Num esforço para tentar viabilizar sua meta de déficit zero nas contas públicas em 2024, ministro buscou reunião com o presidente da Câmara para aprovar medidas que aumentam arrecadação

Em reunião marcada fora da agenda, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ao encontro do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, na manhã de quinta-feira, em Brasília, para tentar destravar e acelerar a pauta econômica no Congresso. Haddad voltou a atuar como articulador político, após duas semanas de agenda praticamente vazia na Casa.

A equipe econômica tem pressa, já que a promessa de zerar o déficit fiscal no ano que vem depende da aprovação de vários projetos que viabilizam o aumento da arrecadação, uma condição necessária para colocar o arcabouço fiscal de pé.

A aproximação acontece depois de Lira enviar áudio a líderes, na quarta-feira, em que cita uma obstrução regimental nos trabalhos da Câmara. De acordo com integrantes do Centrão, Lira, ao fazer isso, reagiu a uma fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disse que não pretendia fazer mudanças no comando da Caixa Econômica Federal.

Fundo exclusivo e offshore

Depois do encontro, Haddad disse que espera a aprovação de ao menos dois projetos com impacto na arrecadação na semana que vem, o de fundos exclusivos (alta renda), offshore (no exterior), além do projeto de lei (PL) que trata dos chamado “marco das garantias para empréstimos”.

— No caso dos fundos, assim que o relator estiver designado, vamos levar a equipe técnica para conversar com ele para fazer o ajuste de redação. E esperamos que essas três iniciativas possam ser consideradas pela Câmara dos Deputados na semana que vem — disse o ministro.

A taxação dos fundos exclusivos já está em vigor, por meio de medida provisória (MP) enviada ao Congresso em agosto. Mas, logo que foi enviada, o governo já considerava a possibilidade de transformá-la em projeto de lei, ou uni-la ao projeto das offshores.

Isso porque Lira tem se recusado a votar MPs. Os projetos de leis passam necessariamente primeiro pela Câmara, enquanto as MPs vão para análise de uma comissão especial mista, com deputados e senadores. Na prática, o projeto de lei dá mais poder e a palavra final aos deputados.

A reunião entre Lira e Haddad foi acertada na véspera, durante reunião de líderes, depois que o presidente da Câmara recuou da fala sobre a obstrução. Governistas, como o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e o líder do PT, Zeca Dirceu (PR), agiram para contornar a insatisfação do deputado. Haddad prontamente desmarcou compromissos para encaixar Lira na agenda.

Na quinta-feira, Haddad disse esperar que a aprovação da Reforma Tributária no Senado ocorra ainda em outubro, para sanção de todo o projeto este ano. O ministro relatou que o tema da mudança na tributação do ICMS foi alvo de discussão superficial com Lira e que ainda não leu o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito da proposta de mudança nos impostos.

— Devo começar a interagir com bancadas e líderes para cumprir a meta de votar em outubro a Reforma Tributária no Senado e promulgar ainda este ano — afirmou o ministro.

Ele reforçou que espera a votação do projeto do Desenrola Brasil na segunda-feira no Senado, antes que a medida provisória expire. O programa de renegociação de dívidas é uma aposta do governo, já que a volta ao consumo tem impacto positivo na economia.

— Cada semana é uma semana. Tem agenda do Senado, lei dos seguros, Reforma Tributária. Desenrola foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), deve ir a plenário semana que vem. Se cada semana avançar um pouco, vamos ter um ano de muita produtividade — afirmou Haddad.

Apesar do aval de Lira para a votação de propostas de interesse da Fazenda, aliados de Haddad reconhecem que o caminho até o fim do ano não será fácil e a briga será “projeto a projeto”.

Fontes de insatisfação

Eles afirmam que a concessão de dois ministérios ao Centrão, e a permanência da dificuldade com a pauta no Congresso, é a prova de que agradar aos parlamentares de centro é como “um saco sem fundo”.

O encontro de ontem marcou a reaproximação de Lira e Haddad, que tiveram a relação estremecida após o ministro afirmar em meados de agosto que a Câmara está com “poder muito grande e não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo”.

Os projetos de taxação das offshores e fundos exclusivos são prioridade e estavam adormecidos na Casa. O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) é cotado para relator. Líderes partidários apontam vários fatores que têm provocado insatisfação e que explicam a tentativa de paralisar as votações.

Além da Caixa, há indefinição na Funasa, alvo de disputa entre PSD e Republicanos, e que não tem sequer estrutura definida pelo governo. Há um movimento da bancada ruralista, do PL e do Novo, para travar as votações em protesto a movimentações no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao marco temporal das terras indígenas, aborto e drogas.

Outra fonte de cobiça é a futura secretaria das Apostas Esportivas, programada para ficar na Fazenda. Mas aliados de Lira preferem que ela seja alocada na pasta de Esportes, comandada por André Fufuca (PP-MA).

Fila de até R$ 110 bilhões

Apenas na Câmara, cinco projetos estão na fila de votação, com previsão de arrecadação de até R$ 110 bilhões. O PL dos super-ricos pode render até R$ 20 bilhões com a taxação das offshores. Já a MP de tributação do ICMS pode gerar ganho de até R$ 35 bilhões ao acabar com deduções de impostos federais sobre recursos que receberam isenção de ICMS, mas não foram usados para investimentos.

Outro projeto que acaba com a dedução de impostos para ganhos com juros sobre capital próprio (JCP), modalidade de ganhos de acionistas e empresários, têm expectativa de arrecadação de R$10 bilhões, mas não há previsão de votação, e o governo retirou a urgência.

O projeto de lei de repatriação de bens chega à Câmara em breve, após aprovação pela CAE no Senado, em caráter terminativo. Ele reabre o prazo de regularização de bens que estejam no exterior e tem potencial de arrecadar até R$45 bilhões, segundo o relator, senador Renan Calheiros.

Alguns dos projetos em jogo

Na Câmara

Projeto de lei de fundos exclusivos e offshore:


Vai unir o projeto de lei de offshores com o texto da medida provisória que taxa os fundos exclusivos (de alta renda). O governo enviou os textos em agosto para a Câmara, a votação em plenário deve ocorrer até 4 de outubro, em um único projeto. A previsão de arrecadação é de R$ 20 bilhões.

Medida provisória que muda tributação do ICMS:
  • A proposta acaba com deduções de impostos federais sobre recursos que receberam subvenção do ICMS, mas não foram usados para investimentos. Existe a possibilidade de a medida virar projeto de lei, já que Lira tem se recusado a conduzir análises de MPs.
  • Por ser medida provisória, a proposta já está em vigor e vence em 29 de outubro. A proposta tramita na Câmara, sem previsão de votação ou relatoria. O governo menciona potencial de ganho de R$35 bilhões.
Projeto de juros sobre capital próprio:

A proposta veda a dedução de juros sobre capital próprio da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Tramita na Câmara, mas não há previsão de votação. O governo retirou a urgência. A previsão de arrecadação é de R$ 10 bilhões.

Projeto da repatriação de bens:

Chega à Câmara em breve. Já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), do Senado, em caráter terminativo. O projeto reabre o prazo para regularização de bens no exterior. O potencial de arrecadar é estimado em até R$ 45 bilhões.

Perdão de dívidas:

Dois projetos que permitem redução de juros e multas de dívidas com a Receita Federal podem gerar arrecadação para o governo. Eles seguem para a Câmara. Um deles permite aos devedores pagamento parcelado da dívida em até 48 vezes, desde que se reconheça o débito em até 90 dias após a publicação da lei. Outro reduz o valor de multas aplicadas.

No Senado

Apostas on-line


O projeto de lei que taxa as apostas on-line, esportivas ou não, saiu da Câmara e aguarda análise do Senado. O PL ainda não avançou na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e aguarda relator. Potencial de R$ 1,6 bilhão em arrecadação, inicialmente.

PLP 136 - piso saúde (sem arrecadação, mas com alívio fiscal)
  • Apesar de não gerar arrecadação diretamente, trecho do projeto de lei possibilita um alívio nas contas públicas. A volta do piso constitucional da saúde poderia gerar um gasto adicional de R$ 20 bilhões. A manobra do governo na Câmara abaixou o valor para aproximadamente R$ 5 bi. A proposta foi aprovada na Câmara e aguarda aval da CAE no Senado.
  • O governo pediu celeridade e o relator deve ser o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
Reforma Tributária (sem arrecadação extra, mas com expectativa de melhora econômica)

A PEC da Reforma Tributária chegou no Senado depois do recesso parlamentar e tramita na CCJ desde então, sob relatoria de Eduardo Braga (MDB-AM). A previsão é que o relatório seja entregue até 20/10. Com prováveis alterações, o texto deve voltar para a Câmara.

Outros projetos

Retomada de obras + renegociação do Fies (sem arrecadação, mas econômico)
  • O projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Deputados no início de setembro e amplia as possibilidades de renegociação de dívidas do FIES para estudantes inadimplentes. O texto ainda cria uma ajuda extra para as faculdades que estejam no novo formato do programa a mais de cinco anos e tenham alto número de alunos devedores.
  • Originalmente, o projeto tratava da retomada de obras na área da Educação, mas o ministro Camilo Santana pediu para acrescentar as mudanças do Fies na mesma proposta, agilizando a tramitação.
  • Proposta está na comissão de Educação do Senado, sob relatoria da senadora Teresa Leitão. Deve apresentar relatório na próxima semana, conclusão na primeira quinzena de outubro.
Marco das garantias
  • Também deve entrar na pauta da Câmara, a partir de terça-feira, a votação do Marco Legal das Garantias de Empréstimos, que autoriza que credores cobrem extrajudicialmente bens móveis de devedores, como veículos.
  • Dessa forma, a execução da dívida por meio de um bem poderia ocorrer em cartório, sem precisar da justiça. Já foi aprovado no Senado.

Fonte: O GLOBO