Levantamento do GLOBO analisou as peças processuais de 184 ações apresentadas ao Supremo contra o ex-presidente ou seus filhos
De saída da Procuradoria-Geral da República (PGR), Augusto Aras atuou alinhado ao bolsonarismo na maioria das manifestações do órgão enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) em acusações envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos.
De 184 ações analisadas por levantamento do GLOBO apresentadas da primeira posse de Aras, em setembro de 2019, até fim do mandato do ex-titular do Planalto, em dezembro de 2022, o PGR encaminhou posicionamento favorável à então família presidencial em 95% das ocasiões. Aras deixa o cargo nesta terça-feira, depois de quatro anos comandando o Ministério Público Federal (MPF) por indicação do ex-presidente.
Das 184 ações esmiuçadas pelo GLOBO, em 18 não consta qualquer manifestação da PGR. Também há aquelas em que, ao longo da tramitação, o órgão se posiciona múltiplas vezes. O levantamento examinou, assim, 186 peças mais relevantes assinadas pelos procuradores.
Das 184 ações esmiuçadas pelo GLOBO, em 18 não consta qualquer manifestação da PGR. Também há aquelas em que, ao longo da tramitação, o órgão se posiciona múltiplas vezes. O levantamento examinou, assim, 186 peças mais relevantes assinadas pelos procuradores.
Em 134 ocasiões (72%), a PGR pediu a extinção do processo, e em outras 32 (17%) ela acatou decisões anteriores neste sentido do STF sem recorrer. Há, ainda, dez posicionamentos benéficos para Bolsonaro ou os filhos — como tentativas de retirar ações das mãos do ministro Alexandre de Moraes, desafeto declarado do ex-presidente.
Ações contra a família Bolsonaro — Foto: Editoria de Arte
Temas ligados à Covid-19 são centrais em quase um terço das ações contra Bolsonaro. Em repetidas ocasiões, ao pleitear o arquivamento, a PGR ecoou argumentos do ex-presidente sobre a crise. “Autoridades em matéria sanitária divergem sobre várias questões, tais como eficácia do isolamento social e imunidade coletiva”, escreveu Aras em outubro de 2020, quando as orientações da ciência sobre distanciamento já eram conhecidas e amplamente hegemônicas.
Até deixar o cargo, Bolsonaro tornou-se alvo de um único inquérito aberto por iniciativa da PGR, que apurava uma suposta interferência na Polícia Federal relatada por Sergio Moro ao deixar o cargo de ministro da Justiça — vice-procuradora-geral da República e vista como um dos nomes mais simpáticos ao ex-presidente no órgão, Lindôra Araújo pediu arquivamento do caso em setembro de 2022, a menos de duas semanas do primeiro turno da eleição. Outros quatro inquéritos foram iniciados no próprio STF ou em decorrência da CPI da Covid.
O único outro posicionamento da PGR contrário à família Bolsonaro diz respeito a uma petição que sequer virou inquérito, relativa a declarações do ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco. Embora tenha solicitado, inicialmente, a oitiva de Castello Branco, Lindôra opinou pela extinção da ação após colher ela própria o depoimento.
Mudança de tom
Bolsonaro só foi enquadrado mais duramente pela PGR após sair do Executivo. Em 13 de janeiro, passados cinco dias dos ataques golpistas em Brasília, o subprocurador Carlos Frederico Santos, escolhido por Aras para acompanhar o caso, solicitou a inclusão do ex-presidente no rol de investigados como “instigadores e autores intelectuais dos atos antidemocráticos”, pedido que acabou aceito por Moraes.
Santos anexou ao inquérito que tramita no STF uma petição assinada por 80 integrantes do Ministério Público Federal (MPF) que frisa que Bolsonaro “há anos ventila desconfiança quanto à confiabilidade” do sistema eleitoral e “se engajou em disseminar desinformação” sobre o Poder Judiciário, condutas que configurariam “uma forma grave de incitação, dirigida a todos seus apoiadores”.
Seis meses antes, a posição externada pela PGR quanto à postura de Bolsonaro era bem diferente. Ao opinar, em 6 de junho, pelo arquivamento de uma notícia-crime que enumerava ataques infundados do ex-presidente à confiabilidade das urnas, Lindôra defendeu que as declarações eram “mera crítica ao sistema eletrônico” e tinham a “pretensão de seu aperfeiçoamento”, estando “amparadas pelo princípio da liberdade de expressão” — valendo-se, mais uma vez, de uma retórica bolsonarista frequente.
Seis meses antes, a posição externada pela PGR quanto à postura de Bolsonaro era bem diferente. Ao opinar, em 6 de junho, pelo arquivamento de uma notícia-crime que enumerava ataques infundados do ex-presidente à confiabilidade das urnas, Lindôra defendeu que as declarações eram “mera crítica ao sistema eletrônico” e tinham a “pretensão de seu aperfeiçoamento”, estando “amparadas pelo princípio da liberdade de expressão” — valendo-se, mais uma vez, de uma retórica bolsonarista frequente.
“Um simples discurso, meses antes do período de preparação das urnas, não tem potencial algum para impedir ou perturbar a eleição”, complementou a vice-procuradora.
Antecessor de Lindôra no posto, Humberto Jacques de Medeiros também já minimizou o impacto dos arroubos de Bolsonaro. Após o Sete de Setembro de 2021, quando o ex-presidente subiu o tom dos ataques, chamou ministros do STF de “canalhas” e ameaçou não cumprir determinações judiciais, o então vice-procurador argumentou que inferir do discurso uma sugestão de “abolição violenta do estado democrático de direito” — uma das tipificações na qual vêm sendo enquadrados os golpistas de 8 de janeiro — seria algo “vago e impreciso”.
Em outra ação sobre o penúltimo Dia da Independência, também rejeitada após sinalização da PGR, coube ao próprio Aras colocar panos quentes na beligerância bolsonarista. Ao se posicionar, o procurador-geral lembrou uma nota divulgada pelo ex-presidente dias depois da data, na qual buscou amenizar as declarações dadas no carro de som. Para Aras, Bolsonaro fez constar, no texto, “o respeito à democracia e às instituições” e “disposição ao diálogo permanente”, o que afastaria “o suposto conteúdo antidemocrático do discurso proferido”.
A indicação para a PGR, cargo vago a partir desta terça-feira, segue indefinida. Lula, porém, deve seguir o mesmo caminho de Bolsonaro e ignorar a lista tríplice apresentada pelo MPF. Entre os favoritos para o cargo estão os subprocuradores Antonio Carlos Bigonha, que conta com o apoio de ampla parcela do PT, e Paulo Gonet Branco, apoiado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, e também por Alexandre de Moraes.
Procurada no começo do ano pelo GLOBO, a PGR informou que pediu a abertura de “pelo menos oito inquéritos” para apurar fatos envolvendo Bolsonaro ou “integrantes do primeiro escalão do governo”. O levantamento trata apenas de ações nas quais o próprio ex-presidente ou os filhos constam como alvo. O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, por exemplo, é investigado a pedido do órgão, que se opôs várias vezes à inclusão de Bolsonaro no inquérito.
A PGR também disse receber várias “representações repetidas”, que são por isso recusadas, e frisou que “a alegada atuação institucional alinhada ao governo federal” já foi “por diversas vezes respondida e desmentida”. O órgão pontuou ainda que “todas as manifestações apresentadas são fundamentadas” e, “em sua grande maioria, acolhidas integralmente”.
Fonte: O GLOBO
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