Falta de indicação sobre redução próxima da taxa pode contribuir para desaceleração da economia, com perda de empregos, queda da arrecadação e dificuldade de cumprir metas fiscais

Um dia após a decisão do Banco Central (BC) frustrar o governo sobre o início do corte dos juros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, elevaram o tom das críticas contra a autoridade monetária, que manteve a Taxa Selic em 13,75% ao ano e não sinalizou claramente um corte na próxima reunião, em agosto.

Lula disse que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, está “jogando contra os interesses da economia brasileira”, enquanto Haddad citou o aumento da inflação e da carga tributária no futuro. A equipe econômica teme que uma desaceleração da economia, com perda de empregos e queda da arrecadação, dificulte cumprir as metas do arcabouço fiscal.

O BC, por sua vez, citou no comunicado haver “alguma incerteza residual” sobre o desenho final do arcabouço fiscal, aprovado anteontem pelo Senado.

— Eu acho que este cidadão (Campos Neto) joga contra a economia brasileira — disse Lula, ao fim de sua visita à Itália. — É irracional o que está acontecendo no Brasil. Você tem uma taxa de juros de 13,75% com uma inflação de 5% (a projeção do mercado é que o IPCA termine o ano em torno de 5%).

Arcabouço fiscal

O presidente voltou a criticar a lei de autonomia do Banco Central, sancionada em fevereiro de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro, que permitiu a permanência do comando do banco por até oito anos, em mandatos fixos de quatro anos. Campos Neto fica no cargo até o fim de 2024.

— Eu tenho brigado com os senadores, foram eles que puseram esse cidadão lá. Esses senadores têm que analisar se ele está cumprindo aquilo que foi a lei aprovada para ele cumprir — afirmou. — Ele tem que ser cobrado, é só isso.

Acompanhando Lula na viagem, Haddad disse que o comunicado do Copom foi “muito ruim” e que o BC está contratando um problema. Para ele, um eventual tom mais ameno na Ata, que é mais detalhada e será divulgada na terça-feira, não alivia o cenário.

— Nós estamos contratando um problema com essa taxa de juros. É isso que essa decisão significa. Está contratando inflação futura e aumento da carga tributária futura. É isso que está sendo contratado — afirmou o chefe da equipe econômica. 

— O comunicado, como de hábito, é o quarto comunicado muito ruim. Todos foram ruins. E às vezes ele corrige na Ata, mas não alivia a situação. Há um descompasso entre o que está acontecendo com o dólar, com a curva de juros, com a atividade econômica.

Há uma profunda irritação nos bastidores com a postura do Banco Central. Para integrantes da equipe econômica, o governo foi tirando ruídos do caminho que deram espaço para o corte de juros, mas Campos Neto não deu a resposta sobre isso.

Assessores de Haddad citam o primeiro pacote de redução do déficit, em janeiro, e o envio do arcabouço fiscal ao Congresso em abril. O BC não estaria sensível a esses movimentos, segundo essa visão.

No comunicado, o BC cita, porém, que há incerteza sobre a redação final do arcabouço. Isso por si só irritou a Fazenda, que considera não haver mais dúvidas sobre a proposta para controlar as contas públicas.

Impacto na arrecadação

O BC também afirma que a conjuntura é marcada por um “estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento” e por “expectativas de inflação desancoradas”. Esse cenário segue demandando “cautela e parcimônia”, diz o comunicado.

“O Comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária e relembra que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”.

Para a equipe de Haddad, já passou da hora de reduzir os juros porque a inflação projetada permitiria a mudança, assim como a sinalização do corte já estava precificada pelo mercado. Além da preocupação com geração de empregos, a equipe de Haddad teme que a manutenção da Selic neste patamar cause queda da arrecadação, por causa da redução da atividade econômica.

Uma arrecadação menor dificultaria ao governo atingir as metas fiscais a partir de 2024, quando se projeta zerar o déficit. Em 2025, o plano é atingir um superávit de 0,5% do PIB. Em 2026, de 1%. Haddad mencionou ontem essa preocupação com a arrecadação:

— Os estados estão perdendo arrecadação, os municípios estão perdendo arrecadação, a União não está performando.

O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, engrossou o coro:

— Essa manutenção da Taxa Selic não prejudica apenas a atividade econômica, mas tem um outro impacto do ponto fiscal, porque quase metade da dívida pública brasileira é ‘selicada’ (atrelada à Selic).

Haddad e Campos Neto, além da ministra do Planejamento, Simone Tebet, se reúnem pessoalmente na próxima quinta-feira. Será a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) para decidir sobre a meta de inflação, que o Banco Central deve perseguir.

O ministro da Fazenda já disse diversas vezes que seria ideal deixar de considerar uma meta calendário (de um ano fechado) e passar a ser adotada uma meta contínua. Ainda não está decidido, porém, se essa mudança será levada a cabo agora.

Se não ocorrer, será preciso decidir a meta de 2026. Em 2023, o BC deve perseguir inflação de 3,25%. Em 2024 e 2025, de 3% — sempre com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo.

Em entrevista ao podcast 2+1, dos colunistas Vera Magalhães e Carlos Andreazza, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, criticou a decisão do Copom:

— Precisávamos de uma sinalização, mesmo que pequena. Temos todos os fatores para começar a trajetória de redução da taxa de juros.


Fonte: O GLOBO