Aliados do ex-presidente temem denúncias e mudança de posição sobre competência do Supremo no caso das joias
Não são apenas os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que aguardam com expectativa o fim da gestão de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), no próximo dia 26.
No entorno de Jair Bolsonaro, a troca de comando na chefia do Ministério Público Federal também é esperada, mas com apreensão pelos possíveis desdobramentos nas diversas frentes de investigação que têm fechado o cerco contra o ex-presidente.
Mesmo com a chegada de Lula ao poder e a troca de comando na Polícia Federal, na Receita e na Abin, os bolsonariatas ainda contavam com a boa vontade de Augusto Aras para se livrar de casos mais espinhosos na Justiça.
Até agora, a PGR vinha se posicionando de forma favorável aos interesses do ex-presidente nos inquéritos de que ele é alvo no supremo. Foi com base em uma manifestação de Augusto Aras que Bolsonaro e Michele se recusaram a falar nos depoimentos à PF na última quinta-feira.
No entanto, com os sinais do Palácio do Planalto de que Aras não deve ser reconduzido ao cargo, os bolsonaristas passaram a temer que essa última barreira de proteção seja derrubada.
E mais: para os aliados do ex-presidente, a tendência é que um procurador-geral da República escolhido por Lula dê novo fôlego às investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), reduzindo o capital político de Bolsonaro e aumentando ainda mais os riscos de uma prisão.
“Quando mudar o comando da PGR, vai ter apresentação de denúncia e o Supremo vai aceitá-la, colocando Bolsonaro no banco dos réus”, prevê um interlocutor do ex-presidente.
Relator das principais investigações que atormentam o clã Bolsonaro – o inquérito das fake news, das milícias digitais, o caso das joias sauditas, a fraude no cartão de vacinas e a apuração dos atos golpistas de 8 de Janeiro –, Alexandre de Moraes defende a escolha do vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet para a chefia da PGR e já fez esse recado chegar a Lula.
Gonet defendeu a condenação de Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por Moraes, que resultou na inelegibilidade do ex-presidente, em junho deste ano.
O vice-procurador-geral eleitoral também é amigo e já foi sócio de Gilmar no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Com dois padrinhos de peso no Supremo, Gonet é considerado, hoje, favorito para a chefia da PGR.
Devido ao alinhamento de Gonet e Alexandre de Moraes, que já ficou comprovado no julgamento da inelegibilidade, bolsonaristas temem que a PGR mude drasticamente de opinião em duas investigações que dominaram o noticiário e abalaram o PL ao longo dos últimos meses: o escândalo das joias sauditas e a fraude na carteira de vacinação de Bolsonaro.
A PGR de Aras tem defendido que esses dois casos devem sair das mãos de Alexandre de Moraes e migrar para a primeira instância, já que Bolsonaro deixou de ser presidente da República e não possui mais foro privilegiado. Essa posição foi externada em pareceres elaborados pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, aliada de Aras.
Bolsonaro e Michelle Bolsonaro recorreram à posição da PGR para ficar em silêncio durante depoimento à Polícia Federal na última quinta-feira, por não reconhecerem no STF o “juiz natural competente” para cuidar da investigação das joias.
Em entrevista ao portal Metrópoles, no último dia 30, Aras chegou a dizer que o plenário do Supremo poderia invalidar as decisões de Moraes no caso das joias se ele for considerado pelos colegas incompetente para relatar o processo. No PL, a leitura foi a de que as declarações de Aras contra Moraes deixaram claro que nem ele mesmo acredita mais na sua recondução.
“Se existe foro, os atos praticados podem ser, nesse aspecto específico, considerados válidos. Ou o Supremo pode dizer que não existe foro. Que os atos, em tese, teriam sido praticados por um juiz incompetente. E, nesse aspecto, o Supremo também poderia invalidar todos os atos praticados. Como fez no caso da Lava Jato, em que o juiz Sergio Moro foi tido como impedido, suspeito e, com isso, houve a invalidade de todos os atos”, disse Aras, em referência à decisão do STF que anulou as condenações de Lula na Lava-Jato.
Se Lula escolher Gonet para o lugar de Aras, bolsonaristas acreditam que não apenas é possível, como provável, que o novo chefe da PGR, mais alinhado a Moraes, reveja essa posição, defenda a manutenção das investigações contra o ex-presidente no Supremo e, portanto, imploda uma das principais teses testadas pela defesa.
Outro caso que pode sofrer uma reviravolta com uma PGR em sintonia com Alexandre de Moraes é o inquérito que apura se houve interferência indevida de Bolsonaro, então presidente da República, na própria Polícia Federal.
A investigação foi aberta a partir das declarações de Sergio Moro ao pedir demissão do Ministério da Justiça, em abril de 2020, num dos episódios mais turbulentos da administração bolsonarista.
Em setembro do ano passado, Lindôra Araújo pediu o arquivamento do inquérito, o que não foi feito até hoje por Moraes. Ao ignorar o pedido da aliada de Aras, o ministro tenta ganhar tempo e conta com a troca na chefia da PGR para dar sobrevida às investigações.
Apesar do parecer contrário da PGR, Moraes autorizou que a Polícia Federal realizasse a operação na casa de Bolsonaro, em um condomínio no bairro do Jardim Botânico, em Brasília. No PL, o procurador-geral da República é encarado como uma espécie de lembrança do legado “bolsonarista”.
Aras foi indicado e reconduzido ao cargo por escolha de Bolsonaro ao longo de seus quatro anos de mandato, sem disputar a eleição interna realizada pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), que forma uma lista tríplice para o chefe do Executivo.
Quando indicou Aras para a chefia da PGR pela primeira vez, Bolsonaro sofreu duras críticas de aliados, irritados com a postura anti-Lava-Jato do escolhido.
“Sem querer desmerecer ninguém, a gente buscou uma pessoa que fosse nota 7 em tudo, não nota 10 em algo e 2 em outra”, rebateu o então presidente, numa live. Bolsonaro também disse que precisava de “um chefe do Ministério Público alinhado com as bandeiras nossas e, na questão ambiental, não seja xiita” e “que, se houvesse um jogo de xadrez no governo, a ‘dama’ seria o procurador-geral da República”.
No tabuleiro da sucessão na PGR, o xeque-mate no jogo contra Bolsonaro está agora nas mãos de Lula.
Fonte: O GLOBO
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