Vista como ‘linha dura’ e sensível à opinião pública, Cármen Lúcia assumirá comando do tribunal em junho do ano que vem
O voto da ministra Cármen Lúcia pela condenação de Jair Bolsonaro, que vai abrir a sessão desta sexta-feira do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vai não apenas definir o destino político do ex-presidente, mas também encerrar um ciclo de conflitos entre ele e a ministra. No caso, com vantagem para ela.
Cármen Lúcia já deu pistas do que fará nesta quinta-feira, ao interromper a manifestação do colega Raul Araújo para defender o voto do relator, Benedito Gonçalves, de uma crítica a respeito das menções à minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Raul Araújo construía o argumento que o levaria a absolver Bolsonaro dizendo não haver nexo entre a minuta – o rascunho de um decreto de intervenção da Presidência da República no TSE – e a reunião em que Jair Bolsonaro atacou a lisura do sistema eleitoral diante de um grupo de embaixadores estrangeiros.
Isso porque a defesa de Bolsonaro insistiu na tese de que a inclusão do documento cinco meses após a apresentação da ação pelo PDT seria contrária à jurisprudência do próprio TSE e configuraria uma forma de perseguição ao ex-presidente.
Araújo ia repetindo o mesmo argumento quando Cármen Lúcia parou sua fala para dizer que a minuta fundamentou o voto de Gonçalves. “A responsabilidade pelos fatos é personalíssima. Eu no meu voto considerei apenas a cena (da reunião com os embaixadores).”
Como o placar do julgamento no plenário com sete ministros está em 3 a 1 pela condenação de Bolsonaro, o próximo ministro que for pela condenação já formará maioria.
O voto de Cármen Lúcia ganha contornos mais simbólicos considerando que a ministra será a próxima presidente do TSE a partir de junho do ano que vem, quando termina o mandato de Alexandre de Moraes.
Ela é quem vai comandar o tribunal durante as próximas eleições municipais, quando o PL espera utilizar Bolsonaro como cabo eleitoral para eleger 1,5 mil prefeitos em todo o país.
Entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022, Bolsonaro chegou a acusar Cármen de fazer “de tudo” para que Lula se elegesse presidente. Bolsonaro também atacou a ministra por causa de decisões e votos que contrariam os interesses de seu governo.
As críticas ocorridas na reta final da eleição ocorreram após Cármen Lúcia determinar que a Polícia Federal investigasse se houve o envolvimento de Bolsonaro em um escândalo no Ministério da Educação (MEC), em um inquérito sigiloso. Como a decisão de Cármen escancarou as suspeitas sobre Bolsonaro, ele a acusou de tentar constrangê-lo em plena campanha.
“A senhora Cármen Lúcia quer me investigar, mais um constrangimento pré-eleitoral”, declarou na ocasião durante uma live nas redes sociais.
Em setembro, ela negou pedidos da equipe jurídica da campanha do PL para a retirada de vídeos da campanha de Lula que chamavam o então presidente de “genocida”.
A pouco mais de uma semana do segundo turno, ela deu uma liminar impedindo a estreia de um documentário do site Brasil Paralelo sobre o atentado a Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Na época, ela afirmou que esse tipo de decisão “pode ser um veneno ou um remédio” e justificou a censura pela "situação excepcionalíssima".
Outra decisão de Cármen Lúcia que irritou Bolsonaro se deu em março de 2021. Ela deu um prazo de cinco dias para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), se pronunciar sobre os pedidos de impeachment que estavam engavetados.
“Realmente acho que algo de muito errado vem acontecendo há muito tempo no Brasil”, espetou Bolsonaro, em uma live. “Eu não quero me antecipar, falar o que acho sobre isso aí. Só digo uma coisa: só Deus me tira da cadeira presidencial. E me tira, obviamente, tirando minha vida”.
Fora do campo eleitoral, Cármen Lúcia também já fez críticas incisivas contra o então presidente em processos a respeito de sua política ambiental e de acusações de que o Ministério da Justiça tinha um dossiê sobre supostos "servidores antifascistas".
“O uso da máquina estatal para a colheita de informações de servidores com postura política contrária ao governo caracteriza desvio de finalidade e afronta aos direitos fundamentais de livre manifestação do pensamento, de privacidade, reunião e associação”, repudiou a ministra, à época.
Em abril do ano passado, a ministra determinou que o governo Bolsonaro apresentasse um plano de combate ao desmatamento equivalente ao Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, diretriz oficial criada no primeiro mandato de Lula, no prazo de 60 dias.
Naquela oportunidade, Cármen Lúcia emitiu um duro voto no qual declarou um "estado de coisas inconstitucional” na área ambiental no Brasil, uma expressão utilizada quando tribunais reconhecem uma violação generalizada de direitos fundamentais.
“Eu temo por uma coisa que nós do direito constitucional, especialmente professores de Direito do Estado, sabemos que é a chamada caquistocracia. Tem a democracia, que é o governo dos melhores. E tem o pior dos mundos, que é a caquistocracia, os piores governando os piores”, disse a ministra na ocasião.
Para Bolsonaro, o pior dos mundos está começando a se formar agora.
Fonte: O GLOBO
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