No Dia Mundial da Sepse, a cardiologista e intensivista Ludhmila Hajjar explica por que isso ainda acontece e como resolver

Recentemente pessoas públicas como os cantores Madonna, Preta Gil e MC Marcinho, o ator Stênio Garcia e o diretor Dennis Carvalho tiveram quadros de infecção generalizada (sepse). Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma crise de saúde global, a sepse acomete a cada ano 50 milhões de pessoas por ano. Dessas, 11 milhões morrem da doença.

Os números no Brasil são mais assustadores. De acordo com a cardiologista, emergencista e intensivista Ludhmila Hajjar, professora titular de Emergências da Faculdade de Medicina da USP e diretora da Cardiologia do Vila Nova Star, em São Paulo, a infecção generalizada já é a 3ª causa de morte no país.

Enquanto que nos Estados Unidos e Inglaterra, a mortalidade é de 15%. Austrália e Nova Zelândia, 18%, no Brasil, é de 56%. Além disso, entre as pessoas que se curam, de 30 a 40% ficarão com sequelas que demandam reabilitação, como fraqueza e incapacidade.

O tempo de internação destes pacientes costuma ser prolongado e isso tem um custo gigantesco para o sistema de saúde. No Dia Mundial da Sepse, Hajjar, explica por que isso ainda acontece e como resolver.

Muitos acreditam que a infecção generalizada é decorrente de um ambiente hospitalar ruim. Isso é verdade?

O ambiente hospitalar, as infecções hospitalares, não infrequentemente levam à sepse, que é uma das principais causas de morte do paciente internado. Mas a sepse não ocorre apenas em decorrência de infecções hospitalares. Aliás, no mundo, em termos de prevalência, a maioria dos casos de sepse é causada por infecções comunitárias. 

Mas as infecções hospitalares têm um risco maior ainda porque geralmente são bactérias mais resistentes. A melhor definição de sepse é uma infecção generalizada decorrente de uma resposta imunológica aberrante – que não funcionou e é exacerbada - à infecção. Ela acaba alterando o funcionando dos órgãos e sistemas e é por isso que boa parte dos pacientes morre e morre de falência orgânica, que antigamente era chamada de síndrome da disfunção orgânica aguda de órgãos.

Quais são as causas da sepse?

A sepse é consequência de uma infecção. As mais comuns são infecção do trato urinário, respiratório (pneumonia), infecção gastrointestinal ou infecção de ferida pós-operatória ou de pele. Então tudo começa com uma infecção localizada que começa a generalizar. A maior parte dos casos ocorre devido a uma infecção bacteriana. Mas também pode ser causada por vírus, fungos e até parasitas.

Quais são os sintomas da sepse?

A sepse começa com sintomas de alguma infecção localizada. Mas os indícios de que essa infecção está se agravando são fraqueza, cansaço, sensação de desânimo, astenia, febre, calafrios, dor muscular no corpo todo e alteração do nível de consciência porque falta sangue e oxigênio para o cérebro. O paciente começa a ficar confuso e com a fala empastada. 

Ele também para de urinar ou urina bem pouco, que é um sinal que está faltando sangue para o rim, e fica pálido. A partir do momento que esses sintomas começam, o paciente precisa procurar atendimento médico de urgência, seja no hospital, no posto de saúde ou na UPA. Mas precisa ser imediato.

Tem gente mais vulnerável à infecção generalizada?

Essa doença não respeita idade. Ela acontece desde os primeiros anos de vida até os indivíduos mais idosos. Sepse neonatal é a principal causa de morte de bebês prematuros. Mas os grupos de risco são pacientes com defeito no sistema imunológico como aids, câncer, diabetes, indivíduos sob regime de quimioterapia, pacientes que não têm baço - o baço é super responsável pelo sistema imunológico -, crianças abaixo de 1 ano e adultos acima de 60 anos e pessoas que tem doença crônica.

Pessoas que estão há mais tempo internadas correm mais risco de sepse?

Sim porque essa pessoa estará mais vulnerável. Como ela está há mais dias internada, tem mais contato com possíveis bactérias e mais barreiras quebradas. Além disso, quanto maior o tempo de internação, pior é a imunologia do paciente. Ele fica fraco e imunodeprimido.

Como a doença é tratada?

Não é difícil tratar sepse. O tratamento básico envolve a administração de soro, antibiótico precoce, vasopressor e colocar esse paciente na UTI. Mas tudo isso precisa ser rápido e esse é o grande gargalo. . É fundamental implementar protocolos nos hospitais para o diagnóstico e tratamento de sepse, como já acontece com condições como infarto e AVC, e ensinar médicos e profissionais da saúde no Brasil todo.

Por que a infecção generalizada já é a terceira causa de morte no Brasil e, de forma geral, os médicos não estão preparados para lidar com a doença. O diagnóstico da infecção generalizada é clínico, feito a partir dos sintomas do paciente. Em até 1 hora após o paciente chegar ao serviço de saúde, é preciso iniciar o antibiótico. 

Então é necessário priorizar o atendimento de sepse. Quando o paciente chega ao hospital com dor no peito, por exemplo, ele passa na frente dos outros pacientes porque já está preconizado que isso é uma emergência. O mesmo acontece quando o paciente tem uma fraqueza abrupta e não consegue falar porque pode ser sintoma de AVC. Mas a sepse é tão pouco discutida, que não se sabe. 

O paciente chega ao pronto-socorro e muitas vezes espera horas para ser atendido e medicado. Não há uma priorização. Estudos feitos no Brasil mostram que os protocolos de sepse que o mundo já segue não são usados no Brasil, em geral, porque o profissional não conhece ou, se conhece, não adere. Isso tem que ser um protocolo das instituições para saber reconhecer e iniciar o tratamento

Como deve ser a prevenção no ambiente hospitalar?

O controle interno, em termos de higiene, é fundamental. Não só da questão estrutural e dos procedimentos, como ter água tratada e realizar procedimentos sob assepsia correta, mas dos profissionais da saúde. A prevenção das infecções hospitalares começa com a higienização das mãos e o uso adequado de aventais nos isolamentos. 

Estudos brasileiros já mostraram que menos de 30% dos médicos em alguns serviços lavavam as mãos entre um doente e outro e a principal fonte de infecção hospitalar estava na mão dos profissionais de saúde. 

O estetoscópio também pode ser uma fonte de contaminação. A recomendação é que cada leito tenha seu estetoscópio. Todo leito deve ter álcool gel e pia. São coisas básicas, mas que matam um doente. O uso racional de antibióticos também é fundamental porque se começamos a usar antibióticos deliberadamente, aumentamos a resistência e piora a sepse. Além disso, os hospitais têm que ter comissões de controle de infecção hospitalar e tudo isso tem que ser feito sob supervisão e auditoria continuadas.

Os hospitais estão preparados para evitar casos de sepse?

Globalmente, não. Os centros de referência, sim, mas são poucos. A sepse é uma doença negligenciada de forma geral. Tanto que, em 2012, a aliança global da sepse criou o Dia Mundial da Sepse para chamar a atenção desse problema no mundo inteiro. Desde então, muitos países conseguiram reduzir a mortalidade, mas no Brasil ela permanece alta. 

Um estudo recente mostrou que os hospitais privados têm uma mortalidade de sepse muito menor do que os públicos, então ainda tem a inequidade. Por isso é importante implementar isso sistemicamente. Temos uma obrigação sistêmica, que tem a ver com política pública de saúde, que é olhar para isso e treinar os profissionais e isso começa na faculdade de medicina. O médico tem que entender que a sepse é uma emergência, que é uma falência circulatória aguda. 

No AVC, a falência circulatória é no cérebro; no infarto, no coração, e na septicemia, é em tudo, porque falha a circulação para todos os órgãos e sistemas. Então temos que olhar para essa doença como uma das maiores emergências. Por isso, esse protocolo de reconhecimento, de adesão, de tempo, precisa ser implantado, auditado e revisado. É super possível reverter um quadro de sepse se tudo isso for feito, que é o que outros países fizeram.

Como está o desenvolvimento de novos tratamentos para sepse?

Estamos sempre em busca de antibióticos novos, por exemplo. Outra frente muito promissora atualmente é utilizar a inteligência artificial para ajudar a reconhecer pacientes na emergência que tem a maior probabilidade de evoluir com choque, que é a forma mais grave de sepse. 

A pesquisa sempre vai ajudar, mas, com certeza, a mudança não vem de um remédio novo e sim da conscientização e da adoção de um protocolo, tanto que é isso o que já aconteceu em outros países. Tem dois estudos feitos pela Unifesp mostrando que a alta variabilidade de mortes ocorre porque o paciente demora para procurar atendimento, porque tem baixa disponibilidade de recursos e porque não tem adesão ao protocolo de tratamento.


Fonte: O GLOBO