Estimativas apontam saldo de US$ 90 bilhões da balança comercial em 2023. Especialistas alertam para perda de espaço da indústria

Com a força do agronegócio, a balança comercial brasileira vem renovando recordes e já acumula superávit de US$ 62,4 bilhões até agosto, salto de 43% ante o ano anterior. Diante desse cenário, especialistas estimam que o saldo entre as vendas externas e as compras internacionais possa superar US$ 90 bilhões até o fim do ano, o maior desde o início da série, iniciada em 1989.

Soja, milho e celulose estão entre os produtos que cresceram com força na pauta de exportações, reforçando o perfil do país como um grande fornecedor global de commodities. O Brasil tem ocupado espaços importantes no mercado mundial, aproveitando-se da reorganização das cadeias globais de produção após choques como a guerra na Ucrânia e as relações conturbadas entre Estados Unidos e China.

A pujança deste ano decorre principalmente do aumento do volume exportado, não de uma elevação dos preços. A queda nas importações também ajuda a explicar os superávits. No ano, as exportações somaram US$ 224,578 bilhões, estáveis em relação a igual período do ano passado. Já as importações recuaram 10,4%, para US$ 162,168 bilhões.

— A alta (das exportações) está mais associada ao volume, resultado de uma safra recorde de soja e milho safrinha, além de um desempenho bom da indústria extrativa, com as exportações de petróleo — destaca a economista do Itaú Unibanco, Julia Gottlieb.

O Itaú elevou sua projeção para o superávit da balança comercial brasileira em 2023, passando para US$ 80 bilhões, ante US$ 70 bilhões anteriormente. A consultoria Tendências está ainda mais otimista: revisou sua previsão para US$ 93,4 bilhões. Para 2024, ambos estimam saldo positivo em US$ 60 bilhões.

A entrada de dólares no Brasil é um fator positivo para a taxa de câmbio. O real mais apreciado ajuda, por exemplo, a arrefecer a inflação.

Julia destaca que o fato de o crescimento do superávit estar associado ao volume e não ao preço é um fator positivo, uma vez que deixa o país menos sujeito às oscilações de cotações no mercado internacional. Essa vulnerabilidade a preços que não se pode controlar é justamente a fragilidade de se ter uma pauta exportadora concentrada em commodities, dizem especialistas.

Fatia menor da indústria

O presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, lembra que a participação da indústria na pauta de exportações vem caindo. Era 50% em 2000 e, atualmente, está em cerca de 29%.

— A cada US$ 1 bilhão que deixamos de exportar perdemos 30 mil empregos e, nesses 23 anos, perdemos 4 milhões de vagas qualificadas. Na balança comercial de manufaturados, o déficit é crescente — diz.

Neste mês, o IBGE voltou a revisar para cima a projeção para a safra agrícola brasileira. A produção de cereais, leguminosas e oleaginosas deve registrar novo recorde, totalizando 313,3 milhões de toneladas. O número representa um salto de 19% ante 2022, ou mais 50,1 milhões de toneladas.

Se confirmada a estimativa, será a primeira vez na História que a safra ficará acima de 300 milhões de toneladas. O Brasil superou os EUA como maior exportador global de milho neste ano e está prestes a desbancar o país do topo das exportações globais de algodão também. Ainda assim, ocupa o 26º lugar no ranking mundial de países exportadores.

O consultor de comércio internacional e economia da BMJ Consultores Associados, Guilherme Gomes, destaca que os produtos primários brasileiros se beneficiaram de choques no mercado internacional:

— Desde o ano passado temos a questão da guerra da Ucrânia, e a disputa entre EUA e China, o que faz com que os produtos brasileiros do setor agropecuário sejam bastante demandados no exterior.

Entre grandes exportadoras, há também a Petrobras, que vendeu 571 mil barris por dia (mpd) de petróleo ao exterior no primeiro semestre deste ano. É um avanço de 6,3% ante os 537 mil barris diários registrados no mesmo período do ano passado.

O sócio da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, avalia que o movimento deve perder força nos próximos meses, mas os superávits ainda devem ficar em patamares elevados:

— Devemos ter no próximo ano a continuidade do ajuste de preços para baixo e sem esse choque tão positivo do agronegócio, além da expectativa de um crescimento internacional menor.

Para os especialistas, a dependência do Brasil em relação às commodities deve continuar. Campos Neto, da Tendências, lembra que, ao longo das últimas décadas, os investimentos em tecnologia por parte do setor agropecuário aumentaram, elevando a produtividade.

— Pode haver uma crítica por (a pauta de exportação) se basear nesses produtos primários, mas é isso que gera moeda forte para que o Brasil consiga honrar seus compromissos. O país tem uma indústria de transformação forte, mas que tem problemas de competitividade. Se há algum alento para o segmento industrial é que o Brasil tem avançado em algumas reformas que tendem a melhorar a competitividade, como a trabalhista e a tributária — afirma o sócio da Tendências.

Ele acrescenta que a carga tributária ainda elevada, as dificuldades com qualificação de mão de obra e de logística pesam contra o setor industrial. Apesar desses entraves, o professor de Economia da FEA/USP, Paulo Feldmann, frisa que os manufaturados têm maior valor agregado e estão menos suscetíveis a choques de preços.

— Commodity é algo que depende muito do mercado de oferta e procura mundial. Volta e meia, os preços caem porque aumentou a produção em algum país. É ruim ser dependente de exportação de commodities. O país deixou de ser um importante exportador de produtos industrializados há quase 40 anos. Dos anos 1980 para cá, perdemos muito a nossa posição — diz ele.

Aeronaves da Embraer

Para a professora do MBA em gestão de comércio exterior da Fundação Getúlio Vargas, Monica Romero Marinho, o país precisa de renovação da indústria, em especial em um momento em que o mundo está reorganizando as cadeias globais de valor.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com a AEB, formou uma coalizão empresarial para, em conjunto com o governo brasileiro, renovar o parque industrial.

Entre as poucas exceções na pauta de exportações brasileiras estão as aeronaves, com crescimento de 21,70% no ano. A Embraer, líder no setor, já entregou 62 aeronaves neste ano, avanço de 35% ante o primeiro trimestre de 2022. Nos últimos meses, a empresa tem reforçado suas parcerias comerciais com companhias estrangeiras.

Na aviação comercial, a American Airlines assinou contrato com a empresa para compra de sete novos jatos. A Embraer também recebeu um pedido firme da alemã Binter para a aquisição de seis aeronaves. A empresa firmou ainda acordos com companhias da Malásia, Cingapura e Índia.


Fonte: O GLOBO