Funcionários públicos estão entre os brasileiros que não conseguem receber pagamentos do governo federal determinados pela Justiça
Enquanto o governo busca uma solução junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para quitar as dívidas dos precatórios, brasileiros aguardam anos para receber os recursos referentes às decisões judiciais. A ideia do Ministério da Fazenda é mudar a classificação do gasto e quitar cerca de R$ 95 bilhões em dívidas judiciais por meio de crédito extraordinário.
Roberto Melo, servidor aposentado do INSS desde 2019, espera há cinco anos pelo pagamento de R$ 150 mil. O processo que originou a sentença transitada em julgado remete ao ano de 1993, quando participou de uma ação coletiva de servidores contra o governo Itamar Franco, que concedeu um reajuste de 28,86% aos militares, mas deixou o funcionalismo do Executivo de lado.
— É um dinheiro que faz falta. Ainda mais por esperar há tanto tempo — diz Melo.
O servidor aposentado Francisco Caminha aguarda desde o ano passado para receber um precatório. Ele entrou com uma ação judicial em 2019 para reaver gratificações durante seu trabalho como psiquiatra em um hospital federal. Os valores atrasados se transformaram em título de precatório que já chega a R$ 173 mil. Ele foi informado que o valor deve sair até o ano que vem:
Francisco Caminha aguarda para receber: “Vai melhorar a qualidade da minha vida” — Foto: Arquivo pessoal
— Já estou com 74 anos, então tem as mazelas da velhice e complicações de saúde. Não posso esperar mais muitos anos. Esse recurso vai melhorar minha qualidade de vida.
Oferta pelos títulos
Desde o ano passado, Francisco tem recebido ofertas de empresas para vender o precatório. Em novembro, uma instituição especializada na compra de precatórios ofereceu pagamento de R$ 68 mil pelo montante, que na época era de R$ 163 mil. Já neste mês, outra companhia fez uma proposta de R$ 95 mil pelo total de R$ 173 mil.
— As ofertas são tentadoras. Eles dizem que, se eu entregar os documentos, em dez dias terei o valor na minha conta — conta ele.
O pedido do governo para quitar as dívidas por meio de crédito extraordinário é uma resposta a uma medida editada no governo Jair Bolsonaro que retirou parte do pagamento de precatórios do Orçamento da União.
A PEC dos Precatórios foi promulgada pelo Congresso em dezembro de 2021. Na prática, a medida criou um limite para despesas com precatórios, que ficaram congeladas ao valor desembolsado com a rubrica em 2016, quando foi aprovado o teto de gastos, e corrigidas apenas pela inflação anual.
A proposta autorizou o ex-presidente Bolsonaro a aumentar os gastos em 2022, quando disputou a reeleição, permitindo, por exemplo, a elevação do Auxílio Brasil, hoje Bolsa Família, para R$ 400.
Aposentado desde 2012 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o professor Jorge D. tem cerca de R$ 1 milhão a receber da União desde 2021, por vencimentos atrasados relativos ao benefício de Reconhecimento de Saberes e Competências. Segundo ele, sua ação está prevista para ser paga em 2025:
— Quero melhorar a situação de vida de meus filhos, netos e parentes. Estou com muita expectativa, mas o governo vai ter que se esforçar para remontar ao cenário antigo, que era mais justo. Desde a PEC, nos dão calotes sucessivos.
O auditor fiscal da Receita Federal Vilson Romero tem cerca de R$ 1,2 milhão em precatórios a receber por processos vencidos há dois anos na Justiça, a respeito de reajustes salariais não concedidos à categoria. Ele relata incerteza sobre o recebimento, já que o prazo inicial, fim de 2022, não foi cumprido:
— Manifesto meu repúdio ao prejuízo trazido pela emendas constitucionais que foram eleitoreiras em prejuízo de todos os credores da União. Não sei quando receberei, já que as decisões atuais do governo ainda não estão definidas.
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, defendeu ontem a regularização das dívidas com precatórios ainda este ano. Mas ressaltou que é preciso esperar a decisão do Supremo para ter segurança jurídica:
— Minha opinião técnica é que seria melhor neste ano, mas você não tem segurança.
Fonte: O GLOBO
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