma tributária?

O sistema tributário é uma confusão. Não temos a menor ideia do que pagamos, é uma infinidade de regimes especiais. É impossível saber quanto se está pagando de imposto. É uma questão social, cidadã, ter essa transparência, para ter mais condições de cobrar dos governantes o que está sendo feito com o dinheiro.

O brasileiro conhece bem o que chamo de “imposto boleto”, como o Imposto de Renda, descontado na folha de pagamento, e o IPVA. Ele reclama quando tem um buraco na rua, dizendo que paga IPVA, IPTU. Ele sabe quantos reais estão saindo da conta. Existe uma postura cidadã muito importante. O que consigo perceber é que ninguém consegue entender a tributação no consumo.

Arrisco dizer que a grande maioria não entendeu a mudança na cobrança do ICMS dos combustíveis em junho passado (quando houve a redução do imposto) e não entendeu agora (quando a alíquota mudou). Aqui, em Minas Gerais, em 2016, o ICMS subiu 1 ponto percentual, ninguém reclamou, não houve revolta na rua nem ninguém fechando rodovia. Todos aceitaram quietos. Para o cidadão cobrar dos políticos, a questão da transparência é fundamental. É grave essa situação.

O que achou do benefício fiscal para o carro popular?

É difícil. O que parece é que cada um (no governo) está remando para um lado, e uma parte da equipe econômica, remando em outra direção. Não tem mais espaço para fazer isso. Não tem como aumentar a carga tributária. Não acho que seja o caminho. O certo é caçar os jabutis, e não criá-los. Eles já são inúmeros, estão enraizados e são todos atletas, correm que é uma beleza.

Quando se cria um benefício, é difícil tirá-lo. Zona Franca de Manaus vai até 2073. Tem alíquota zero de PIS/Cofins para companhias aéreas, programa para setor de eventos. Pela minha vontade, haveria uma revisão de benefícios, principalmente os setoriais. Temos um sistema tributário tão terrível e horroroso que é difícil para empresas sobreviverem sem benefícios.

Temos uma casa com telhado furado, e os benefícios são os baldes que se põe na sala. Por isso, insisto na reforma tributária. Todo mundo tende a ganhar.

Quais as maiores dúvidas de seus seguidores sobre a reforma?

O que mais me surpreendeu foi eles absolutamente desconhecerem o ICMS, o que mais se paga em tudo que se compra. Entendem bem o “imposto boleto”, como o Imposto de Renda. Mas, quando se fala em PIS/Cofins, nem tentam entender.

Quando surgiu a discussão sobre o ICMS do combustível, como um imposto é colocado por dentro do outro, fiquei chocada como ninguém tinha a menor ideia de como era calculado, uma tributação que está no seu dia a dia. Mas, com a política e a polarização nas redes, essa questão dos combustíveis acabou ajudando a reforma tributária. As pessoas querem entender para poder discutir nas redes.

Quais as maiores “fake news” que chegam a seu perfil? O que as pessoas têm certeza absoluta sobre o sistema tributário que não é verdade?

A maior dificuldade das pessoas é entender que renúncia fiscal é dinheiro público. Por exemplo, na Lei Rouanet, é a empresa que entrega o dinheiro ao artista — não estou falando nem bem nem mal —, mas é o Estado autorizando o repasse do imposto. Outra dificuldade é saber quem é responsável por cada imposto. Tributos estaduais, como ICMS, são considerados federais.

Como é a reação a uma mulher falando de impostos em uma rede tão hostil como o Twitter?

Só tenho haters homens. Criei o personagem Capital Óbvio, sempre que vem um homem para explicar em outras palavras o que acabei de postar. Isso sempre tem, mas consegui meu espaço, o respeito das pessoas sobre o que estou falando. Tento levar com bom humor.

Lucro presumido, não cumulatividade, como explicar essas questões nas poucas linhas do Twitter?

Tento fazer analogia. Para explicar a não cumulatividade, fiz a comparação com cashback. O que uma empresa compra, ela abate o imposto, como num cashback. Nesse período de declaração de Imposto de Renda, sobre a declaração simplificada, expliquei que o governo pressupõe que você teve 20% da sua renda com gastos dedutíveis, mas não tem os recibos.

Discutindo se é melhor fazer a reforma dos impostos sobre a renda uso a analogia do teto furado da casa. É importante fazer uma reforma da casa, mas e se eu trocasse a televisão? Ter televisão nova é legal, mas tem coisa mais urgente. Assim, consigo passar a noção de urgência da reforma (sobre o consumo).

O que achou do relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-BA) sobre a reforma tributária?

Separa o ideal do que é o possível. Por mais que almejasse um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) único, que seria o melhor dos mundos, não ia conseguir isso com nosso federalismo atual (a proposta é unificar os impostos federais em um IVA, e os estaduais e municipais em outro). Foi uma concessão que faz sentido, mas me preocupa a quantidade de alíquotas.

Dá conforto saber que está na Constituição, e o texto não vai ser deturpado ao longo do caminho. As concessões para saúde e educação (que devem ter alíquotas menores) eram inevitáveis.


Fonte: O GLOBO