Agenda do ministro ainda tem itens pendentes no Congresso, que somam pelo menos R$ 47 bilhões de receita prevista para 2024

O Senado aprovou ontem uma das principais medidas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para aumentar a arrecadação em 2024 e atingir a meta de zerar o rombo das contas públicas no ano que vem. Os senadores deram aval à proposta que muda a cobrança de imposto sobre os chamados fundos exclusivos (voltados para a alta renda no Brasil) e offshore (no exterior).

O relator Alessandro Vieira (MDB-SE) não realizou modificações substanciais no texto que veio da Câmara dos Deputados. Com isso, o projeto segue diretamente para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O governo espera arrecadar R$ 20 bilhões com a medida no ano que vem. Apesar desse avanço, a agenda de Haddad para zerar o déficit ainda tem projetos pendentes no Congresso, que somam pelo menos R$ 47 bilhões de receita prevista para 2024.

Nesta lista estão a diminuição de deduções fiscais em juros sobre capital próprio (JCP), com possibilidade de render até R$ 10 bilhões; a taxação das apostas on-line, com previsão de R$ 2 bilhões; e o aumento dos impostos para grandes empresas que recebem benefício fiscal de ICMS, com arrecadação de R$ 35 bilhões.

Mesmo tendo sido proposta em agosto, a medida provisória (MP) do ICMS só começou a andar oficialmente ontem, quando foi criada a comissão especial de deputados e senadores para analisar o tema. O governo quer acrescentar na MP a tributação de JCP e votar o texto ainda este ano.

Haddad já conseguiu aprovar alterações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que passaram nas duas Casas no meio do ano e têm previsão de render até R$ 60 bilhões em 2023.

Votação das ‘bets’ é adiada

Ontem, o Senado adiou a votação do projeto de lei que taxa as empresas de apostas on-line, bem como os prêmios de pessoas físicas. O tema sofre resistência da oposição e da bancada evangélica, que acusa o governo de estar dando aval para jogos de azar no país. Não houve acordo entre oposição e governo para que a urgência e o mérito do projeto de lei fossem votados no mesmo dia.

A urgência da votação foi aprovada, mas a maioria dos senadores optou por esperar uma nova sessão para a análise final do texto. O adiamento teve apoio da base governista.

A votação das offshore e dos fundos exclusivos, por sua vez, foi simbólica, ou seja, o texto foi aprovado sem necessidade de votação expressa. Mesmo com as mudanças, a equipe econômica do governo estima que as duas propostas renderão uma arrecadação de R$ 3,5 bilhões ainda em 2023, de R$ 20 bilhões em 2024 e de R$ 7 bilhões em 2025.

— As alterações feitas no projeto reduziram muito pouco a previsão do governo, que era de R$ 25 bilhões para 2024 — afirmou o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).

Para os fundos exclusivos, a taxa será de 15% em aplicações de longo prazo e de 20% nas de curto prazo. A cobrança ocorrerá duas vezes ao ano. Hoje, só há cobrança de Imposto de Renda (IR) no resgate.

A proposta coloca os fundos exclusivos dentro do regime de “come-cotas” a partir do ano que vem. O come-cotas é um sistema em que, a cada seis meses, a Receita Federal “morde” uma quantidade de cotas do cliente equivalente ao IR devido, que é retido na fonte. O come-cotas incide apenas sobre os lucros, não sobre o capital investido. Esse mecanismo já é usado nos fundos de investimento tradicionais.

Os fundos offshore terão cobrança de 15% — hoje, a cobrança é apenas no resgate e quando o dinheiro vem para o Brasil. Ou seja, uma vez fora do país, essa renda poderá nunca ser tributada de fato.

O projeto também trata das trusts, que serão tributadas, e as define como uma relação jurídica em que o dono do patrimônio transfere bens para outras pessoas administrarem. Na prática, é uma ferramenta muito usada pelos proprietários para transferir seu patrimônio a terceiros, normalmente seus filhos, cujo dever é administrar os bens conforme a vontade dos pais.

‘Justiça tributária’

Inicialmente, a proposta do governo federal indicava uma tributação de até 22,5% sobre os ganhos de investimentos offshore, mas o relator da matéria na Câmara, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), reduziu essa alíquota para alinhá-la à dos fundos exclusivos.

Ao alinhar as cobranças dos fundos exclusivos e das aplicações no exterior com outros investimentos, especialistas consideram que a medida é importante não apenas para aumentar a arrecadação, mas para prover justiça tributária.

— O projeto ainda aumenta a justiça tributária na tributação de aplicações no país, consolida sua regulamentação e contribui com a sustentabilidade fiscal e a implementação de políticas públicas essenciais — afirmou o relator, Alessandro Vieira.

Os investidores dos fundos exclusivos e offshore também precisarão pagar imposto sobre a aplicação já acumulada. Para aqueles que fizerem o pagamento antecipado, até dezembro deste ano, a taxa será de 8%. A ideia proposta inicialmente pela Fazenda era de 10%. Quem deixar o pagamento do estoque para 2024 terá de pagar o valor total do tributo, 15%.

A votação foi rápida e teve apenas uma manifestação contrária da oposição. O senador Rogério Marinho (PL-RN) disse que o governo segue com atitudes de irresponsabilidade fiscal, mesmo aprovando projetos de arrecadação:

— O arcabouço (fiscal) que votamos aqui é apenas uma miragem, uma peça de ficção.


Fonte: O GLOBO