Visita do Papa Francisco à Mongólia foi momento de distensão com Pequim, mas regime comunista mantém controle estrito da vida religiosa no gigante asiático

Quando o Papa Francisco visitou a Mongólia, no início do mês, uma das principais expectativas era sobre a reação no país vizinho ao sul, a China. O Pontífice foi cauteloso, deu declarações de apreço à cultura chinesa e fez questão de ressaltar que o trabalho da Igreja não tem agenda política, o ponto mais sensível para Pequim. Especialistas identificam um momento de distensão nas tortuosas relações entre Vaticano e a China comunista, mas isso não quer dizer menos controle sobre a vida religiosa no gigante asiático.

Na prática, ela está cada vez mais centralizada sob o comando do Partido Comunista, que é oficialmente ateu. Uma nova regulamentação que está em vigor desde o primeiro dia de setembro estabelece os limites para a atividade religiosa no país, com ênfase na obrigação de que ela esteja enquadrada na ideologia do PC e de seu líder, Xi Jinping. Chamada de “Diretiva Número 19”, a regulação deixa isso claro em seus 76 artigos. Uma amostra:

“Os locais para atividades religiosas devem apoiar a liderança do Partido Comunista da China, apoiar o sistema socialista, implementar integralmente o Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era, respeitar a constituição, leis, regulamentos, regras e disposições relevantes na gestão de assuntos religiosos e praticar o núcleo dos valores do socialismo, aderir à direção da sinização da religião do meu país, aderir ao princípio da independência e autogestão e salvaguardar a unidade nacional, a unidade étnica, a harmonia religiosa e a estabilidade social.”

A lenta aproximação entre a Santa Sé e Pequim é mais institucional, e revela um avanço no diálogo desde o histórico acordo bilateral assinado em 2018, que em tese deu ao Papa o poder de aprovar a nomeação de bispos na China. Em outubro do ano passado o acordo foi renovado pela segunda vez, mas logo em seguida o Vaticano protestou contra violações por parte da China, que teria apontado um bispo sem a autorização do Papa.

Ambas as partes demonstram desejo político numa reconciliação. Para Pequim, há o interesse em expandir sua influência diplomática, melhorar a imagem internacional do país e seguir no empenho de reduzir a lista dos países que ainda reconhecem Taiwan como sendo a China — o Vaticano é um dos 13, e o único na Europa. Já o Vaticano espera ganhar espaço entre os fiéis na China. Embora os últimos anos tenham sido de aumento no número de chineses interessados no cristianismo, a maioria tem inclinação para igrejas protestantes. A comunidade de católicos é relativamente pequena, em torno de 12 milhões.

Por coincidência, os dois líderes chegaram ao topo quase ao mesmo tempo. O jesuíta argentino Jorge Bergoglio (que escolheu o nome papal de Francisco) foi eleito chefe do Vaticano em 13 de março de 2013, um dia antes de Xi Jinping assumir a presidência da China. Desde então o pontífice tenta melhorar o diálogo, mesmo sem relações diplomáticas oficiais. O acordo de 2018, negociado secretamente entre os dois lados, surtiu alguns efeitos nesse sentido. Um exemplo é a autorização de Pequim para que dois bispos chineses participem do Sínodo organizado pelo Vaticano no próximo dia 4.

Os dois escolhidos, porém, fazem parte da Associação Católica Patriótica, entidade nacionalista subordinada ao PC chinês. Os gestos do Papa Francisco e os interesses políticos mútuos criaram um esboço de diálogo entre os dois lados. Mas o governo chinês deixa claro que qualquer espaço para a fé no país só será admitido no processo de sinização, em que a lealdade deve ser acima de tudo ao Partido Comunista. Isso vale para todas as cinco religiões reconhecidas oficialmente - budismo, taoísmo, islamismo, protestantismo e catolicismo.


Fonte: O GLOBO