Assim como as montadoras, fabricantes de insumos para a indústria automobilística estão promovendo cortes de turnos, férias coletivas e suspensão temporária de contratos para não demitir

As 14 paralisações de montadoras registradas no primeiro semestre deste ano para ajustar a produção de veículos à demanda mais fraca tiveram um efeito dominó na cadeia produtiva do setor. As empresas de autopeças estão sendo obrigadas a reduzir o ritmo de produção e a recorrer a férias coletivas, layoff (suspensão temporária dos contratos de trabalho) e redução de turnos para evitar demissões.

Por enquanto, não houve impacto no emprego, mas essa preocupação existe entre os fabricantes de peças.

A situação das montadoras também preocupa o governo, que criou um programa de R$ 1,5 bilhão, sendo R$ 500 milhões em créditos tributários para carros de até R$ 120 mil. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, admitiu que um dos objetivos é evitar paralisações e demissões no setor, que, segundo ele, emprega 1,2 milhão de pessoas.

Especialistas, no entanto, dizem que o programa só dará fôlego temporário às fábricas.

— A paralisação das montadoras tem impacto gigante nas autopeças. Elas tomam crédito, produzem e, quando estão preparadas para abastecer, a produção para. O efeito é que, no segundo ciclo, elas não se antecipam tanto, e o resultado é que começam a faltar peças — explica Cristiano Doria, sócio-diretor da consultoria Roland Berger no Brasil e especialista no setor automotivo.

Impacto no ABC paulista

Só no ABC paulista, onde há quatro montadoras (Volkswagen, General Motors, Mercedes-Benz e Scania), pelo menos nove empresas de autopeças tiveram de adequar sua produção, afetadas pela redução de ritmo nas fábricas.

O levantamento é do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com base nas negociações feitas entre essas empresas e a entidade. O sindicato tem uma base de 68 mil metalúrgicos, sendo aproximadamente 21,5 mil no setor de autopeças.

— Não tivemos demissões, apenas alguns programas de demissão voluntária (PDV). As empresas buscaram flexibilizar a produção com layoffs, férias coletivas e uso de bancos de horas. Mas o cenário preocupa porque os juros altos afetam as vendas de veículos, e as famílias estão endividadas — diz Wellington Messias Damasceno, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Em Diadema, a IGP, com 270 funcionários, que produz peças como capôs e para-lamas para montadoras e mercado de reposição, paralisou o terceiro turno por duas semanas entre março e abril. Também deu férias coletivas de 14 dias para 30 pessoas. Com isso, adequou sua produção à demanda e evitou corte de vagas. A produção já foi retomada.

— Houve queda da demanda, e não havia serviço para todo o pessoal. Optamos por reduzir temporariamente um turno e demos férias a um grupo de trabalhadores. Com isso, evitamos as dispensas — conta Nilson Rigoleto, responsável pela área de Recursos Humanos da IGP.

Outras empresas de São Bernardo, como a multinacional alemã ZF, que produz embreagens, deram férias coletivas. A também multinacional alemã Mahle, fabricante de sistemas para motores e transmissão, e a Arteb, que produz faróis, optaram por emendar feriados, com os dias de folga sendo compensados em outras datas.

É uma forma de frear um pouco a produção. Procuradas, as empresas não comentaram as medidas.

No mês passado, a luz amarela acendeu quando a japonesa Bridgestone informou que vai demitir 600 funcionários e encerrar a produção de pneus para veículos de passeio na sua unidade em Santo André, também no ABC. Segundo a direção, a empresa passará a focar na produção de pneus para caminhões, tratores e veículos off-road.

A decisão, afirmou a Bridgestone em nota, é parte “de um processo contínuo de avaliação do negócio e do mercado, para assegurar a competitividade da companhia e determinar a melhor alocação de recursos.” A produção de pneus de passeio e para caminhonetes irá para a unidade da Bahia no fim do ano.

— O caso da Bridgestone é de transferência de produção para a Bahia. Mas à medida que as montadoras reduzem sua produção, as fábricas de autopeças são afetadas. Nossa preocupação é que mais empresas deixem a região, como já aconteceu com Ford e Toyota — diz o presidente eleito do sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá, Adilson Sapão.

Em cidades como São José dos Campos e Taubaté, no interior de São Paulo, que também concentram fábricas de autopeças, os sindicatos de metalúrgicos locais relatam que pelo menos cinco empresas optaram por férias coletivas para ajustar a produção.

Procurado para comentar os impactos no setor, o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) não se manifestou.

Programa adiou paradas

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, disse que algumas montadoras cancelaram layoffs com o anúncio do pacote de estímulo do governo federal ao setor. É o caso da Volks, por exemplo, que suspendeu o layoff previsto para o início de junho na fábrica de Taubaté.

Leite ressalta que a produção subiu 27% em maio frente a abril, mas as vendas caíram, e o estoque das montadoras está elevado:

— Então, é natural que elas estejam trabalhando para equilibrar sua produção.

A GM anunciou esta semana que toda a unidade de São José dos Campos terá dez dias de paralisação remunerada, além de férias coletivas para o setor de transmissão. A unidade de Gravataí (RS) também vai parar por dez dias.

Já a Renault vai parar a produção por uma semana em São José dos Pinhais (PR).

A produção de veículos no país no primeiro semestre deste ano somou 942,8 mil unidades, acima do registrado no mesmo período de 2022, quando houve escassez de componentes, mas abaixo do nível pré-pandemia. Neste ano, a expectativa é fabricar 2 milhões de unidades — para um parque fabril com capacidade de 4 milhões.

Para a economista Juliana Inhasz, professora do Insper, mesmo com os estímulos, a produção não deve superar as projeções para o ano:

— Não é uma medida de grande impacto. Não vai estimular que mais pessoas, além das que já haviam se programado, comprem carro zero.

Lá fora, governos ajudam na transição para o elétrico

Para fortalecer a indústria nacional, o Brasil poderia seguir o caminho de países como Coreia do Sul, Alemanha ou EUA, que vêm injetando recursos no setor automotivo, inclusive em empresas de autopeças, na direção da transição para a produção de veículos elétricos. A avaliação é de Cristiano Doria, sócio-diretor da consultoria Roland Berger no Brasil.

Ele conta que o governo coreano criou um parque público para testes de ferramentas, que pode ser usado por qualquer empresa que esteja desenvolvendo novas tecnologias. Desde 2019 a Coreia mantém um programa que ajuda o desenvolvimento de pequenas indústrias do setor e oferece subsídio para modernizar as fábricas de veículos.

— Tudo isso sem protecionismo. No Brasil, a balança comercial de autopeças, atualmente, é negativa, com importações superando as exportações — diz Doria.

O governo alemão está investindo € 4 bilhões para apoiar a indústria automotiva, incluindo as de autopeças, na eletrificação. Metade é para adaptar linhas de produção, e o restante vai para aprimorar mão de obra e tecnologia.

No Brasil, a eletrificação está atrasada. No curto prazo, os biocombustíveis e o etanol manterão seu espaço.

— O Brasil continua a ser um dos países mais atrativos para a indústria automotiva, na 7ª posição em 2022. Por isso, há esforços das montadoras e dos governos estaduais em desenvolver a eletrificação por aqui — afirma Doria.


Fonte: O GLOBO