Verbas extras chegam a dobrar salário, principalmente no Judiciário. Gasto com pessoal no Brasil, de 13,5% do PIB, é maior que a média de nações ricas. Veja as despesas por países
Gratificações por tempo de serviço, remuneração por assumir outras funções e adicionais para capacitação profissional são alguns exemplos que não são contabilizados como salário e, por isso, ficam fora do teto do funcionalismo, que é R$ 41,6 mil, vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Essas verbas podem dobrar o salário do servidor, principalmente do Judiciário, que tem autonomia para gerenciar as carreiras e remunerações de seus servidores.
Em uma tentativa de conter os supersalários, num projeto de 2016, o Senado listou 39 tipos de rendimentos extras. Destes, foi aprovado que apenas nove seriam autorizados. O texto, contudo, foi para a Câmara, que ampliou para 32 remunerações fora do teto. A proposta nunca foi votada e está parada no Congresso.
Como nada mudou, um promotor, por exemplo, pode ganhar R$ 34 mil de salário-base e receber mais R$ 34 mil de verbas indenizatórias em um único mês.
No fim de junho, o STF decidiu, por unanimidade, pela inconstitucionalidade de uma lei de Minas Gerais que determinava o pagamento de “auxílio-aperfeiçoamento profissional” a juízes estaduais para compra de “livros jurídicos, digitais e material de informática”. Mais uma gratificação fora do teto.
Gastos inativos e ativos — Foto: Criação O Globo
— Não pode acumular cargos, ter 60 dias de férias, licença-prêmio, quinquênio. Estamos criando castas que não se justificam do ponto de vista de justiça social — afirma Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás.
25,5 mil acima do teto
Conforme levantamento do Centro de Liderança Pública (CLP), no ano passado, havia 25,5 mil servidores, de todos os poderes e nos níveis federal, estadual e municipal, que recebiam acima do teto. Em média, eles ganhavam R$ 12,7 mil acima do limite. Esse adicional equivale a um gasto anual de R$ 3,9 bilhões.
Gastos inativos e ativos — Foto: Criação O Globo
— A questão dos supersalários é mais evitar imoralidades e, com isso, gerar alguma economia — afirma Daniel Duque, gerente de Inteligência Técnica do CLP.
O gasto com funcionalismo (ativo e inativo) no Brasil é maior que a média da despesa em países da OCDE (organização que reúne os países desenvolvidos). O gasto como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) era de 13,5% em 2020, acima dos 9,3% dos países da OCDE.
Só gastamos menos que África do Sul (13,6%), Dinamarca (13,7%) e Islândia (14,6%). Em 2021, com o congelamento dos salários dos servidores e a falta de concursos, esse percentual caiu para 11,9% do PIB.
Para Cibele Franzese, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e integrante do Movimento Pessoas à Frente, o percentual é alto para o nível do serviço público prestado à população. Ela destaca que o gasto em torno de 13% do PIB é o piso da despesa. Na Saúde, diz a pesquisadora, há serviços prestados por organizações sociais (OS), que não entram nessa conta:
Gastos inativos e ativos — Foto: Criação O Globo
— Há um gasto oculto, que não está na folha de pagamento. São contratos com fundações, organizações sociais. No Estado de São Paulo, quase todos os hospitais são administrados por OSs. No município, as unidades básicas de saúde também. Isso não está computado nesses 13% do PIB.
O secretário de Gestão de Pessoal do Ministério da Gestão e da Inovação, José Celso Cardoso Júnior, afirma que carreiras jurídicas, policiais (delegado e perito) e tributárias ganham em torno de R$ 30 mil e que as medidas para conter os supersalários passam por uma ampla reformulação nas carreiras e na forma de progressão:
— Atualmente, com 13 anos, o servidor já alcança o topo da carreira. A ideia é alongar essa progressão para 20 anos, investindo em capacitação desse servidor e em avaliação de desempenho que não vise à demissão, mas a melhoria do serviço.
Outra frente é a regulamentação do limite da remuneração, eliminando “o duplo teto”, afirma o secretário. Mas ele diz que há resistência no próprio Congresso para limitar esses salários acima do teto.
— Precisamos trabalhar uma política que consiga elevar o salário das categorias na base e barrar os aumentos, muitas vezes sem justificativa, para chegar ao topo da remuneração, diminuindo a desigualdade, que é um fator de muito conflito.
Na linha de frente
Nos municípios, os salários são menores. A média salarial de um homem branco em 2020 era de R$ 3.900, enquanto no Executivo federal é de R$ 11 mil. Portanto, as carreiras que formulam as políticas públicas e as controlam são muito mais valorizadas do que as que lidam diretamente com o cidadão, como o atendimento de saúde e as escolas de nível básico nos municípios e a segurança pública e o ensino médio nos estados.
— Os municípios são os que mais empregam (60% dos 12 milhões de servidores do país), mas ficam apenas com 20% da arrecadação. Eles são os principais prestadores, os que estão na linha de frente dos serviços públicos, a burocracia de rua — comenta Cibele, da FGV.
Na média, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, os servidores ganham mais: R$ 4,4 mil frente à média dos trabalhadores de R$ 2,9 mil, lembra a professora da Coppead, Margarida Gutierrez.
— É fato que o setor público paga mais que o setor privado. Mas a qualificação do servidor público é alta: 50% tinham nível superior em 2019. Em 2003, eram 35%.
O professor Pedro Henrique Tavares, de 34 anos, é qualificado. É doutor em Sociologia e trabalha há dez anos dando aulas no Colégio Estadual Jornalista Tim Lopes, no Rio de Janeiro. Ele ganha perto de R$ 2 mil por 20 horas semanais. Aumenta o salário com gratificações por hora extra, trabalhando em colégios preteridos por outros professores. Assim, chega a ganhar R$ 4 mil bruto:
— Se eu não fosse doutor e também não tivesse o adicional, não conseguiria ganhar isso.
Fonte: O GLOBO
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