Incursão foi a primeira com ataques aéreos em 20 anos, sinal do aumento das tensões na região; um ataque palestino em Tel Aviv deixou oito feridos
sudias de ataques aéreos, com blindados e mais de mil soldados em solo, Israel anunciou nesta quarta-feira o fim da maior incursão militar em 20 anos no território ocupado da Cisjordânia, acirrando as tensões em uma área onde a escalada de violência há meses desata temores. Após a retirada, uma multidão de palestinos tomou o campo de refugiados de Jenin para acompanhar o enterro dos 12 mortos.
O principal porta-voz militar israelense, Daniel Hagari, disse à rádio Khan News, emissora pública do país, que todos os soldados já deixaram o campo de Jenin, o epicentro da operação. Afirmou crer, entretanto, que precisarão retornar no futuro, sem deixar claro o quão em breve ocorreria uma nova incursão na Cisjordânia, sob ocupação israelense desde 1967.
Horas depois, milhares de palestinos saíram às ruas participar do enterro das 12 vítimas — segundo a BBC, ao menos oito deles tinham relações com o grupos armados —, com enormes cortejos acompanhados por bandeiras palestinas e tiros para o alto. Nos preparativos, jovens combatentes instalaram armadilhas antitanques e bombas caseiras para dissuadir israelenses de enviarem automóveis com militares à paisana.
A violência havia aumentado nas últimas horas, conforme os soldados israelenses começavam a se reagrupar para deixar o campo, momento em que foram registrados alguns dos embates mais intensos com integrantes de grupos armados. Israel anunciou que um de seus soldados, David Yehuda Yizhak, de 23 anos, morreu baleado durante a retirada.
Simultaneamente, cinco foguetes disparados contra Israel a partir do território palestino da Faixa de Gaza foram imediatamente interceptados pelo Domo de Ferro, o poderoso sistema antiaéreo do país. Fragmentos dos artefatos caíram sobre uma casa na cidade de Sderot, causando danos mínimos, e não houve vítimas.
Israel, em resposta, atacou o que descreveu como instalações subterrâneas do movimento político-militar Hamas, que controla o enclave desde 2007, mas que até o momento não assumiu a autoria dos foguetes, com frequência também disparados por outros movimentos armados. Segundo as Forças de Defesa de Israel, a retaliação "impede significativamente a intensificação e os esforços da organização terrorista Hamas de se armar".
Criado há 70 anos para abrigar refugiados palestinos após a criação de Israel em 1948 e a guerra subsequente, o campo de Jenin tem menos de meio km². No centro do acirramento da violência visto nos últimos meses, é um dos bastiões da resistência armada palestina, berço de uma nova geração de combatentes articulada de forma mais horizontal, que vê com desconfiança a autoridade palestina e os movimentos armados mais tradicionais.
Jenin é também lar de centenas de combatentes de grupos históricos como o Hamas, o Fatah e a Jihad Islâmica — facção contra a qual Israel lançou uma ofensiva há dois meses que deixou 34 mortos em cinco dias de bombardeio em Gaza. Há quase um ano, hostilidades tiraram mais de 40 vidas.
Os ataques israelenses contra o local começaram na segunda, sob a prerrogativa de que a operação era necessária para fazer frente ao crescimento de ataques armados palestinos contra israelenses, muitos deles supostamente realizados por moradores de Jenin. Desde que a Segunda Intifada chegou ao fim em 2005, contudo, não se viam bombardeios aéreos contra a Cisjordânia.
O precedente foi rompido pelo governo mais à direita da História do país, após semanas de pressão das alas mais radicais para que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu — que voltou ao poder em dezembro após um interregno de 18 meses — tomasse ações mais contundentes. A ascensão do grupo veio sob promessa de combater a violência e expandir os assentamentos de colonos israelenses, considerados ilegais pelo direito internacional.
A operação para "erradicar o terrorismo e ceifar as ameaças" desta semana, contudo, chega ao fim com 30 prisões, e nesta quarta os israelenses convocaram a imprensa para mostrar as grandes quantidades de armas, munições e artefatos explosivos que afirmam terem apreendido no campo. Alguns deles, afirmam, inclusive dentro de mesquitas.
A disputa teria forçado ao menos 3 mil pessoas a deixarem suas casas, buscando abrigos em escolas, casas de parentes e outros prédios públicos. Algumas pessoas dizem que saíram de casa por conta própria, enquanto outras afirmam que foram forçadas pelas ameaças que ecoam em alto-falantes.
Israelenses negam ter forçado retiradas, mas confirmam que dispararam mensagens de texto sugerindo o deslocamento temporário. O movimento de retorno se intensificou logo após os israelenses deixarem Jenin.
— Estava preocupado com os meus quatro filhos, sua segurança e saúde mental. Este lugar é uma destruição completa — disse à BBC Mazen Abu Leil, que retornou nesta quarta. — Os combatentes são pessoas humildes como eu, mas a imprensa faz elas parecerem fortes e poderosas. Acredito que as forças israelenses voltarão aqui para fazer isso novamente.
Quase 6 mil km² da Cisjordânia foram ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando os israelenses tomaram também Jerusalém Oriental e mais de 20 aldeias no Leste da cidade. Conquistaram ainda as Colinas de Golã; a Península do Sinai, que seria devolvida ao Egito nos acordos de Camp David, de 1978; e Gaza, de onde os colonos saíram de forma unilateral em 2005.
A destruição é visível, do asfalto levantado pelos blindados israelenses aos buracos nas paredes das casas, feitos para encaixar os canos das armas de atiradores. A mancha de sangue onde o soldado israelense foi baleado nesta quarta permanecia no local horas depois, assim como os carros destruídos. Segundo a ONU, há danos significativos às redes de distribuição de água e energia. Drones israelenses continuam a sobrevoar a região.
Na noite de terça, há relatos de que prédios da Autoridade Nacional Palestina (ANP) foram apedrejados em Jenin, sinal do descontentamento com o grupo — e do pouco controle sobre o movimento armado. O grupo foi criado em 1994, como parte dos históricos Acordos de Olso, pelos quais Israel se retiraria gradualmente dos territórios palestinos ocupados da Cisjordânia e de Gaza.
As áreas passariam gradualmente ao controle limitado da ANP, mas isso nunca aconteceu por completo. O grupo chegou a ser criado, mas no último pleito nos territórios semiautônomos, em 2006, o Hamas conquistou mais cadeiras no Parlamento do que o Fatah, organização dominante até então.
Após conflitos, determinou-se que o Hamas controlaria Gaza e o Fatah, a Cisjordânia. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, governa por decretos desde que seu mandato expirou há 14 anos, e uma pesquisa realizada em março deste ano em Gaza e na Cisjordânia pelo Centro Palestino de Política e Pesquisa indica que 78% dos palestinos querem sua renúncia.
A insatisfação parece ter piorado com o aumento da violência nos últimos meses: em 2022, forças israelenses mataram mais de 170 palestinos nos territórios ocupados da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, o ano mais letal desde 2006. Até maio deste ano, os mortos já eram 156, despertando indagações de alguns especialistas se havia uma nova Intifada em curso — tensões que pioraram com a volta de Netanyahu.
Fonte: O GLOBO
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