Longe de figurar entre os maiores museus do mundo, histórias por trás do acervo de 300 veículos blindados vem atraindo seguidores na internet

O Museu do Tanque em Bovington, na Inglaterra, não costuma aparecer entre os maiores do mundo. Localizado ao lado de uma base militar em uma zona rural tranquila, a sua coleção de cerca de 300 veículos blindados atrai apenas algumas centenas de milhares de visitantes por ano, em geral famílias de férias na praia. No entanto, há um lugar onde ele supera os principais acervos do planeta: o YouTube.

Com mais de 550 mil inscritos, o canal do Museu do Tanque ultrapassa o Museu de Arte Moderna (519 mil) e o Museu Metropolitano de Arte (380 mil), ambos em Nova York, e até o Louvre (106 mil), uma das principais atrações de Paris.

Em abril, a instituição anunciou que ter sido o primeiro museu a conquistar mais de 100 milhões de visualizações no YouTube, com vídeos semanais que incluem discussões intensamente detalhadas sobre a história dos tanques, bate-papos sobre as máquinas de guerra favoritas dos curadores e itens mais recentes sobre os veículos blindados que estão sendo usados na Ucrânia.

O sucesso do canal agradou — e ocasionalmente confundiu — a equipe do museu. David Willey, curador e um dos apresentadores do YouTube, disse que uma vez fez um vídeo de 80 minutos sobre a Batalha de Arras, um confronto da Segunda Guerra Mundial no norte da França, e ficou surpreso quando o vídeo decolou.

— É a cabeça falante mais sem graça, e agora tem 800 mil visualizações ou algo assim — disse Willey.

Fundado em 1923 e originalmente aberto apenas para militares, o acervo do museu inclui artefatos importantes, como o primeiro tanque do mundo, apelidado de "Little Willie", e o único exemplar em funcionamento do temível Tiger 1, um veículo alemão usado na Segunda Guerra Mundial. Além disso, expõe também uma série de artigos curiosos, como um tanque branco brilhante que pertenceu às Nações Unidas.

Nik Wyness, diretor de marketing do museu, disse que sua jornada no YouTube começou com o desejo de impulsionar o perfil do Museu do Tanque. O fato de estar "em uma base militar outrora secreta no meio do nada" dificultava a atração de visitantes, disse ele.

Suas primeiras incursões foram vídeos de arrecadação de fundos e artigos curtos com o objetivo de atrair a atenção da mídia. Depois, em 2015, começou uma série chamada "Tank Chats", na qual David Fletcher, um historiador militar, fica em frente aos veículos do museu e fala sobre sua história e importância — às vezes se aprofundando em detalhes sobre os trilhos e sistemas de motor de um tanque. 

Os vídeos eram simples, feitos em uma única tomada, disse Wyness, mas logo viralizaram, encontrando um público entre veteranos militares e jovens jogadores do World of Tanks, um jogo on-line extremamente popular.

Agora, o museu tem 10 membros da equipe trabalhando em sua produção no YouTube, e seus vídeos elegantes se assemelham a documentários curtos. Em geral, eles apresentam imagens de arquivo de tanques em ação e, às vezes, sequências de bastidores que explicam como os veículos funcionam.

No entanto, a filmagem dentro de um museu tem seus desafios. Em uma manhã recente, Chris Copson, um apresentador, estava fazendo um discurso para a câmera sobre o veículo Mark I que participou da primeira batalha de tanques, durante a Primeira Guerra Mundial, quando o museu abriu suas portas. Copson prosseguia enquanto várias famílias apareciam ao fundo de sua filmagem e o áudio das cenas de batalha era reproduzido pelo sistema de alto-falantes do museu.

A equipe de filmagem, que incluía outros quatro funcionários operando câmeras e luzes móveis, logo decidiu que seria mais fácil filmar dentro do tanque, e Copson subiu no enferrujado Mark I e continuou, gravando um segmento que incluía uma discussão sobre as condições adversas que a tripulação teria vivenciado dentro do tanque.

Em uma época em que muitos museus no Reino Unido estão lutando para lidar com a inflação e a queda dos subsídios do governo, Wyness disse que os vídeos do YouTube provaram ser um benefício financeiro. No ano passado, o museu gerou um terço de sua receita on-line, disse ele, incluindo os espectadores que pagam pelo acesso antecipado aos vídeos e as vendas de mercadorias em uma loja on-line. 

Parte dessa receita, de cerca de US$ 2,5 milhões, foi usada para contratar Copson como apresentador em tempo integral, além de Paul Famojuro, um ex-guia, para administrar o canal TikTok do museu. O orçamento também foi utilizado para publicar livros antigos sobre a história dos tanques, disse Wyness.

Willey afirma que, graças ao YouTube, ele ensina mais pessoas sobre tanques do que esperava. Mas, no fim das contas, ele queria mesmo que mais pessoas entrassem pelas portas do museu.

— Como funcionário de um museu, o que eu mais amo é o espanto no rosto das pessoas quando elas visitam o museu pela primeira vez, ficam na frente de um tanque e dizem: 'Olha como ele é grande! — afirma, recordando que essa foi sua reação em sua primeira visita a Bovington, aos 6 anos de idade, há mais de meio século.


Fonte: O GLOBO