Quantidade de pequenos negócios que contrataram empréstimo chegou a 7,4 milhões, diz levantamento do Sebrae. Maior oferta de garantias foi crucial para o avanço, dizem especialistas
Segundo economistas, o avanço foi impulsionado por vários fatores, como a diversificação de fontes de financiamento para as grandes companhias, que abre espaço para as pequenas no crédito, e medidas do governo para enfrentar a crise da Covid-19, especialmente programas de garantia.
Os pequenos negócios ainda enfrentam dificuldades para conseguir empréstimos, mas uma melhoria no acesso ajuda a dar um fôlego, especialmente em tempos de crise. Foi o que fez Elizabeth Santos Chagas, de 53 anos. Dona da Lau e Beth Cosméticos, distribuidora de produtos para os salões de Japeri, na Baixada Fluminense, ela pegou R$ 6,5 mil no banco, por meio do Pronampe, um dos programas de garantia.
Quando a pandemia chegou, em 2020, Elizabeth apostou no comércio eletrônico e passou a vender ao consumidor final, em sites como Mercado Livre e Magalu. Na retomada, em 2021, exagerou no investimento em estoque, mas as vendas ratearam em 2022, deixando contas atrasadas. O empréstimo veio em outubro, tirando a empresa do sufoco.
— Fiz um investimento grande, em produtos, mas não deu certo. Não batemos a meta e nos enrolamos — contou a empresária.
Pé no freio
Em meio ao ciclo de elevação dos juros pelo BC, situações como a da Lau e Beth Cosméticos deram ritmos diferentes à freada no crédito. Para grandes companhias — faturamento anual acima de R$ 300 milhões —, o saldo das operações ficou estável em abril, ante um ano antes. Para empresas com faturamento abaixo de R$ 300 milhões, mesmo desacelerando, cresceu 11,3%. As pequenas empresas são as que faturam até R$ 4,8 milhões por ano.
Uma postura mais cautelosa dos bancos, por causa do escândalo da Americanas, sinaliza para um novo pé no freio — preocupado, o setor financeiro quer um reforço adicional nos programas de garantia, como mostrou O GLOBO na semana passada. Mas a diferença de ritmos de crescimento na tomada de crédito sugere que o aumento da quantidade de pequenos negócios contratando empréstimos permitiu maior inclusão desses empreendedores.
Segundo economistas, parte dessa onda de inclusão financeira está relacionada à agenda do BC nos últimos anos, que favoreceu a competição no setor, impulsionando as companhias de maquininhas de cartões e as fintechs, as startups de serviços financeiros.
Vinicius Carrasco, sócio-diretor da empresa de maquininhas Stone e ex-diretor do BNDES, também destaca a combinação de novas regras de crédito do banco de fomento com um ciclo de baixa nos juros, entre 2017 e 2021. Desde 2018, os juros do BNDES foram equiparados aos do mercado, incentivando as grandes empresas a buscarem outras fontes de crédito.
— A redução dos juros e do (tamanho do) BNDES gerou um florescimento do lançamento de títulos —disse Carrasco.
Com isso — embora este ano a emissão de papéis para levantar recursos esteja em forte queda —, as grandes companhias substituíram parte de seus empréstimos bancários, completou Luiz Fernando Castelli, gerente de assuntos econômicos da Febraban, entidade que representa o setor financeiro. Como resultado, os bancos passaram a mirar mais nos pequenos negócios.
Mais Garantias
A onda foi impulsionada também por melhorias num dos principais obstáculos para as pequenas empresas: a falta de garantias. Sem imóveis ou fianças corporativas para oferecer aos bancos, muitas vezes os pequenos empresários têm o crédito negado.
Uma das melhorias foram as novas regras do BC para negociações com “recebíveis”, como são chamados os valores de vendas que as empresas têm a receber no futuro, disse Carrasco, da Stone. Novas regras facilitaram o uso desses valores como garantia.
Os recebíveis das vendas via cartão de crédito facilitaram a vida da clínica de estética MyShape, localizada na Vila Romana, Zona Oeste de São Paulo, na hora de pegar um empréstimo de R$ 70 mil. Segundo Alessandra Pereira, 40 anos, dona do negócio, os juros foram melhores porque a empresa usa a maquininha do mesmo banco do qual é cliente. O histórico positivo de vendas ajudou. Com o dinheiro, ela colocou as contas em dia, após uma reforma na clínica ter ficado mais cara do que o estimado.
— Cheguei a pesquisar, mas a melhor opção era no banco no qual sou correntista, porque usava os valores a receber como garantia.
Agora, ela busca renegociar a dívida, para reduzir a parcela mensal que já está pagando. Uma opção seria usar um automóvel como garantia, outra mudança de regras do BC.
Parte importante da melhoria no problema da falta de garantias teve caráter emergencial. O Pronampe e o Peac, programas de garantias criados para enfrentar a pandemia, despejaram R$ 243 bilhões em empréstimos de 2020 até hoje. Com a elevada demanda, o governo decidiu torná-los permanentes.
Operados pelo Banco do Brasil (BB) e pelo BNDES, respectivamente, os programas oferecem ao tomador a garantia, assim como um seguro-fiança permite ao inquilino alugar a moradia sem um fiador.
— Nas minhas contas, os programas respondem por 35% do avanço do crédito, em 12 meses, para as empresas com faturamento anual de até R$ 300 milhões — disse o economista Paulo Ribeiro, professor do Insper.
Capital de giro
O acadêmico ressaltou que, tradicionalmente, os pequenos negócios tomam empréstimos para capital de giro, que, mesmo em tempos de juros altos, podem ser necessários para fechar as contas. O capital de giro foi particularmente afetado na pandemia, como ocorreu com a Naty Moda Praia, fabricante de vestuário de Araçatuba (SP).
— No fim de 2021, as vendas começaram a alavancar bastante. Aproveitamos o embalo e abrimos a terceira loja — disse Natália Fernanda Camilo, de 38 anos, sócia do negócio fundado pela mãe, Isabel, no qual trabalham 13 pessoas. — Mas o início de 2022 foi muito ruim. Em janeiro, todo mundo pegou Covid e houve frio antecipado, o que atrapalhou o nosso ramo.
A empresa ficou devendo, no cartão de crédito e no cheque especial. Após buscar consultoria no Sebrae, Natália pegou um empréstimo de R$ 75 mil, pagou as dívidas anteriores e fez uma reorganização na empresa.
Giovanni Bevilaqua, economista do Sebrae Nacional, avalia que, apesar do recorde de pequenos negócios tomando crédito, o acesso ainda é restrito. Pesquisas da entidade mostram que só a metade dos pequenos empresários busca crédito. Eles se financiam muito mais com fornecedores.
Na visão de Igor Senra, presidente da Cora, banco digital que oferece ferramentas de gestão para pequenos negócios, os programas de garantia não atacam a “raiz” do problema. A gestão é o maior gargalo.
— O crédito pode ser uma alavanca, empurrando o negócio para frente, ou uma âncora, puxando para baixo — disse Senra.
Carrasco, da Stone, acha “contraproducente” o estímulo aos empréstimos oferecido pelos programas federais, pois um dos objetivos da alta de juros é moderar o crédito, para segurar a inflação. Enquanto a política de juros pisa no freio, os programas de garantia pisam no acelerador, obrigando o BC a manter a taxa mais alta por mais tempo, diz.
Fonte: O GLOBO
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