Ex-vice-presidente e hoje senador, Hamilton Mourão (Republicanos-RS) coloca em dúvida o conteúdo da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em entrevista, o militar também diz não ver gravidade na reunião de Bolsonaro com chefes das Forças Armadas em que, segundo o relato de Cid à Polícia Federal (PF), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier teria apoiado um plano golpista.
Embora reconheça méritos nas tratativas entre o ministro da Defesa, Múcio Monteiro, e a caserna, Mourão critica o titular da Justiça, Flávio Dino, pelo comportamento sobre investigação da PF. "Ele fala demais", reclama.
A delação de Mauro Cid indica que o ex-comandante da Marinha Almir Garnier compactuou com um plano de golpe. Qual é a sua opinião sobre o episódio?
Primeiro, eu estava fora do Exército. Segundo, o comandante das Forças Armadas era Jair Bolsonaro. Esse posto não tem subcomandante. Eu aprendi com meu pai, quando fui para a reserva, que não tenho de dar pitaco no que os caras da ativa estão fazendo.
Na avaliação do senhor, militares envolvidos na suposta trama golpista devem ser punidos pelas Forças Armadas?
Vão dizer que uma tentativa de homicídio tem que ser punida, mas uma investida de golpe é diferente de homicídio. No caso de quase assassinato, eu te dou um tiro e erro. Uma tentativa de golpe seria o quê? A Força Armada sair para a rua e ser derrotada, a exemplo do que ocorreu na Turquia. Isso não aconteceu no Brasil. Se for verdade a delação do Mauro Cid sobre essa suposta reunião, o que houve foi uma discussão. Segundo ele, uns disseram que eram contra e outro disse que era a favor. Isso é um assunto que vai pertencer à História apenas.
Mesmo que alguém tenha falado em um plano de tomar o poder, não mereceria ser punido?
É diferente. Quando Juscelino (Kubitschek) foi eleito, vivíamos um processo tumultuado por causa da morte do Getúlio (Vargas). Na ocasião, houve três presidentes interinos e duas tentativas de golpe para impedir a posse do Juscelino: Jacareacanga, Aragarças. Todas foram revoltas de militares da Força Aérea. Ali realmente você teve uma investida. Agora o que há é um mero blá-blá-blá…
Vê alguma parcela de culpa das Forças no 8 de janeiro?
Não. As Forças Armadas sempre estão agindo dentro da legalidade, legitimidade e mantendo a estabilidade do país. Ela não foi fator de instabilidade. O que ocorreu foi o seguinte: um grupo de baderneiros achou que, fazendo uma baderna naquele domingo, 8 de janeiro, algo iria mudar no Brasil. Muito pelo contrário, não mudou nada.
Por que Bolsonaro não se pronunciou reconhecendo o resultado da eleição?
A gente nunca sabe como um ser humano reage a um determinado acontecimento. Ele ficou muito frustrado.
Como o presidente deveria ter se portado após a derrota para o presidente Lula?
Após o processo eleitoral, estive três vezes com o presidente. Uma no dia seguinte, na segunda-feira eu fui lá para prestar minha solidariedade. Era um momento muito pessoal em que ele estava triste. Depois eu estive com ele na Academia Militar, onde acompanhamos a cerimônia do aspirantado. E conversei com ele posteriormente, no final de novembro ou início de dezembro: pedi que reconhecesse o resultado da eleição. Ele só me ouviu, não falou nada.
O ex-presidente Bolsonaro teve culpa pelo 8 de Janeiro?
O que ele ia fazer?
Ele poderia ter reconhecido a eleição, como o senhor sugeriu, não?
Poderia, mas acho que ele não teve culpa nisso. Aquela movimentação já estava em determinados grupos dos nossos apoiadores, aqueles mais insatisfeitos com o processo eleitoral.
Caso confirmado o teor do que Mauro Cid falou, Bolsonaro poderia ser punido por algum crime? Qual?
Não creio. A não ser que você diga que ele deu dinheiro, que ele incentivou, algo do gênero. Ele jamais ia incentivar isso aí.
Cid deveria ter sido preso?
Acho que não. Prender um cara sob o argumento de que falsificou um cartão de vacina. É a mesma coisa que se reclama na esquerda em relação aos acontecimentos da Lava-Jato. Isso está sendo repetido agora. Então, agora vale?
Como avalia a relação do governo Lula com militares?
As Forças Armadas são um conjunto muito grande. Não é a ação isolada de um ou outro elemento que pode caracterizar uma ação da caserna. Vejo o ministro Múcio (Monteiro, da Defesa) trabalhando bem nesse sentido, mas temos um complicador, que é o ministro (Flávio) Dino (Justiça). Ele fala demais.
No que ele se excede, na visão do senhor?
Acho que em questões da Polícia Federal nessas investigações. Posso citar as ações sobre alguns militares, como foi a própria prisão do Cid. Essas coisas não estão sendo bem conduzidas.
Fonte: O GLOBO
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