Francisley Valdevino vai se apresentar aos deputados no dia 3, mas habeas corpus de Roberto Barroso dá ao réu o direito de permanecer calado para não se incriminar

Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins, vai depor na CPI das Pirâmides Financeiras no dia 3 de agosto. Após passar quase oito meses preso, Valdevino foi libertado no fim de junho, mas ainda é réu por crime contra o sistema financeiro nacional. O ministro Luís Roberto Barroso, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu um habeas corpus para garantir a Francisclei, na condição de investigado, o direito de permanecer calado frente a perguntas em que ele possa se incriminar.

O Sheik dos Bitcoins foi denunciado por fomentar fraudes financeiras, especialmente esquemas de pirâmides disfarçadas de investimento em criptomoedas. Cálculos indicam que Francisley teria arrecadado R$ 1 bilhão entre os clientes, oferecendo taxas de até 13,5% mensais pelo aluguel de criptomoedas. Seu apelido surgiu pela ostentação de riqueza, que incluía jatinhos particulares, mansões cinematográficas, carros de luxo, lanchas e viagens internacionais, principalmente para os Emirados Árabes Unidos

A CPI das Pirâmides Financeiras já está de posse de documentos demonstrando a existência de empresas de Francisley em Londres, no Reino Unido. O mesmo dossiê indica que pelo menos outros dois réus em processos de pirâmides financeiras, Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó dos Bitcoins (RJ), e Antônio Inácio da Silva Neto, o Antônio Ais (PB), também abriram empresas em Londres para, supostamente, operar no exterior.

O presidente da CPI, deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade), disse que a descoberta de empresas ligadas às pirâmides no Reino Unido é uma das linhas de investigação que ganhará força após a quebra do sigilo dos acusados, de suas empresas e de outros integrantes das organizações lideradas por eles. O principal objetivo da CPI, segundo ele, é buscar a restituição dos clientes lesados.

Na capital britânica, o Sheik dos Bitcoins era dono da Rental Coins LTD, empresa que levava o mesmo nome do principal braço dos golpes de Francisley no Brasil. O advogado Jeferson Brandão, que representa clientes lesados pela empresa, está seguindo na semana que vem para Londres, onde pretende entregar papéis relativos às empresas britânicas do Sheik, do Faraó e de Antônio Ais à Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido (FCA), órgão regulador do sistema financeiro inglês.

— Como as regras de abertura de empresas lá são diferentes das nossas, eles não precisavam integralizar o patrimônio declarado num primeiro momento. Essas empresas serviam aos golpes por apresentar um capital milionário, para demonstrar que tinham lastro financeiro e atrair mais e mais clientes — disse o advogado.

Advogados de vítimas da BraisCompany, empresa de Antonio Ais também acusada de criar uma pirâmide financeira disfarçada de aluguel de criptomoedas, apuraram que a subsidiária britânica do mesmo grupo, a Metaverso Capital Group UK, seria uma firma de fachada. 

Em resposta a uma consulta de Artêmio Picanço e Matheus Puppe, ambos defensores de clientes lesados, a FCA já informou que a Metaverso e BraisCompany Soluções Digitais e Treinamento jamais foram autorizados a operar em território britânico, “sendo talvez empresas fraudulentas”.

Glaidson é outro réu com empresa em Londres. Ele é dono, com sua mulher, a venezuelana Mireles Diaz Zerpa, da Mireglad Technology LTD. Pelas características da firma britânica, semelhantes às dos outros acusados, Jeferson Brandão acredita que o seu objetivo era amplificar o golpe no exterior. 

O Faraó dos Bitcoins, indagado sobre o assunto ao depor na CPI das Pirâmides, na quarta-feira, relutou a admitir a existência de filiais no exterior e não forneceu mais detalhes sobre elas.

Ao ser cobrado sobre a restituição dos clientes lesados, quase 90 mil, segundo cadastro judicial, ele disse que teria o dinheiro, mas que só devolveria os investimentos depois que a sua empresa, a GAS Consultoria Bitcoins, fosse reaberta e voltasse a operar. 

A empresa, contudo, está em processo de falência, em andamento na Justiça fluminense. Ainda assim, a declaração foi recebida com esperança por parte dos clientes.

— Desde a prisão de Glaidson, sempre acreditei que a GAS (firma do acusado) tem condições de nos ressarcir. A declaração na CPI renovou minhas esperanças — disse o advogado e ex-investidor Reginaldo Ferreira dos Santos, de Cabo Frio.

Os advogados dos acusados, procurados pelo GLOBO, não se posicionaram. Dos três denunciados, apenas Francisley está solto, sob condicionantes. Glaidson está no presídio federal de Catanduvas, no Paraná, e Antonio Ais, foragido. Em reiteradas ocasiões, eles alegaram inocência e defenderam a licitude do negócio.


Fonte: O GLOBO