Ano sem títulos cria uma sensação de fim de ciclo, ainda que haja decisões difíceis a tomar no rubro-negro

Talvez estimulado por uma boa atuação contra Fluminense e outra contra o Grêmio, Jorge Sampaoli adotou em sua entrevista coletiva a narrativa de que o Flamengo da Copa do Brasil foi melhor do que o Flamengo do restante da temporada. A ponto de dizer que o torneio foi perdido “injustamente”.

É difícil concordar com as duas teses do treinador, que pareceu sinalizar seu futuro ao deixar o time no campo enquanto seu antecessor consolava os jogadores e, mais tarde, adotar discurso de despedida no vestiário. Sobre a suposta injustiça, não é possível dizer que este Flamengo tão rico tenha exibido mais, em campo, do que este São Paulo de claras limitações. 

E depois, é impossível dissociar a Copa do restante da temporada rubro-negra. Não há como isolar o jogo sofrível do Maracanã, na partida de ida, da rotina de agressões físicas, distanciamento entre comissão técnica e elenco e um projeto esportivo cambaleante, marcas do 2023 no clube. E, no fim das contas, foi no primeiro tempo do Maracanã que a final se decidiu.

Desde 2018, justamente o último ano antes da reconquista da Libertadores, o Flamengo não passava uma temporada inteira sem títulos. É algo que, salvo uma improvável guinada no Campeonato Brasileiro, acontecerá em 2023. Pode ser um marco, um alerta sobre a necessidade de repensar a forma de fazer futebol no clube. Ainda que o olhar para o futuro não permita ao Flamengo atual negligenciar semanas decisivas que se aproximam.

Porque o fracasso não está em perder uma final mesmo tendo receitas que ultrapassam R$ 1 bilhão. O sintoma grave é, com tamanha superioridade financeira, passar três temporadas seguidas sem sequer disputar o título brasileiro em pontos corridos, passar quase 100 rodadas sem liderar o campeonato. E, pior, sequer ir à Libertadores de 2024 num contexto em que tantas vagas são oferecidas. E este risco, hoje, é real.

O ano sem títulos cria uma sensação de fim de ciclo, ainda que haja decisões difíceis a tomar. Oxigenar elencos é necessidade frequente no futebol, o que é diferente de simplesmente riscar dos planos todos os jogadores que marcaram um período de conquistas. A transição após períodos tão vitoriosos é sempre desafiadora.

Claro que há saídas mais prováveis, como a de Filipe Luís, pelo curso normal de uma carreira próxima do fim. A partir daí, há julgamentos dificílimos de fazer, em especial porque o projeto esportivo do clube criou um contexto coletivo que contamina a avaliação dos rendimentos individuais.

Everton Ribeiro, por exemplo, vive um caso de declínio físico ou foi vítima deste vazio coletivo? Vale correr o risco de ver tanto talento num clube rival? E Gabigol, que entra em 2024 no ano final do contrato? Em alguns anos, quando a história contar este período vitorioso, ele será o símbolo. Para algumas gerações, é o segundo maior ídolo da história do clube. 

No entanto, vem de um ano tecnicamente ruim, com sinais de uma dificuldade para se manter na melhor forma. Vale dar a ele um novo contrato longo? Seria um risco tê-lo confortável com mais cinco anos de vínculo? Por outro lado, como conviver com o risco de que o fim do contrato o faça sair livre para um concorrente? Como administrar um 2024 em que o futuro da grande estrela seria um enredo? É um dilema.

Mas todas estas decisões só farão sentido quando o Flamengo der o passo mais importante: decidir quem tomará tais decisões. Nada se faz sem ter um norte ao seu futebol, uma direção esportiva com formação técnica, autonomia e menos interferências políticas. A partir daí, será possível pensar no próximo treinador e usar os fartos recursos para montar o elenco. Porque dinheiro compra jogadores, ideias e processos montam um time vencedor.


Fonte: O GLOBO