Brasil concentra riqueza em pouquíssimos clubes, incentiva a irresponsabilidade e gera falsa sensação de justiça

Dizem que a Copa do Brasil é a competição mais democrática do futebol brasileiro. Justificam-se com três elementos: a quantidade de clubes que jogam nela, a impressão de que qualquer um pode vencê-la e a distribuição das premiações. O primeiro argumento é frágil. O segundo é falso — sem mais, nem menos. E o terceiro é problemático. Na verdade, esse torneio tem sido até antidemocrático.

O campeão São Paulo e o vice Flamengo estão entre as equipes mais caras do país. Os semifinalistas Corinthians e Grêmio, também. Por mais que edições recentes tenham registrado exceções aqui e ali, a realidade é que a Copa do Brasil, desde que foi reformatada para rodar o ano todo e ter a presença de quem também joga a Libertadores, é um campeonato de elite. Nem a turma da Série B avança.

A reconfiguração, aliás, é o principal motivo de seu sucesso comercial e financeiro. Ao melhorar o campeonato, a CBF passou a faturar muito mais com seus direitos de transmissão e patrocínios, o que elevou o dinheiro distribuído a título de “premiação”. Se hoje a competição rende R$ 419 milhões aos clubes, o motivo está nessa valorização. Não há o que mexer. Só é importante lembrar: o que as pessoas chamam de premiação é o repasse 100% meritocrático das receitas do torneio.

Nenhum par da Copa do Brasil gera tanta riqueza quanto ela, mesmo nos maiores mercados europeus. A Copa da Alemanha distribui 74 milhões de euros. A Copa del Rey, na Espanha, 33 milhões de euros. Nem a competição mais antiga do futebol, a FA Cup, da Inglaterra, que premia seus participantes com 20 milhões de libras, vai além. Mesmo com a enorme discrepância do câmbio, em desfavor da moeda brasileira, a Copa do Brasil arrecada e repassa mais que todos.

A questão é a proporção dessa distribuição de dinheiro. O São Paulo receberá R$ 89 milhões, graças ao título, enquanto o Flamengo ficará com R$ 49 milhões pelo vice. Equivale a dizer que os finalistas se apropriam de um terço da riqueza gerada pela Copa do Brasil. O Manchester City conseguiu 3,9 milhões de libras ao vencer a FA Cup, o Real Madrid faturou 3,6 milhões de euros pela Copa del Rey — a receber em cinco anos! —, e o Red Bull Leipzig, 10,8 milhões de euros pela Copa da Alemanha.

Em termos de estrutura, o caso espanhol é o mais interessante. Em vez de distribuir o dinheiro de forma 100% meritocrática, eles adotaram a seguinte sequência. Primeiro, 10% das receitas são separados para o futebol amador. Do que sobra, mais 10% são retirados para os clubes da Série B. Do que sobra, 50% são divididos de maneira igualitária entre os membros da primeira divisão. Só então os 50% restantes se dividem de acordo com a fase alcançada.

O Brasil concentra a riqueza em pouquíssimos clubes. Primeiro, há um incentivo à irresponsabilidade. Quando o dirigente entende que precisa arriscar muito em contratações e salários para chegar ao título, e só então compensar parte dos gastos com generosa premiação, a probabilidade de estourar contas aumenta. Depois, a meritocracia radical gera falsa sensação de justiça. Quem já fatura bilhão chega à final, mesmo errando quase tudo no futebol, e permanece no topo por inércia.

Cartolas podem manter o que já funciona — o sucesso comercial da Copa do Brasil, que capturou o gosto do brasileiro pelo mata-mata — e ajustar o que está desregulado. Se o dinheiro proporcionado por ela for mais bem distribuído, com incentivos corretos, o futebol se desenvolverá mais rápido.


Fonte: O GLOBO