Clima acirrou na sigla com dirigente chamado de ‘bandido’ e ‘caudilho’ em reunião da Executiva Nacional no último sábado
Comandado por Roberto Freire há mais de três décadas, o Cidadania vive o seu momento mais delicado, com um racha interno que envolve divergências sobre o rumo do partido e temas centrais, como a adesão ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o futuro da federação com o PSDB.
A crise ficou escancarada no último sábado, com bate-boca e xingamentos de “bandido”, “vagabundo” e “picareta” numa reunião virtual da Executiva Nacional da sigla que já foi PPS e PCB, o antigo “partidão”. A confusão foi gravada e veio a público nas redes sociais. Roberto Freire aparece acusando dirigentes de tentar tirá-lo da presidência, enquanto outros integrantes trocam ameaças e acusações de “bandido” e “caudilho”.
O principal embate foi protagonizado pelo secretário-geral do partido, Régis Cavalcante, e por um dos vice-presidentes da sigla, o ex-deputado federal Daniel Coelho.
— (Você é) picareta e cínico — disse Coelho a Cavalcante, que rebateu:
— Picareta é você, cachorro.
O pano de fundo da crise é a divergência entre os integrantes da Executiva Nacional em relação ao futuro da legenda, que deve trocar de comando após mais de três décadas. O atual presidente, Roberto Freire, não poderá disputar novamente o cargo porque o mais recente estatuto proíbe a sua reeleição. Na última recondução, no ano passado, ele foi eleito por unanimidade em um mandato que, em tese, vai até 2026 — mas caminha para antecipação ainda este ano.
Freire tem defendido a convocação de um congresso extraordinário para eleger novamente toda a direção da sigla, em níveis municipal, estadual e nacional, o que inclui também o novo presidente. O congresso ocorreria ainda este ano e com a participação de todos os integrantes da legenda. O encontro teria potencial de mudar o partido por completo, em uma ampla renovação, argumentam aliados do atual presidente.
'Não tem clima'
Outra ala, porém, defende que a sigla reformule apenas a Executiva Nacional este ano, inclusive o presidente. E não por meio de um congresso, mas de uma votação dos membros do atual diretório nacional da legenda. Essa ala saiu vitoriosa na reunião de sábado, após aprovar uma resolução para que o Diretório Nacional discuta, no próximo dia 9 de setembro, se haverá ou não eleição da Executiva Nacional. Freire, no entanto, alega que a reunião de sábado não foi válida, pois foi interrompida e não terminou.
— A reunião mostrou que há uma fratura no partido. Estou trabalhando não para discutir o que nos divide, mas o que pode manter uma unidade. Quando veio a impossibilidade de ser candidato de novo, começou uma disputa por quem iria me suceder. Não tem clima para continuar com essa direção — acrescenta Freire, dizendo que a sua proposta tem apoio da bancada do partido no Congresso Nacional.
Aliados de Freire argumentam também que o congresso seria uma saída “pacífica” e que iria honrar os mais de 30 anos que ele ficou à frente do partido — situação oposta a ser destituído pelo diretório. Para interlocutores do atual presidente, a tentativa de tirá-lo do cargo de forma antecipada é uma resposta ao seu posicionamento contrário à adesão do Cidadania ao governo Lula.
Em janeiro, o Diretório Nacional declarou apoio ao governo Lula. Mas Freire e a bancada de parlamentares seguem pregando a independência do partido no Congresso. Segundo esse grupo, há pontos de divergência entre o Cidadania e o governo do PT, como em relação à Lei das Estatais, aos governos de Nicolás Maduro e Daniel Ortega e à Reforma Trabalhista — especialmente, a possível volta do imposto sindical.
— Presido um partido cuja bancada é independente e a direção é favorável ao apoio ao governo. Como fazemos? Temos de buscar esse consenso se quisermos continuar como partido — diz Freire, que chama o episódio de sábado de “totalmente estranho à história” do Cidadania e defende o congresso como a medida “mais democrática” a se tomar.
Além do apoio ao governo Lula, há discordância sobre o futuro da federação com o PSDB. Por um lado, integrantes criticam a união com os tucanos sob o argumento de que o partido não colheu bons resultados eleitorais e acabou refém do PSDB, que por ser uma sigla maior conseguiu se impor em decisões sobre as candidaturas. Um dos casos foi no Distrito Federal, onde o Cidadania abriu mão de lançar a então deputada federal Paula Belmonte para apoiar o senador tucano Izalci Lucas.
Fonte: O GLOBO
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