Tecnologia pode ser aliada do governo para aumentar eficiência de gastos com rapidez, diz economista

O governo aumentou a sua projeção para o déficit das contas públicas este ano para R$ 177 bilhões. O número representa 1,7% do PIB, ou seja, de todas as riquezas produzidas no país. O percentual é menor do que previa a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023, que tinha uma estimativa de 2%. Mas é bem maior do que o ministro Fernando Haddad estimava no início deste ano de 0,5%.

O economista Robson Gonçalves, professor de MBAs da FGV, diz que é normal que todos os governos comecem com uma expectativa de déficit menor e ir a ajustando. Ele explica que apesar da economia ter crescido mais do que se esperava a princípio, o que puxou esse crescimento foi o setor de serviços prestados às famílias que não é forte em arrecadação.

A questão, pondera ele, não é só o crescimento da economia, mas a qualidade desse crescimento.

Na avaliação de Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryot Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), a piora do déficit é resultado de uma combinação de fatores. A premissa otimista do PIB projetada pelo governo pode ser o primeiro deles. O desempenho de arrecadação, no entanto, não foi menor apenas nas estimativas do governo, o mercado também previa dados melhores.

Uma parte dessa frustração, diz Barros, é fruto do uso de crédito tributário para abater tributos como Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, a Contribuição sobre Lucro Líquido, PIS e Cofins. Efeito das benesses distribuídas pelo sistema tributário nos últimos anos e que o mercado tem muita dificuldade de estimar, diante da falta de transparência da Receita com esses dados.

Soma-se ainda a perda de fôlego da economia à redução do preço dos commodities, por conta do cenário internacional.

Para a arrecadação, a desaceleração da inflação nos últimos 12 meses também não exatamente boa notícia. Afinal, explica, se o imposto é pago a partir do valor daquele produto, se o preço cai, a arrecadação também cai.

Gonçalves destaca, no entanto, que até aqui o ajuste fiscal proposto pelo governo Lula é receita dependente. Ou seja, só será fechado com desempenho favorável se houver uma melhora na arrecadação. O esforço do ministro Haddad em aprovar medidas que fecham os ralos de escapes tributários, diz o professor, é uma comprovação dessa dependência.

Na sua avaliação, a proposta de fechar ralos e estabelecer uma meta fiscal de déficit zero é razoável para 2024. Mas, na sua visão, a pretensão do governo deveria ser recuperar o déficit primário, um dever de casa que o presidente Lula fez bem nos seus primeiros mandatos, mas que o Brasil perdeu sob o comando de Dilma e não conseguiu recuperar mais.

Para tanto, diz o professor, uma medida essencial seria a Reforma Administrativa. Ele lembra que o gasto com pessoal representa 20% das despesas do governo e destaca que, a despeito que professores, enfermeiros e outros servidores recebam baixos salários, há uma elite do funcionalismo público, com ganhos muito acima da média da iniciativa privada. Nesse aspecto, aponta, o governo é um gerador de desigualdade:

- O gasto do governo com a folha salarial é socialmente injusto e economicamente insustentável.

Barros também defende a reforma administrativa como medida essencial para melhora nas contas públicas. Ele acrescenta que a melhora nos resultados não passa necessariamente por corte despesas, mas pela maior eficiência de gastos.

Nessa direção, o economista defende a centralização das políticas sociais, de forma a evitar sobreposição de benefícios, o cruzamento de dados para identificar irregularidades em programas como Bolso Família. Ele lembra que a ministra Simone Tebet começou a passar esse pente-fino, mas que o avanço tem sido lento.

Para mostrar o potencial desse tipo de medida, Barros lembra que colocando uma lupa apenas nos gastos com auxílio-doença, o governo Temer conseguiu uma economia de nada menos que R$ 18 bilhões em 12 meses.

Eficiência nos investimentos também é outro caminho apontado pelo economista. Ele destaca o estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) que mostra que o problema do investimento não se concentra na falta de recursos, mas em projetos base mal feitos, que levam à interrupção de obras, aumento de custos e impactos ambientais não planejados.

-O ajuste fiscal não será feito sem mix de medidas que visam a receitas e os gastos. E hoje, com tantos recursos tecnológicos, big datas que permitem a avaliação rápida de milhares de dados, pode-se com inteligência rapidamente melhorar a eficiência do gasto. Se isso acontecer melhora a perspectiva que o mercado tem do governo, consequentemente possibilita uma curva maior de corte de juros e um crescimento potencial do PIB maior. Isso só se falando em eficiência, veja que não falamos de corte de gastos - diz Barros, da Ryot Asset.

Gonçalves, professor da FGV, não sabe se o governo terá força política na tramitação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para conter o viés gastador do Legislativo, que tradicionalmente não tem o mesmo compromisso fiscal que o Executivo. Isso preocupa, avalia, diante da base fluída do governo no Congresso.


Fonte: O GLOBO