Dois em cada dez brasileiros enfrentam algum grau de pobreza. Nove anos antes, eram quatro em cada dez. Mas lares chefiados por pretos e pardos ainda são mais vulneráveis

Os elevados níveis de pobreza e vulnerabilidade social despencaram em quase uma década. Entre 2008 e 2009, quatro em cada dez brasileiros enfrentavam algum grau de pobreza e oito em cada 20 tinham alguma vulnerabilidade. Nove anos depois, esses patamares haviam caído para dois e seis em cada dez, respectivamente.

É o que revelam os dados do IBGE divulgados nesta sexta-feira. Os dados comparam duas edições da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), a de 2017/2018 (última disponível) com a de 2008/2009. A pesquisa não contempla, portanto, efeitos da pandemia sobre acesso a bens básicos, como moradia e educação, usados na definição de pobreza e vulnerabilidade.

Apesar da melhora, a população ainda amarga desigualdades que não se alteraram neste período: os lares em que a pessoa de referência é preta ou parda, ou possui menor renda ou menor grau de instrução, continuam concentrando número mais elevado de pessoas na pobreza ou algum tipo de vulnerabilidade socioeconômica.

O estudo é uma continuação da análise apresentada em junho, quando o instituto mostrou que a qualidade de vida do brasileiro cresceu no período. A peculiaridade dessa pesquisa é que, para medir o grau de pobreza e quão vulneráveis os brasileiros estão, a renda não é considerada.

São observadas dimensões das famílias para além dos gastos com produtos e serviços. A partir de um conjunto de 50 indicadores, organizados em seis dimensões, o IBGE forma três índices. As dimensões analisadas são:
  • moradia;
  • serviços de utilidade pública;
  • saúde e alimentação;
  • educação;
  • acesso a serviços financeiros e padrão de vida;
  • transporte e lazer.
São 46 milhões na pobreza

O estudo considera que uma família vive na pobreza se há perdas em pelo menos um terço desses seis grupos. Já a vulnerabilidade é considerada quando são registradas perdas em pelo menos um sexto das categorias apuradas.

Os índices variam de 0 a 100, e quanto menor o indicador menor a pobreza e a vulnerabilidade.

O Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) caiu de 6,7 para 2,3, uma retração de 65% em nove anos. Em outras palavras, significa dizer que cerca de 44,2% da população brasileira (ou 84,1 milhões) tinham algum grau de pobreza entre 2008 e 2009, percentual que caiu para 22,3% (ou 46,2 milhões de brasileiros) entre 2017 e 2018.

Já o Índice de Vulnerabilidade Multidimensional (IVM) apontou queda de 47% no mesmo período. O indicador recuou de 14,5 para 7,7. Ou seja, cerca de 155 milhões de brasileiros (ou 81,7%) lidavam com algum grau de vulnerabilidade entre 2008 e 2009, contingente que passou para 132 milhões de pessoas (ou 63,8% do total) em nove anos.

Um terceiro índice também é considerado pelo IBGE. O Índice de Pobreza Multidimensional com Componente Relativo (IPM-CR) , justamente pela sua relatividade, caiu apenas 20%. Diferente dos demais, este não adota pontos de corte e não classifica as pessoas estritamente como pobres.

Desigualdades estrutural

Houve forte retração da pobreza e na vulnerabilidade no país de modo generalizado: todos os estados brasileiros, além das diferentes faixas de renda, composição familiar e raça experimentaram quedas nos indicadores. Mas a melhora não reduziu certas disparidades:

- Essa queda não é suficiente, para eliminar as diferenças que existem entre a pobreza das famílias em que a pessoa de referência é preta ou parda. O índice de pobreza, por exemplo é quase três vezes o índice da população branca - destaca Leonardo Santos de Oliveira, analista da pesquisa.

O índice de pobreza em que a pessoa de referência é branca era de 3,3 em 2008-2009 e passou para 1,1 em 2017-2018. Entre pretos e pardos, o indicador passou de 9,6 para 3,2.

Níveis superiores, de pobreza ou vulnerabilidade, também foram verificadas quando a pessoa responsável pelo lar tinha menor nível de instrução, menor renda, e a família tinha mais de um adulto com ao menos uma criança.

"Os maiores valores dos três índices continuam concentrados nos seguimentos menos favorecidos, indicando um componente estrutural da desigualdade de qualidade de vida que já estava presente em 2008-2009 e permaneceu em 2017-2018", informou o estudo.

Combate à pobreza tem caráter multidimensional

A pesquisa também aponta que as questões relacionadas à falta de acesso a serviços financeiros (19,3%), educação (19,1%) e transporte e lazer (17,3%) tiveram maior impacto sobre as famílias brasileiras e ajudaram a determinar os graus de pobreza e vulnerabilidade.

Ainda assim, seu nível não foi tão mais elevado que as demais categorias. Serviços de utilidade pública e saúde e alimentação apresentaram impacto de 14,4% cada.

- A pesquisa mostra que deve ser dado alguma prioridade para melhorar a saúde e alimentação, educação e acesso aos serviços financeiros. Mas todas as dimensões devem ser levadas em consideração para combate e diminuição da pobreza. São necessárias estratégias que precisam ser combinadas - avalia Santos.


Fonte: O GLOBO