Especialistas não recomendam o consumo do hormônio para crianças. Mudanças na higiene do sono podem tornar a hora de dormir mais tranquila

Com a liberação do uso de melatonina no Brasil como suplemento alimentar, muitos pais buscam no produto uma "solução" para o problema do sono de seus filhos. No entanto, especialistas não recomendam o uso do hormônio em crianças, principalmente sem orientação médica.

Em outubro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a melatonina na forma de suplemento alimentar. Por isso, o produto pode ser vendido em farmácias em a necessidade de prescrição médica. 

O suplemento foi liberado para pessoas a partir de 19 anos, com consumo de até 0,21 mg por dia, ou seja, não foi autorizado para o público infantil. No final de agosto, a Anvisa proibiu a fabricação, a comercialização, a distribuição, a propaganda e o uso do suplemento alimentar "Soninho Perfeito Melatonina Kids", e determinou o seu recolhimento do mercado.

Segundo Maria Regina Andrade, neuropediatra do Grupo Prontobaby, não há nenhum tipo de dose de melatonina recomendada para crianças. A especialista afirma que para os pequenos é muito mais saudável mudar hábitos de higiene do sono do que oferecer o hormônio.

— Primeira coisa primordial, diminuição das telas. E criança abaixo de dois anos é zero telas. Nem tablet, nem celular, talvez um pequeno desenho de meia hora na tv, mas à noite não. A tela é um estímulo luminoso suficiente para a glândula pineal não produzir a melatonina.

A médica indica que a família crie uma rotina do sono, que pode começar com a leitura de uma história em um ambiente claro, seguida por uma conversa ou algum jogo (analógico) na penumbra do quarto. Vale também escutar uma música, desde que essas sejam atividades calmas, que vão promover a desaceleração da criança. A especialista destaca que a irregularidade do sono é normal até os 2 anos de idade.

Um estudo publicado na revista científica Jama Network comparou a quantidade de melatonina descrita na embalagem com a que realmente foi encontrada em gomas vendidas em farmácias americanas. Os resultados apontam que 88% dos produtos foram rotulados incorretamente, o que acende um alerta para os riscos de superdosagens do hormônio, principalmente em crianças. Por serem semelhantes a doces, as gomas são o tipo de melatonina mais dado por pais americanos a seus filhos.

Este mesmo estudo traz um dado do Centro de Controle de Intoxicações dos EUA que aponta que, de 2012 a 2021, o número anual de intoxicações entre crianças no país aumentou 530%, e a melatonina se tornou a substância ingerida de forma acidental com mais frequência entre crianças em 2020. Mais de 4 mil internações ocorreram, sendo que 287 pacientes pediátricos necessitaram de cuidados intensivos e duas crianças morreram.

Para Gleison Marinho Guimarães, especialista em medicina do sono pela Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS), a administração de apenas 0,1 mg a 0,3 mg de melatonina a adultos jovens pode aumentar as concentrações do hormônio no sangue.

— Já para as crianças, consumir gomas de melatonina encontradas facilmente nas gôndolas de farmácias pode expor os pequenos a quantidades entre 40 e 130 vezes maiores do que as sugeridas. Por isso, é preciso informar aos pais que o uso pediátrico de gomas de melatonina pode resultar na ingestão de quantidades imprevisíveis. 

O produto pode trazer malefícios, como sonolência durante o dia, déficit de atenção e concentração, além de ajudar na desregulação do relógio biológico, se ingerido em horários desordenados — alerta o médico.

O que é a melatonina

A melatonina é um hormônio produzido pelo corpo quando nosso organismo percebe que está de noite. Ela é uma das responsáveis por preparar o corpo para o sono: induz todas as modificações necessárias para o repouso, como sono, jejum e redução da atividade cardiovascular, da pressão, da frequência cardíaca, temperatura corporal, além de alterar a produção de glicose e insulina do corpo.

Consumir a melatonina como forma de suplemento pode sim ajudar a dormir. No entanto, ele normalmente funciona para pessoas que estão com deficiência no hormônio, como idosos. Crianças não costumam apresentar esse problema.


Fonte: O GLOBO