Governador mostrou desconforto pela manhã com vaias de petistas e críticas à polícia e a Bolsonaro, e não foi a evento à tarde

Em um ensaio de aproximação com o presidente Lula (PT) e com o prefeito carioca Eduardo Paes (PSD), o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), acompanhou a dupla de aliados em agendas públicas e em um jantar restrito nesta quinta-feira. 

Os acenos de ambas as partes, no entanto, esbarraram em momentos de desconforto durante uma visita de Lula a Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, para lançar a obra de um anel viário na região na manhã desta quinta. Castro, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, chegou a ser vaiado e ouviu críticas de Lula à atuação da Polícia Militar (PM) do Rio.

Castro não compareceu à segunda parte da agenda de Lula nesta quinta-feira, na zona portuária do Rio -- embora o telão do evento exibisse o logotipo do governo estadual, junto aos emblemas da prefeitura e do governo federal. Dos aliados mais próximos ao governador, somente o secretário estadual de Turismo, Gustavo Tutuca, compareceu ao evento.

Sem Castro, Lula e Paes anunciaram investimentos federais para reestruturar a região portuária. A dupla também acompanhou a assinatura de uma resolução pelo ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, destinada a restringir o fluxo de voos do aeroporto Santos Dumont.

Ao comentar a ausência de Castro, Paes procurou fazer um afago e disse que o governador vinha conduzindo as conversas sobre a readequação do fluxo aeroportuário com a gestão Bolsonaro, por ter uma "proximidade maior com o governo anterior". A medida era defendida pela prefeitura e pelo governo estadual sob o argumento de desafogar o Santos Dumont e redirecionar voos para o aeroporto do Galeão, permitindo sua viabilidade econômica.

— O governador Cláudio Castro tinha uma proximidade maior com o governo anterior e comandava as conversas. Ele jogou junto com a gente nessa negociação e nessa discussão — disse Paes, antes de afirmar que Lula entendeu "em uma reunião tudo o que o governo anterior não entendeu" em quatro anos.

Procurada, a assessoria do governador não informou se ele teve outros compromissos à tarde. O vice-governador Thiago Pampolha, que esteve presente na manhã, também não compareceu à agenda de Lula na zona portuária.

Apesar da ausência na agenda oficial, Castro decidiu comparecer a um jantar oferecido por Paes a Lula e seus ministros na noite desta quinta, na Gávea Pequena, residência oficial do prefeito. O evento também recebeu petistas do Rio que estiveram em lado oposto a Castro na última campanha eleitoral, como o atual presidente da Embratur, Marcelo Freixo, e o secretário de Assuntos Federativos, André Ceciliano. Freixo e Ceciliano concorreram, respectivamente, ao governo e ao Senado em 2022.

Segundo um interlocutor do Palácio Guanabara, os ruídos ao longo do dia não chegaram a criar rusgas entre o governador e Lula. Castro é aguardado para a cerimônia de lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nesta sexta-feira, no Theatro Municipal do Rio.

Mudança de rota

Apesar do plano original de lançar o aliado Doutor Luizinho (PP), atual secretário estadual de Saúde, na corrida à prefeitura do Rio em 2024, Castro tem sinalizado a aliados que não descarta uma aliança com Paes — o que também é desejo do prefeito, de acordo com interlocutores de ambas as partes.

A movimentação de Castro se dá pela dificuldade de viabilizar a candidatura de Luizinho. Além de pouco conhecido na capital, por ter reduto político na Baixada Fluminense, o atual secretário deve reassumir o mandato na Câmara dos Deputados para ser o líder da bancada do PP até 2024, o que o afastaria da corrida pela prefeitura. 

A ida de Luizinho a Brasília é articulada pelo presidente do PP, Ciro Nogueira, que deseja ter um nome de confiança no comando da bancada do partido na Câmara. O atual líder, André Fufuca (PP-MA), deve ser alçado a um ministério, num acordo de Lula com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Aliados do governador também avaliam que ele pode ter dificuldades para se eleger ao Senado em 2026, plano visto como sua prioridade, caso siga atrelado à família Bolsonaro. Castro, que busca fidelizar uma base ampla de prefeitos para a empreitada, tem acenado a aliados de Lula, como Paes e o ex-prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT), para ter mais capilaridade eleitoral.

Críticas à PM

As críticas de Lula à atuação da polícia do Rio, no entanto, causaram constrangimento a Castro. O governador ainda não se pronunciou publicamente sobre a morte do adolescente Thiago Meneses Flausino, de 13 anos, em um dos acessos à Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, na última segunda-feira. 

O jovem foi baleado por policiais militares, que apresentaram versões conflitantes sobre o caso. A família do adolescente acusa a PM de execução e de ter forjado a cena do crime para alegar uma suposta troca de tiros.

Em discurso diante de Castro na primeira agenda do dia, em Campo Grande, na Zona Oeste, Lula chamou de "irresponsável" e "despreparado, do ponto de vista psicológico" um policial que "atira em um menino que já estava caído", referindo-se ao episódio na Cidade de Deus. 

Embora o presidente tenha afirmado, em seguida, que não pode "culpar a polícia" e "nenhum governador" por episódios desse tipo, conclamando também o governo federal a auxiliar os estados na formação de policiais, a declaração foi mais uma saia-justa para Castro, que assistiu à fala de Lula sem esboçar reação.

Em outros episódios, Castro já elogiou a atuação da polícia após ações com letalidade em favelas. O governador também mostrou resistência à adoção de câmeras nas fardas de unidades policiais de elite.

Os agentes acusados pela morte do adolescente na Cidade de Deus fazem parte do Batalhão de Choque, uma das unidades especiais da PM do Rio, e não tinham câmeras nas fardas. Em julho, o governo estadual editou um decreto para que essas unidades de elite passem a usar as câmeras corporais, atendendo a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), mas a medida ainda está em fase de operacionalização, segundo a polícia.

No evento com Lula na manhã desta quinta, o governador do Rio também mostrou desconforto ao ser vaiado por militantes petistas, quando teve seu nome anunciado, e durante as duras críticas do atual presidente a Bolsonaro. 

Na reta final do discurso, Lula disse que seu antecessor na Presidência, correligionário de partido de Castro, "não nasceu para governar", e sim para "pregar o ódio e a mentira". Enquanto aliados de Lula se levantaram no palanque aplaudindo a fala, antes mesmo do término do pronunciamento, Castro se manteve sentado e optou por levantar e aplaudir de forma contida só após o fim do discurso.

À tarde, o presidente procurou aparar arestas políticas e disse que atenderá pedidos do governador do Rio.

_Nunca vou perguntar a um governador em quem ele votou. O que importa é que ele foi votado, e é com ele que vou fazer relações e investimentos naquele estado - disse Lula.


Fonte: O GLOBO