Médico explica em que casos há de fato uma recomendação para o uso dos suplementos e faz alerta para promessas sem comprovação científica

Uma parte do corpo tem ganhado um destaque cada vez maior nos últimos anos: a microbiota intestinal, chamada popularmente de flora. Trata-se da população de trilhões de microrganismos, em sua maioria bactérias, que colonizam o intestino e são consideradas benéficas para a saúde. O desequilíbrio dessa região, chamado de disbiose, está ligado a problemas de saúde que vão desde os distúrbios gastrointestinais até problemas na pele e de bem-estar psíquico.

Nesse contexto, entram os probióticos – microrganismos considerados benéficos que são consumidos por meio de alimentos, no caso de iogurtes, por exemplo, ou de suplementos específicos. São diversos tipos diferentes, porém o mais comum são os que utilizam cepas de bactérias dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium.

O objetivo é recuperar o equilíbrio da microbiota com a maior ingestão daquela população que é positiva e, com isso, melhorar a saúde do trato intestinal e seus impactos no resto do organismo. No entanto, fabricantes aproveitam o menor rigor aplicado aos produtos por serem suplementos alimentares para fazer inúmeras promessas.

Entre elas, têm chamado a atenção probióticos em gotas destinados a bebês, que garantem uma redução nas diarreias e nas cólicas de lactentes. Mas afinal, há benefícios nesses casos? E existem riscos em administrar os microrganismos em recém-nascidos?

Quando dar probiótico para o bebê?

No caso dos bebês, o mais importante é priorizar o aleitamento materno, que está associado a uma rápida colonização do intestino pelos microrganismos positivos. Silvio Carvalho, presidente do departamento de Gastroenterologia da Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (Soperj) e professor da Unirio, explica que o leite da mãe geralmente é suficiente para garantir o equilíbrio da microbiota.

No geral, ele diz que o único caso em que dar probiótico para um recém-nascido teria um benefício chancelado de forma sólida pela ciência é quando há a necessidade de administração de antibióticos, já que os medicamentos de fato alteram a microbiota, e os suplementos podem evitar o desequilíbrio.

— Mas nesse caso existe o probiótico certo, numa dose certa e no momento certo. Por exemplo, se não começar junto com o antibiótico, não adianta. Só que você encontra no mercado uma variedade imensa de probióticos, e a maioria não têm estudos que comprovem a eficácia. Então é preciso do aconselhamento do médico — alerta.

Essa visão de que os probióticos seriam todos iguais é algo que preocupa o especialista. Ele reforça que existem microrganismos diferentes, versões com eles sozinhos, com mais de um em conjunto, e que eles não vão atuar todos da mesma forma, nem têm todos as mesmas evidências.

— É uma profusão muito grande de microrganismos propostos para desempenhar um mesmo papel. Vamos imaginar que você tenha mil microrganismos. Olha a quantidade de estudos que seriam necessários para cada um deles até ter certeza de que eles funcionam ou não. É uma combinação muito grande de possibilidades. E muitos desses produtos estão no mercado há muito tempo sem que haja evidências — diz.

Existem outros benefícios de probióticos para bebês?

Outros benefícios no uso de probióticos em recém-nascidos podem podem até existir, mas carecem de comprovações científicas, afirma Carvalho:

— Fala-se numa suposta capacidade de reduzir a cólica do lactente, por exemplo, naqueles nenéns que choram muito e demonstram um tipo de desconforto. Existem alguns estudos que sugerem que um tipo específico de probiótico poderia ajudar, mas apenas aqueles que também amamentam. Porém são trabalhos com algumas falhas, que não foram perfeitamente conduzidos, então apenas levantam hipóteses.

Uma revisão de estudos publicada na Cochrane sugeriu que um tipo específico, o Lactobacillus reuteri, estaria associado a uma redução de 44,26 minutos no tempo de choro do bebê por dia. Porém, os autores fizeram a ressalva de que, ainda assim, as evidências não são suficientes para confirmar. "Estamos limitados na nossa capacidade de tirar conclusões pela certeza das evidências, que avaliamos como sendo baixa", escrevem.

Um outro caso em que pode haver um benefício, embora ainda sejam necessários mais trabalhos, é para prevenir a enterocolite necrosante em recém-nascidos prematuros. O problema é um quadro inflamatório do trato digestivo que afeta cerca de 5% dos prematuros e pode ser grave.

Alguns ensaios clínicos têm demonstrado que os probióticos podem reduzir a incidência do problema e mortalidade associada a ela, e que a suplementação seria segura. Serviços do Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido, o NHS, têm passado a orientar o uso dos probióticos nesse caso.

No entanto, em uma revisão recente sobre o tema, a Academia Americana de Pediatria (AAP) diz que “as evidências atuais não apoiam a administração rotineira e universal de probióticos a bebês prematuros”, que “a segurança a longo prazo permanece desconhecida” e que “os centros que tomam a decisão de administrar probióticos para bebês prematuros devem discutir os riscos e benefícios potenciais desta terapia com os pais”.

Pode dar probiótico para o bebê?

Sobre potenciais riscos nos pequenos, os estudos não demonstram reações mais graves entre os pequenos do que as observados nos adultos. Existem alguns casos relatados, assim como em mais velhos, de sepse, quadro também conhecido como infecção generalizada, mas são raros.

— Existem casos registrados, os probióticos não são totalmente isentos de risco, mas em tese eles não seriam capazes de causar malefícios tão grandes. O principal problema é que são caros e não há benefícios comprovados no geral. Então não é uma boa conduta, que vai ajudar a criança a ter uma menor dor abdominal, ou uma diarreia menor, e vai ser um dinheiro desperdiçado — avalia o médico da Soperj.


Fonte: O GLOBO