Lugar escolhido para montar equipamento foi a quarta montanha mais alta do país, entre São Paulo e Minas Gerais, e também a que registra as temperaturas mais elevadas

O El Niño promete antecipar o fim do inverno, mas não extinguirá a chance de encontrar registros de baixas temperaturas. E a esperança de registrar frio, mesmo enquanto o restante do Brasil arder, mora perto do céu. Um projeto que reuniu uma universidade, proprietários rurais e um meteorologista apaixonado pelo frio instalou, com a ajuda de escaladores, a estação meteorológica mais alta do Brasil.

No cume da Pedra da Mina, onde São Paulo e Minas Gerais se encontram a 2.798 metros de altura, não há espaço para o calor. Lá, o frio nunca termina. Os dados são acessíveis gratuitamente pela internet para qualquer interessado no site wsclima.com.br.

Instalada no fim de junho e operacional desde a semana retrasada, a estação fica no topo de quarta montanha oficialmente mais alta do Brasil. A Pedra da Mina é também o ponto mais elevado da Serra da Mantiqueira e mais fria que as três montanhas mais altas do país, pois duas ficam na tórrida Amazônia (picos da Neblina e 31 de Março, na Serra do Imeri, que faz fronteira com a Venezuela) e a terceira, o Pico da Bandeira, entre Minas e Espírito Santo, uma região também mais quente que a Mantiqueira.

— Tudo vai ser novidade. Vamos descobrir quanto frio de verdade faz no Brasil — afirma o idealizador e executor do projeto e consultor meteorológico William Siqueira.

'Caçadores de frio'

Siqueira integra o grupo Mantiqueira Abaixo de Zero, que reúne caçadores de frio como ele. É de alguns dos integrantes do grupo, incluindo o próprio consultor, a iniciativa de instalação das estações meteorológicas do Parque Nacional do Itatiaia (PNI), em Resende, no estado do Rio de Janeiro. Graças a essas estações, o PNI se tornou comprovadamente, até agora, o lugar mais frio do Brasil. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) chegou a ter uma estação por lá. Mas ela já não existe mais.

Também na Serra da Mantiqueira, o PNI registra as menores temperaturas do país, graças à altitude e à posição geográfica. O Sul do Brasil fica em uma latitude mais fria. Mas a altitude literalmente fala mais alto, e as serras sulinas são mais baixas.

Isso ocorre porque quanto mais alto, menos denso é o ar. E como o ar é um mau condutor de calor, a temperatura cai à medida que ele se rarefaz. A cada quilômetro para cima, são cerca de 6 °C a menos no termômetro, em média.

Siqueira estima que os recordes do PNI vão cair na própria Mantiqueira. A Pedra da Mina fica no braço da Mantiqueira chamado Serra Fina, bem em frente ao Maciço das Agulhas Negras, onde está o PNI. As estações do PNI estão a 2.585 metros (Massena) e a 2.440 metros, no Campo Belo.

Na sexta-feira, 5,9 graus

Na tarde da sexta-feira, enquanto no município do Rio de Janeiro fazia 25 °C, o Massena estava a 11,4 °C e a Mina, a 5,9 °C. Mas na madrugada do mesmo dia, o Campo Belo bateu 11,3 °C negativos. Ainda não havia dados da Pedra da Mina. Mas a expectativa de Siqueira é que ela quebrará todos os recordes.

— A Pedra da Mina é mais alta, exposta. O vento ali é incessante. Vamos ter recordes — anima-se Siqueira.

Ele acredita que as máximas na Pedra da Mina não devem passar de 15 °C.

As estações mais altas e frias do Brasil operam por obra e graça da sociedade civil. Mais precisamente, de caçadores de frio. A estação da Mina foi possível graças à parceria da empresa de consultoria meteorológica de Siqueira com a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e a Associação dos Proprietários da Serra Fina (APSF), num projeto iniciado em setembro de 2022.

Instalar uma estação no alto da montanha foi uma operação complexa. A estação precisa ser robusta para resistir a condições adversas o ano todo, funcionar a bateria solar e ser totalmente autônoma, porque não há ninguém lá em cima para resolver problemas.

Chegar lá, num dia de clima bom, leva em torno de dez horas de escalada. A estação mede temperatura, precipitação, umidade, direção e velocidade do vento, radiação solar, e tem sensores adicionais de qualidade do ar e de proximidade de raios. Esses sensores adicionais também devem trazer novidades, porque a serra é duramente castigada por raios em suas muitas tempestades.

— Vamos conseguir, por exemplo, saber o quanto atividades humanas afetam o ar naquela altitude — observa Siqueira.

Por conta de todos esses obstáculos, a instalação planejada há mais de ano precisou ser adiada várias vezes. Porém, o maior problema não foram o clima nem as rochas, e sim o sinal de internet, para a transmissão dos dados em tempo real. Ele precisou ser ajustado pelos escaladores que instalaram a estação mais de uma vez.

Coube aos escaladores Muriel Cintra, Júlio Carmo e Daniel Villela carregar o equipamento montanha acima e instalar a estação. Os três são guias de montanha experientes e conhecedores da Serra Fina. Essa parte da Mantiqueira é considerada um dos maiores desafios de trilheiros e escaladores no Brasil, campo de treinamento para montanhas como o argentino Aconcágua, que, com 6.961 metros, é a montanha mais alta do mundo fora dos Himalaias.

Apoio ao turismo

O ajuste do serviço de internet deu trabalho. O sinal pega apenas numa faixa exata de altura, nem um metro a mais nem a menos.

A Associação dos Proprietários da Serra Fina está interessada nas informações meteorológicas para dar apoio principalmente ao turismo, que só cresce na região. Já a universidade tem foco em avaliar equipamento e transmissão.

— Mas todo mundo pode consultar. É uma forma de conhecer melhor toda a diversidade do Brasil — frisa Siqueira, que já se prepara para explorar lugares ainda mais frios e inacessíveis que, por ora, são ainda apenas projetos.


Fonte: O GLOBO