Juros chegam a 445,7% ao ano, mas, na prática, consumidor não paga isso. Ao completar 30 dias na modalidade, bancos transferem dívida para crédito parcelado, que chega a 186%

Apesar de o juro d rotativo do cartão de crédito ter chegado a 445,7% ao ano, segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central do Brasil(BC), ninguém desembolsa essa taxa. Estudo feito pela consultoria Oliver Wyman mostra que o brasileiro fica, em média, 18 dias no rotativo do cartão de crédito, que tem o juro mais caro do mercado.

Na prática, quando completa um mês na modalidade, o cliente passa a pagar a mesma taxa de juros dos consumidores que parcelam suas compras no cartão.

Uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), de 2018, limitou e padronizou os juros para o rotativo, regulamentando decisão do Superior Tribunal de Justiça. Quando completa 30 dias na modalidade, as instituições financeiras transferem a dívida para o crédito parcelado, cuja taxa varia de banco para banco. Segundo dados do BC, o juro no cartão de crédito parcelado chega a 186% ao ano.

O estudo da Oliver Wyman mostra que o cartão de crédito com juros tem baixa participação sobre o volume total de crédito oferecido para pessoas físicas no Brasil. A participação total é de 5%, sendo 3% referentes ao uso do rotativo e 2% ao parcelado.

Já a participação do cartão de crédito sem juros é de 14%, enquanto o consignado representa 22%, indica o levantamento.

Parcelamento sem juros

Ainda segundo a consultoria, 75% das compras parceladas no cartão são feitas sem juros, o que é uma distorção em relação a outros países. Na média de nações como Colômbia, Chile, México, Estados Unidos e Inglaterra, a relação é inversa, com 70% das compras parceladas no cartão tendo incidência de juros. Por isso, a consultoria classifica o parcelado sem juro como uma “jabuticaba brasileira”.

O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, explica que, na maioria dos casos, ou a pessoa paga a compra à vista, na data do vencimento, ou divide em prestações e quita em dia, sem incidência de taxas.

— Com isso, o risco de crédito fica todo com os bancos, que cobram uma taxa de juros maior para compensar. O risco de crédito está embutido numa taxa mais alta — explica Sidney, lembrando que a inadimplência nos cartões está no patamar de 50%.

Nas discussões do grupo de trabalho formado por Ministério da Fazenda, BC, bancos, representantes de maquininhas de cartão e varejo, a Febraban defende que se chegue a um modelo semelhante aos outros países, o que na prática significa um reequilíbrio do parcelado sem juro, o que reduziria o risco dos bancos, a inadimplência e os juros.

A Febraban entende que deve ser mantido o cartão de crédito sem juro como instrumento para o consumo, mas que a distorção que só o Brasil tem, com 75% das compras feitas com parcelado sem juros, precisa ser corrigida.

O grupo de trabalho tem que apresentar uma alternativa para a queda de juros do rotativo até o final do ano, ou ficará valendo o limite dos juros do cartão de crédito em 100% o valor da dívida, projeto de lei já aprovado pela Câmara.

Juliana Inhasz, professora de Economia do Insper, lembra que a cadeia de participantes da indústria de cartão de crédito é complexa e envolve, além dos bancos, o varejo, os adquirentes (maquininhas), as bandeiras dos cartões, o que torna mais difícil a discussão sobre como reduzir juros. Ela afirma que, mesmo no parcelamento sem juros, existe um custo de oportunidade embutido no valor pelas instituições:

— Num cenário de inadimplência elevado, não dá para dizer que existe parcelamento sem juros. Sempre há um custo de oportunidade embutido nessa transação.

Ela diz que o problema do juro do rotativo é estrutural, precisa ser discutido, e não pode ser resolvido por tabelamento, o que reduz a oferta de crédito.

O chefe do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira do BC, Luis Mansur, afirmou numa live realizada nesta semana que o cartão de crédito se tornou um instrumento de pagamento para compras recorrentes no Brasil, como supermercados e farmácias, e alertou para os riscos de inadimplência e superendividamento por conta do parcelamento descontrolado:

— A porta de entrada para o rotativo é o parcelamento em excesso. As pessoas não controlam as parcelas, que vão acumulando e viram aquela bola de neve.

Segundo relatório do BC, o endividamento das famílias com os bancos ficou em 47,8% até julho. Em 12 meses, a alta foi de 2,3 pontos. Já o comprometimento de renda das pessoas físicas com as dívidas está em 27,6%.


Fonte: O GLOBO