Dela, que nasceu há 35 anos, derivam o SUS e inúmeros direitos, como os dos indígenas, das mulheres, dos negros e o respeito ao meio ambiente
“Chegamos. Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora”. Essa frase está bem no começo do discurso do presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães no dia 5 de outubro há 35 anos. A espera havia sido até maior do que os 21 anos da ditadura. A República brasileira nasceu como um regime militar, foi para um período oligárquico de uma república das elites e sem povo, desaguou na ditadura Vargas, viveu 19 anos na democracia, veio então a ditadura militar, e por fim chegamos nessa aurora da qual Ulysses falou no discurso.
Aquela geração de políticos foi sábia. Afastou a ideia de um projeto constituinte feito por sábios e foi correr o risco de fazer a Constituição pelos constituintes eleitos pelo povo e com muita emenda popular. Dela nasce o SUS, dela derivam inúmeros direitos, como os dos indígenas, das mulheres, dos negros, do respeito ao meio ambiente. Sobretudo estabelece-se a partir dela o sistema democrático com o voto universal, incluindo os analfabetos e adolescentes, para a escolha dos governantes. Ela foi construída com a rejeição absoluta ao autoritarismo. “Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição”.
A democracia é sobretudo um sistema vivo, e várias vezes esteve sob estresse. Mas o pior deles foi o que vivemos no último governo, quando havia claramente uma conspiração contra a Constituição. Ela morreria se fosse bem sucedida a tentativa de golpe do governo que acabou em 31 de dezembro de 2022.
Os democratas são sobretudo cidadãos e cidadãs insatisfeitos e insatisfeitas. É natural. Ela pressupõe um avanço continuado, idas e vindas, erros e correções. E isso está também no discurso de Ulysses. “A Constituição certamente não é perfeita, ela própria o confessa ao admitir a reforma”.
Ela tem seus próprios instrumentos de correção de rumo. Um projeto como aquele aprovado ontem na CCJ, em que o Congresso define regras de funcionamento do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional e acabará caindo. Porque é importante entender que nem tudo pode ser alterado na Constituição do Brasil. Existem as cláusulas pétreas.
Aquele 5 de outubro de 1988 foi um dia histórico. Temos há 35 anos esse Norte na nossa vida brasileira para evitar o caminho maldito das ditaduras.
Fonte: O GLOBO
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