Imagine você chegar a um evento de família e não reconhecer as pessoas. Ou começar a ler um livro e não entender o enredo. Ou ainda fazer uma viagem incrível e, dias depois, não se lembrar de nada… Isso é o Alzheimer, a forma mais comum de demência.
Essa doença neuro-degenerativa progressiva, com aumento do número de casos após os 65 anos, causa uma perda também progressiva das células neuronais a partir do acúmulo das proteínas tau e beta-amiloide no cérebro, que levam à atrofia.
— O Alzheimer é considerado uma doença de estilo de vida. Apesar de não ter cura, já se sabe que ele tem uma fase pré-clínica enorme: a doença começa a se formar cerca de 30 anos antes de aparecerem os primeiros sintomas. Por isso, a hora de começar a cuidar do seu cérebro é agora — afirma Alessandra Rascovski, endocrinologista e idealizadora do Cérebro em Ação, projeto socioeducativo para a prevenção do Alzheimer, em parceria com Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz).
A estimativa atual é de 57 milhões de pessoas com demência no mundo: dessas, perto de 50 milhões têm Alzheimer. No Brasil são aproximadamente 1,5 milhão de pessoas com a doença. “A projeção de aumento no número de pessoas com Alzheimer nos Estados Unidos de 2019 a 2050 é de 100%. No Brasil, esta projeção é de 200%.”
Alessandra explica que o projeto Cérebro em Ação tem como objetivo ensinar quais são os 12 fatores preveníveis para o Alzheimer e, principalmente, colocar esse ensinamento em prática.
— Queremos destacar o quanto é importante a prevenção da demência no Brasil frente a um estudo publicado por um grupo da Universidade de São Paulo (USP) em 2022. No mundo, os 12 fatores de risco para o Alzheimer são responsáveis por 40% dos casos de demência. No Brasil, o impacto dos fatores de risco é ainda maior: quase 50%. A educação, a hipertensão e a perda auditiva deveriam ser alvos prioritários — afirma a especialista.
Os 12 fatores de risco
1. Hipertensão arterial.
É uma doença silenciosa: apenas cerca de 50% dos brasileiros sabem que têm pressão alta. Desses diagnosticados, somente metade faz tratamento.
— Atualmente, 38 milhões de brasileiros (ou 32% dos adultos) têm hipertensão. Essa condição aumenta a mortalidade geral em 72% em 10 anos. Entre 50 e 75 anos, a pressão arterial ligeiramente elevada já aumenta em 45% o risco de demência.
A mensagem é: meça a sua pressão regularmente, principalmente a partir dos 40 anos.
Uma maneira de prevenir a hipertensão é reduzir o consumo de sal. A dose diária recomendada é de até 5 gramas por dia: no Brasil, o consumo é de 12 gramas.
2. Baixa escolaridade
na infância. Quanto maior o número de anos estudados, maior a reserva cognitiva, ou seja, estudar (em qualquer idade) é um fator protetor para o cérebro.
— Segundo o estudo da USP, no Brasil, a baixa escolaridade foi o primeiro fator de risco na população mais pobre e entre os pretos. Na população mais rica e branca o primeiro fator de risco foi hipertensão, seguido de baixa escolaridade. Nos dois grupos, o terceiro fator foi deficiência auditiva.
A baixa escolaridade abrange os brasileiros que não completaram o ensino fundamental de nove anos até os 25 anos.
3. Deficiência auditiva
Está claramente associada à baixa reserva cognitiva (capacidade de resistência do cérebro a lesões).
—Não escutar direito gera o isolamento do idoso. Por outro lado, o uso de aparelho auditivo pode até reverter o declínio cognitivo.
O cuidado deve começar agora: evite usar fones de ouvido o tempo inteiro e fique atento ao volume. É importante, de tempos em tempos, fazer uma audiometria.
4. Obesidade
— Obesidade é doença. Existe uma grande confusão entre obesidade e perda de peso por estética. Pessoas obesas que emagreceram têm apenas 10% de chance de manter o peso perdido, principalmente se não usarem medicação. Precisamos trabalhar isso tanto no meio médico como com a população.
A médica faz outro alerta: 7 em cada 10 brasileiros sentem fome emocional. E os transtornos alimentares, a compulsão e o comer emocional estão muito associados ao aumento de peso que, por sua vez, têm relação com doenças emocionais como depressão e ansiedade.
—Uma pessoa que nunca ganhou peso e se torna obesa tem um risco 50% maior, pela neuroinflamação, de ter depressão.
Outro alerta importante: entre as mulheres, o fator de risco de aumento de peso acontece principalmente associado à menopausa.
— As mudanças na composição corporal, com aumento de gordura abdominal e diminuição de massa muscular, podem começar a acontecer até oito anos antes da última menstruação.
5. Diabetes
Existe uma grande subnotificação dos casos de diabetes: cerca de 50% das pessoas que têm a doença não sabem. Segundo a especialista, 9,4% dos brasileiros têm diabetes — e isso pode ser mudado.
— Se a pessoa percebe que a glicemia está alterando (principalmente relacionada ao diabetes tipo 2), é possível diminuir esses índices, através principalmente de uma conscientização em relação ao excesso de consumo de açúcar e carboidratos refinados.
6. Sedentarismo.
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 47% dos brasileiros são sedentários. Entre os jovens, esse índice chega a 84%. Portanto, a hora de começar é agora, não importa a idade. A pessoa sempre vai ter os benefícios do exercício, principalmente em relação ao ganho de massa muscular.
As diretrizes recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam de 150 a 300 minutos de atividade física aeróbica moderada por semana. Dá pouco mais de 20 minutos por dia, ou 30 minutos de caminhada esperta cinco dias por semana.
7. Tabagismo
14% dos casos de demência podem ser atribuídos ao tabagismo, não apenas cigarro: vape, rapé, tabaco, naguile.
— Há uma associação do fumo com a progressão do Alzheimer e piora de demência.
8. Consumo excessivo de álcool
Dados de 2021 do Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, do Ministério da Saúde) mostram que 18,3% dos brasileiros se enquadram na categoria de bebedores abusivos (mulheres que bebel quatro ou mais doses e homens, cinco ou mais doses de bebida alcoólica em uma mesma ocasião). Entre as mulheres, houve aumento: de 7,8% de etilistas em 2006 para 12,7% em 2021.
—Acima de duas doses por dia há risco estabelecido de perdas cognitivas. Uma dose significa 14 gramas de álcool: 350 ml de cerveja, 150 ml de vinho, 40 a 45 ml de destilados.
9. Depressão
Segundo a OMS, os casos de ansiedade e depressão no mundo aumentaram 25% após a pandemia. O Brasil é considerado o país mais ansioso do planeta e ocupa o 5º lugar em número de deprimidos.
— A depressão é considerada fator isolado de predisposição para o Alzheimer, com papel importante mesmo que o paciente não tenha nenhum dos outros fatores. Estudos mostraram que a cada 10 anos de depressão sem tratamento, 20% do cérebro degenera.
10. Isolamento social
É fator de risco indireto para a perda auditiva e para a neuroplasticidade, a capacidade do sistema nervoso central de adaptar-se e moldar-se a novas situações.
— O isolamento tem um papel absurdo para a progressão do Alzheimer. A interação social e o convívio regular com amigos e familiares é fundamental.
11. Poluição do ar.
Evite correr ou fazer esportes em locais de muito trânsito e cuidado com o fumo passivo. Busque, sempre que possível, estar em contato com a natureza.
12. Traumatismos cranianos
Pancadas na cabeça (em acidentes ou esportes, como futebol e boxe) podem causar lesão de massa encefálica, aumentando o risco de demência.
Alessandra chama atenção para uma novidade: estudos recentes relacionam a perda de olfato com queda de performance cerebral e diminuição cognitiva.
—Por outro lado, o treinamento olfativo pode aumentar massa cerebral da área que controla o olfato, melhorando a performance cognitiva e diminuindo a demência.
Se você mora em São Paulo, participe do evento Cérebro Em Ação: dia 23 de setembro, das 10 horas às 16 horas, no Parque do Ibirapuera (Serralheria). No ano passado, cera de 2000 pessoas compareceram ao evento.
— Este ano, além de práticas de dança, yoga e meditação, faremos um rastreio dos 12 fatores de risco, oferecendo um olhar abrangente da saúde de cada pessoa. Uma empresa vai participar do evento fazendo a discriminação para 12 odores e ajudando no rastreio para anosmia, que é a perda de olfato — conta a Alessandra. E conclui: —Com ciência e atitude o futuro do seu cérebro começa a ser definido agora.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários