Segundo Trump, homem que movimento caixas com arquivos em sua casa na Flórida também será réu; juíza responsável por processo foi nomeada pelo ex-presidente

Um dia após usar as redes sociais para anunciar que foi acusado criminalmente na investigação federal sobre a retirada de documentos sigilosos da Casa Branca ao fim de seu mandato, o ex-presidente Donald Trump voltou à internet para anunciar que um de seus assessores de longa data também virou réu. Quase simultaneamente, em um sinal dos problemas judiciais que ameaçam os planos do republicano de voltar à Presidência, dois de seus principais advogados pediram demissão.

Trump postou na Truth Social, plataforma que lançou no ano passado após ser banido das principais redes sociais após incitar turbas a invadirem o Capitólio — veto desde então desfeito —, que o assessor militar Walt Nauta também se sentará no banco de réus federais. O Departamento de Estado e a Casa Branca ainda não confirmaram as acusações, mas o homem era visto pelos procuradores como uma testemunha central das investigações.

"Eu acabei de saber que os 'pilantras' do Departamento de Injustiça acusarão um homem maravilhoso, Walt Nauta, integrante da Marinha Americana, que serviu com orgulho ao meu lado na Casa Branca, se reformou (...) e depois fez a transição para a vida privada como um assessor pessoal", escreveu o ex-mandatário, que participará de dois eventos de campanha no sábado.

Procurada pelo jornal Washington Post, a defesa de Nauta se recusou a comentar, e os detalhes exatos da acusação devem permanecer sob sigilo até que o réu compareça ao tribunal para ser formalmente notificado. Trump deve comparecer ao Tribunal Distrital Federal de Miami, onde o processo tramitará, às 15h de terça-feira (16h no Brasil), mas não está claro se a audiência de seu assessor será no mesmo dia.

Quando foi interrogado inicialmente pelos agentes do FBI, a Polícia Federal americana, no segundo semestre do ano passado, Nauta negou ter conhecimento de que documentos sigilosos estavam armazenados na casa de Trump no resort de Mar-A-Lago. Em um segundo depoimento, contudo, afirmou que teria deslocado caixas com materiais, seguindo ordens do ex-presidente, após uma intimação para que todos os documentos sigilosos fossem devolvidos.

Trump passou a manhã jogando golfe em seu clube no estado de Nova Jersey com o deputado Carlos Gimenez, cujo distrito inclui Miami. Pouco antes, postou também na Truth Social que dois dos advogados que lidavam diretamente com o Departamento de Justiça abandonaram sua equipe.

"Para fins de lutar contra a maior caça às bruxas de todos os tempos, que agora se desloca para os tribunais da Flórida, eu agora serei representado por Todd Blanche e uma firma que será posteriormente nomeada", escreveu Trump. "Quero agradecer Jim Trusty e John Rowley por seu trabalho, mas estavam contra um grupo muito desonesto, corrupto, malvado e 'doente' de pessoas, de um tipo que nunca foi visto antes."

Disputas internas

Em uma nota subsequente, Trusty e Rowley anunciaram que pediram demissão, afirmando que "foi uma honra passar o último ano defendendo" o republicano. A saída dos dois, contudo, ocorre cerca de um mês após a saída de outro advogado da equipe trumpista, Timothy Parlatore, que dias depois de deixar o grupo foi à CNN reclamar que outro advogado da equipe, Boris Epshteyn, criava conflitos internos.

Segundo o New York Times, Trusty e Rowley também tinham problemas com Epshteyn e que essa foi uma das razões para deixarem o trabalho. Eles foram dois dos três advogados que, três dias antes das acusações, participaram de uma reunião com representantes do Departamento de Justiça, e Trusty entrou ao vivo na CNN na noite de quinta para defender o ex-presidente.

Em seu comunicado, a dupla disse ainda que o fato de o caso tramitar na Flórida fez com que "fosse lógico para nós sair de cena e deixar que outros o completem".

A juíza responsável pela audiência de Trump será Aileen Cannon, que o próprio ex-presidente nomeou em 2020 — diferentemente do Brasil, cabe ao presidente indicar os magistrados federais. Não está claro, contudo, se ela continuará no caso a longo prazo. No ano passado, deu vários veredictos a favor da equipe do ex-presidente na investigação referente aos documentos, que impuseram obstáculos ao trabalho do Departamento de Justiça.

Blanche, o novo advogado, já representa Trump no processo criminal que enfrenta na Justiça estadual de Nova York — situação que o transformou no primeiro presidente dos EUA a responder a acusações criminais.

Em 4 de abril, o ex-presidente compareceu ao tribunal em Manhattan para ser formalmente acusado de 34 imputações referentes a três casos relacionados à falsificação de registros comerciais antes das eleições presidenciais de 2016. Entre eles está o suposto suborno de US$ 130 mil da atriz pornô Stormy Daniels para abafar um caso extraconjugal que mantiveram dez anos antes, e que ele sempre negou.

Os crimes específicos referentes aos documentos sigilosos ainda são desconhecidos, mas a imprensa americana afirma que ele responderá a sete acusações, incluindo retenção intencional de segredos de defesa nacional em violação da Lei de Espionagem e obstrução da Justiça por conspiração. Elas foram apresentadas pelo escritório do promotor especial Jack Smith, nomeado pelo Departamento de Justiça em novembro.

Problemas com a Lei

Smith encabeça não só a investigação referente aos documentos, mas também a investigação referente ao papel que o ex-presidente possa ter exercido na invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Na ocasião, Trump incitou turbas de apoiadores para invadir a sede do Congresso americano durante uma sessão conjunta que confirmaria a vitória do democrata Joe Biden, etapa derradeira antes de sua posse marcada para 14 dias depois.

Os trabalhos prosseguem e o ex-presidente, até o momento, ainda não é réu — uma comissão bipartidária da Câmara que fez uma investigação própria, contudo, fez uma recomendação não vinculante no fim do ano passado para que ele fosse acusado por insurreição e fraude. 

Outro imbróglio que envolvem o ex-presidente é a investigação sobre uma possível tentativa de interferir no processo eleitoral da Geórgia, onde pediu para que autoridades eleitorais "encontrassem" os votos que faltavam para reverter a vitória de Biden. Os indícios são de que acusações podem estar perto.

No início do mês passado, um júri civil nova-iorquino decidiu também que o ex-presidente difamou e abusou sexualmente da escritora Elizabeth Jean Carroll no vestiário de uma loja de departamento nos anos 1990. Ele escapou de ser responsabilizado por estupro, mas precisará pagar US$ 5 milhões (R$ 24,9 milhões) em danos — US$ 2 milhões pela queixa civil e US$ 3 milhões por difamação.

No fim do ano passado, a Organização Trump, empresa do ex-presidente, foi considerada culpada em esquema de fraude fiscal. Uma investigação paralela, conduzida por três anos pela promotora-geral de Nova York, Laetitia James, revelou fraude sistemática no império imobiliário do republicano, e o Estado pede a devolução de cerca de US$ 250 milhões que teriam sido sonegados. A análise do caso no tribunal está prevista para começar em 2 de outubro.


Fonte: O GLOBO