Relatório preliminar da reforma tributária, apresentado na Câmara dos Deputados, prevê a unificação dos tributos sobre o consumo em dois impostos e abre espaço para diferentes taxas de cobrança

Os pontos principais do relatório preliminar da reforma tributária, apresentado ontem no grupo de trabalho criado para tratar do tema na Câmara dos Deputados, foram avaliados positivamente por economistas consultados pelo GLOBO, mas há uma série de alertas.

Na opinião deles, requer atenção, especialmente, um eventual excesso de alíquotas, mas há também dúvidas sobre a viabilidade de se criar um sistema de cashback, com devolução de parte dos impostos pagos pelos mais pobres, e críticas sobre a manutenção da Zona Franca de Manaus. Por outro lado, concordam que é melhor uma reforma imperfeita que nenhuma.

O texto final da reforma tributária deve ser votado na Câmara na primeira semana de julho. Essa foi a previsão comunicada pelo relator do projeto na Casa, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ontem.

O ponto central da reforma é a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, ou seja, na prática serão dois impostos diferentes para centralizar os cinco tributos sobre consumo. O IVA federal vai reunir IPI, PIS e Cofins, enquanto o IVA subnacional, a ser gerido por estados e municípios, juntará ICMS e ISS.

Para Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), embora um único IVA com uma só alíquota fosse considerado o formato ideal para o Brasil -- a exemplo do que acontece em vários países --, a solução dos deputados é uma saída para viabilizar politicamente a aprovação da reforma.

– Há boas experiências com o IVA dual, como no Canadá – afirmou Pires, lembrando que esse formato é útil especialmente em países federados como o Brasil.

A reforma ideal não seria essa

Para Sérgio Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e assessor da Secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul, a proposta preliminar veio “dentro do esperado”.

– A reforma ideal não seria essa, mas entre a ideal e a factível, é melhor a segunda opção – disse o pesquisador, acrescentando que não se pode abrir mão da unificação dos tributos estaduais com os municipais, alvo da resistência de alguns prefeitos. – A despeito de não ser a reforma ideal, a proposta é muito boa e será preciso defendê-la contra o lobby do atraso – completou.

Poucas alíquotas

Para os economistas, a adoção de poucas faixas distintas de taxação é importante para que a simplificação tenha como resultado a redução da burocracia e o impulso ao crescimento econômico.

Segundo Pires, a adoção de mais de uma alíquota no IVA é inevitável, países europeus que adotam esse modelo também fazem isso, mas para que a reforma seja bem-sucedida, o ideal seria que a maioria das atividades econômicas pagasse a alíquota média ou intermediária.

O relatório preliminar apresentado ontem aponta a criação de uma alíquota padrão e outras para bens e serviços específicos, sem definir quantas. O texto sugere tratamento especial para saúde, educação, transporte público coletivo urbano, aviação regional e produção rural, recomendando ainda avaliar uma alíquota própria para produtos da cesta básica.

– A diferenciação de alíquotas pode tirar eficiência da reforma – alertou Gobetti, completando que será preciso atenção na regulamentação das alíquotas.

Regimes especiais

Pires também considera inevitável a criação de “regimes especiais” para setores que não se enquadrem bem na lógica do IVA.

Na apresentação do relatório preliminar, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da reforma, citou como setores que poderão ter regimes diferenciados “todas as operações com imóveis”, incluindo a construção civil, os serviços financeiros, incluindo bancos, seguradoras e corretoras, e o setor de “combustíveis e lubrificantes".

'Cashback' é a principal inovação

Também estão entre os pontos principais do relatório preliminar da reforma tributária a criação de um sistema de cashback para baixa renda e a manutenção da Zona Franca de Manaus. Pires destacou o sistema de cashback como a “principal inovação” da proposta costurada pelo relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mas ponderou que há dúvidas sobre sua viabilidade política.

Na prática, o sistema seria uma compensação para a reintrodução de impostos sobre produtos básicos, como alimentos.

Gobetti, do Ipea, ponderou que, caso haja muitas faixas de alíquotas mais baixas que a padrão, especialmente sobre os produtos da cesta básica, o efeito “progressivo” (de maior justiça tributária) do cashback poderá perder força.

Isso porque a ideia do sistema é focar o benefício tributário apenas nos mais pobres, ou seja, evitar que os consumidores mais ricos também aproveitem o benefício para pagar menos impostos sobre produtos básicos.

Zona Franca, um 'vespeiro'

A manutenção dos subsídios para a Zona Franca de Manaus é o ponto mais negativo da proposta dos deputados, na avaliação de uma nota técnica do Centro de Liderança Pública (CLP) assinada pelos economistas Daniel Duque e Pedro Trippi, e divulgada antes do anúncio do relatório preliminar.

Para os economistas da entidade, o prazo de 50 anos previsto para a manutenção dos benefícios tributários para indústrias que se instalem na área fabril do Amazonas deveria ser mais curto.

Para criticar a Zona Franca, especialistas frequentemente apontam para o valor elevado que os governos deixam de arrecadar naquele polo industrial e para os efeitos negativos sobre a produtividade, já que os subsídios incentivam a ineficiência das companhias, como a instalação de fábricas longe dos mercados consumidores.

O problema, segundo Pires, é que o assunto é um “vespeiro” do ponto de vista político. Parlamentares da região constroem suas carreiras políticas com base na defesa da Zona Franca. No fim do mês passado, O GLOBO mostrou que a Zona Franca de Manaus era o principal entrave para um consenso no grupo de trabalho em torno do relatório.

Fundo de compensação

Como esperado, o relatório preliminar também manteve a proposta de criar um Fundo de Desenvolvimento Regional para impedir que alguns estados e municípios tenham perdas muitos grandes de arrecadação no novo sistema.

Os estados querem um fundo de R$ 100 bilhões por ano, até 2032, sendo a maior parte ou a totalidade desse dinheiro bancada com recursos federais, para assegurar a existência de instrumentos de incentivo à atividade econômica, de acordo com integrantes do Comsefaz (comitê que reúne secretários de Fazenda das unidades da federação).

Segundo a nota técnica do CLP, o fundo é importante para garantir a transição do atual sistema tributário para o novo, introduzido com a reforma.

Fim da 'guerra fiscal'

Pires, da FGV, lembra que o novo sistema acabará com a chamada “guerra fiscal”, eliminando vantagens tributárias, oferecidas por alguns estados, que acabam sendo determinantes para uma empresa decidir pela localização de suas instalações. Sem essas vantagens, estados menos desenvolvidos poderão perder arrecadação com a eventual saída de empresas.

– A questão é qual o volume (do fundo), qual o critério de rateio (dos recursos) e quem banca. Há dúvida sobre qual a parcela da União e como isso afetará as finanças públicas federais – afirmou Pires.


Fonte: O GLOBO