Estudos apontam que temperaturas nos prédios pouco ventilados e sem refrigeração estão relacionadas a um número crescente de mortes; soluções sofrem com resistência política

O Texas estava entre os lugares mais quentes da Terra na semana passada, quando uma onda de calor causou estragos do México à Flórida. Enquanto os moradores de toda a região lutavam para se refrescar, o calor extremo afetou particularmente aqueles que menos podiam se proteger, principalmente os encarcerados.

De acordo com o Texas Tribune, pelo menos nove pessoas nas prisões do Texas morreram quando as temperaturas no Estado beiraram os 40°C. Essas mortes ilustram os perigos únicos que as pessoas encarceradas enfrentam quando ocorrem condições climáticas extremas, perigos que só aumentam à medida que ondas de calor, secas e furacões se tornam mais frequentes devido às mudanças climáticas.

O impacto exato que o calor teve sobre os encarcerados no Texas na semana passada, sem falar no número de mortos, não está claro. Isso porque o sistema prisional estadual não classifica uma morte como relacionada ao calor há mais de uma década. 

Mas um estudo de 2022 descobriu que, entre 2001 e 2019, cerca de 13% das mortes nas prisões do Texas durante os meses quentes podem ser atribuídas ao calor extremo. Essa estimativa é 30 vezes maior do que o número de mortes relacionadas ao calor na população geral dos EUA.

A onda de calor do Texas foi alimentada por uma cúpula de calor – isto é, ar quente preso sob uma bolha estagnada de alta pressão.

— É uma cúpula porque fica bem acima de você, não se move para lugar nenhum — disse Mingfang Ting, professor de clima, oceano e física do clima na Universidade de Columbia. — E quanto mais tempo dura no mesmo local, mais quente fica porque o sol está constantemente aquecendo. Não há alívio.”

O calor escaldante da semana passada tornou-se cinco vezes mais provável devido às mudanças climáticas, de acordo com a organização sem fins lucrativos Climate Central. A cúpula de calor impulsionou temperaturas especialmente extremas porque estava essencialmente adicionando calor a um sistema já superaquecido.

Pessoas encarceradas são especialmente vulneráveis a altas temperaturas, não apenas porque não têm ar-condicionado, mas porque a arquitetura prisional dificulta o resfriamento. As janelas, quando existem, normalmente não abrem, limitando a ventilação e as brisas cruzadas que podem reduzir a temperatura interna em pelo menos alguns graus.

— A temperatura que as pessoas estão experimentando é extrema — disse Julie Skarha, principal autora do estudo de 2022 que recentemente recebeu seu PhD em epidemiologia pela Brown University, sobre as prisões do Texas.

Depois que um funcionário dos correios desmaiou e morreu devido ao calor durante a recente onda de calor, o serviço postal americano mudou o horário de entrada dos carteiros para 7h30 para limitar sua exposição aos horários mais quentes do dia. Mas esses tipos de mudanças comportamentais para evitar o calor são coisas que podem ser difíceis para quem está preso, disse a autora.

— Tomar banho frio quando quiser não é possível para todos. Beber tanta água quanto você quiser: a água não está disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana em algumas dessas instalações, como podemos supor. Também a forma de se vestior: talvez mudemos o tipo de roupa que estamos vestindo para ajudar a nos refrescar. Isso também não é uma opção no encarceramento.

Dois terços das prisões do Texas carecem da solução óbvia: ar condicionado. O mesmo também é verdade para prisões em outros estados igualmente quentes. Em 2022, um porta-voz da Flórida disse ao USA Today que apenas um quarto das prisões do Estado tinha ar-condicionado. Apenas 15% das prisões do Alabama tinham ar-condicionado em 2022.

A falta de ar condicionado nas prisões americanas contrasta fortemente com a disponibilidade fora delas. Em todo o país, quase 90% das residências têm ar-condicionado. Esse número sobe no Sudeste para 95% dos domicílios.

— Não construiríamos nenhum tipo de prédio novo, exceto uma prisão, sem adicionar ar-condicionado— disse David C. Fathi, diretor do American Civil Liberties Union National Prison Project.

— É muito difícil comprar uma nova casa nos Estados Unidos nos últimos 20 anos que não tenha ar-condicionado, não importa onde você mora — disse Andrew deLaski, diretor executivo do Appliance Standards Awareness Project, ao CityLab em 2019. Dados da US Energy Information Administration mostra que 86% das casas construídas entre 2016 e 2020 tinham ar condicionado central, enquanto menos de 0,1% das casas não tinham ar condicionado.

O escritório de Fathi processou vários departamentos correcionais pela ausência de ar-condicionado em suas prisões. Tribunais em estados como Mississippi e Wisconsin apontaram que a falha em diminuir o calor extremo viola a Oitava Emenda, que inclui uma cláusula contra punições cruéis e incomuns. Mas, apesar dessas decisões, as prisões ainda estão atrás do resto do país quando se trata de ar-condicionado. No início deste ano, a legislatura do Texas não alocou nenhum financiamento direto para prisões com ar-condicionado, apesar de um superávit de US$ 32,7 bilhões no orçamento de dois anos.

— Acho que a única explicação [para a falta de ar condicionado] é o desejo de ser visto como alguém que faz mal aos prisioneiros — disse Fathi. — E às vezes ouvimos políticos dizerem isso explicitamente: 'Não quero que os prisioneiros tenham ar-condicionado'.

Em 2014, os eleitores de Jefferson Parish, de Louisiana, aprovaram uma nova prisão somente depois que os líderes locais prometeram que não haveria ar-condicionado. Dois anos depois, em 2016, a Louisiana gastou mais de US$ 1 milhão lutando contra uma ação judicial – quatro vezes o custo de instalação de ar-condicionado, de acordo com um depoimento de especialista – para instalar ar-condicionado no corredor da morte. 

Da mesma forma, o Texas pagou mais de US$ 7,3 milhões em honorários advocatícios contra o condicionamento de ar da unidade geriátrica de uma prisão estadual. Após um acordo de 2018, o Estado concordou em resfriar a prisão a um custo de menos de US$ 4 milhões.

— Isso mostra que não se trata de uma decisão econômica racional que está sendo tomada — disse Fathi. — Esta é uma decisão política performática que está sendo tomada para prejudicar os prisioneiros.

Não são apenas os estados do sul onde as pessoas estão em risco. Skarha também é autora de um estudo mais amplo separado sobre mortes relacionadas ao calor nas prisões.

— Eu observei quais regiões dos EUA veem o maior aumento de mortes relacionadas ao calor em comportamento extremo para aquela região específica foi no Nordeste — disse a pesquisadora.

Outras formas de clima extremo agravadas pelas mudanças climáticas também ameaçam os encarcerados em todo o país. Durante os furacões, por exemplo, é comum que os encarcerados permaneçam em prisões no caminho da tempestade. O mesmo vale para incêndios florestais.

A pesquisa de Skarha também descobriu que pessoas encarceradas com 65 anos ou mais tiveram maior mortalidade quando as temperaturas subiram. Em um mundo em aquecimento, Fathi apontou que essas vulnerabilidades, juntamente com o que ele chamou de “sentenças brutalmente longas”, estão entre os fatores que tornam as prisões cada vez mais inseguras sem refrigeração adequada. O mesmo acontece com o número de indivíduos encarcerados com doenças mentais, que dependem de medicamentos que podem torná-los mais suscetíveis a doenças relacionadas ao calor.

— Esse problema é de alcance verdadeiramente nacional e está piorando progressivamente — disse Fathi. — Temperaturas mais altas e uma população prisional mais velha, mais doente e mentalmente doente tem sido uma combinação verdadeiramente letal.


Fonte: O GLOBO