Encontre um paralelo na Europa. Não há. Quando um time desse porte faz temporada “terrível”, está no meio da tabela

O futebol brasileiro tem certa característica que me intriga há anos. Todo grande clube passa por crises, no mundo inteiro, o tempo todo. Mas os nossos agonizam mais. Com o Brasileirão próximo da metade, o Vasco tem seis pontos e campanha digna de rebaixamento. O Santos, que nem vai tão mal neste torneio, quase rebaixou no Paulista em vários anos consecutivos. Encontre um paralelo na Europa. Não há. Quando um time desse porte faz temporada “terrível”, está no meio da tabela.

A natureza do mercado me levava a crer que o amadorismo e a péssima condição financeira da maioria das associações fossem a resposta. Não adianta gastar muito em jogadores — nas remunerações ou nas compras dos direitos deles —, se quem assina o cheque não se preparou tecnicamente para a função. Nem dá para imaginar que um clube possa ter performance consistente em campo se tem limitações financeiras gritantes. Mas 2023 tem mostrado que o problema é maior.

O Santos tem limitações financeiras, é verdade, e não conta com a injeção de capital de um novo proprietário, tal qual a nova geração de clubes-empresas. Ainda assim, é um time cuja folha de pagamento do futebol foi de R$ 135 milhões no ano passado e não deve estar muito distante na temporada atual. Se por um lado a comparação com Flamengo e Palmeiras é cruel, pois esses gastam três vezes mais e levam medonha vantagem financeira, isto não deveria inviabilizar o Santos.

O Fortaleza tem um dos desempenhos esportivos mais impressionantes dos últimos anos, com boas aparições nos campeonatos que disputa, inclusive internacionais, e tinha R$ 97 milhões em folha salarial. O Athletico-PR chegou à final da Libertadores com R$ 191 milhões, talvez o melhor exemplo de eficiência do futebol brasileiro na última década. Ambos gastam quantias próximas à dos santistas.

No Vasco, já não dá para reclamar da falta de dinheiro. A começar pelo fato de que há um aporte extraordinário de R$ 700 milhões, garantido pelo contrato da venda do futebol para a 777 Partners, que quase ninguém tem no país. Só isto já fez com que o clube tivesse outro comportamento na janela de transferências, em relação à realidade da falida associação civil. A folha salarial também deve ter aumentado em 2023, ante os R$ 70 milhões gastos no ano passado, em que... jogou a Série B.

“Where is the money” (Cadê o dinheiro) é a frase que vascaínos praguejam. Minha curiosidade não é esta, mas que diabos tem sido feito com a grana. Era de se esperar que torcedor e mídia pressionassem por títulos, mas o desempenho fosse de meio de tabela. Seis pontos em 11 jogos no Brasileirão? Eliminação na segunda fase da Copa do Brasil? Esses resultados são incompatíveis com investimento atual, quase distópicos, tão ruins que não se explicam só pela via do dinheiro. Há algo muito errado ali.

Outro problema nosso é que, diante de perguntas complexas, escolhemos as respostas erradas e nos apaixonamos por elas. Santistas e vascaínos tornaram Vila Belmiro e São Januário campos de batalha, como se o “terror” alguma vez tivesse feito um time jogar bola. O CEO do Vasco vem sendo ameaçado de morte por ser flamenguista, como se fizesse diferença. Comportamentos criminosos estimulados por ideias estúpidas, propagadas por jornalistas, influenciadores e opositores políticos.

Enquanto perdemos tempo e energia discutindo barbaridades, o problema persiste, e sem solução. Vejamos quantos grandes clubes serão rebaixados até que alguém consiga explicar o porquê.


Fonte: O GLOBO