Com estilo de jogo semelhante ao DNA do atual elenco, treinador precisará trabalhar bem a gestão de grupo para não repetir erros que cometeu no passado, assim como seus antecessores no alvinegro

Mesmo sem ter sido anunciado oficialmente pelo Botafogo, Tiago Nunes começará, na quarta-feira, sua trajetória no alvinegro. Por mais que deva assinar contrato longo, para ser o comandante do time em 2024, o treinador tem, já no curto prazo, um grande desafio: fazer com que a equipe recupere a liderança do Brasileirão e conquiste o título depois de 28 anos de jejum. Para isso, o treinador tem a tarefa de se adaptar ao DNA da equipe durante os sete dias de treinamentos que terá durante a data Fifa, identificar os pontos fracos e resolve-los rapidamente.

É inevitável que o ideal estabelecido para que seja seguido por Tiago Nunes no Botafogo é o time de Luís Castro. E, em alguns pontos, a característica da equipe que o novo comandante de 43 anos encontrará se assemelha a de alguns de seus trabalhos anteriores.

Estrutura tática semelhante

No Athletico-PR, por exemplo — o clube paranaense é tratado como um modelo a ser seguido na SAF do Botafogo —, quando foi o sucessor de Fernando Diniz, em 2018, construiu a equipe com estrutura similar ao do alvinegro em seus melhores momentos em 2023. Na fase defensiva o Furacão se postava numa formação 4-4-2, com o centroavante e o meia ofensivo mais avançados, pressionando a saída adversária. Já no momento ofensivo, com um 4-3-3, tinha uma equipe com um jogo vertical forte e que chegava ao ataque com muita velocidade.

De maneira geral, Tiago Nunes fez do Athletico-PR uma equipe ofensiva e de muita intensidade, independentemente do campo onde jogaria. O jogo do Furacão consistia na utilização de meias construtores, com capacidade de marcar e atacar, pontas rápidos e centroavantes de boa presença na área. Ao se analisar o elenco do Botafogo e as características dos jogadores que atuam com maior frequência, entende-se que Nunes não deve ter problemas para implementar esse estilo no alvinegro.

— Ele gosta muito de ser vertical e intenso e tinha a possibilidade de jogar assim. Era uma manutenção do estilo de jogo. Gostava muito do 4-3-3 pelos pontas rápidos que tinha, o Nikão e o Rony. Na frente teve o Pablo em 2018 e o Marco Ruben em 2019. Por isso gostava da verticalidade e de meio-campistas, Bruno Guimarães, Léo Citadini, Erick... Ele não é nem um pouco defensivo, pelo contrário. Gosta de ser bastante ofensivo, mas claro, cuidando da estratégia de marcação — explicou a jornalista Monique Vilela.

No entanto, em alguns momentos, o time treinado por Tiago Nunes também se mostrou capaz de se adequar ao adversário, como por exemplo quando superou o histórico Flamengo de 2019 em pleno Maracanã nas quartas de final da Copa do Brasil. Na ocasião, também num 4-3-3, a equipe se portou de forma mais reativa e achou o gol do empate no tempo regulamentar em contra-ataque concretizado por Rony na ponta esquerda.

Além disso, na questão defensiva, que foi o grande calcanhar de aquiles do Botafogo sob o comando de Lucio Flavio — foram 11 gols sofridos nos últimos quatro jogos depois de sofrer apenas 18 em 28 partidas —, Tiago Nunes também conseguiu dar uma resposta rápida naquele Athletico-PR. Depois de sofrer 15 gols nos 12 primeiros jogos com Diniz no Brasileirão de 2018, o Furacão foi vazado cinco vezes nas oito primeiras partidas de Nunes na competição. A média caiu pela metade.

No clube paranaense, Tiago Nunes conquistou a Copa Sul-Americana, em 2018, e a Copa do Brasil, em 2019.

— Ele tem um auxiliar muito bom, que é o Evandro Fornari (além dele, o preparador físico Edy Carlos e o analista de desempenho Jussan Anjolin acompanharão Tiago Nunes no Botafogo). Trabalham em conjunto desde 2017 e não se afastaram mais. Ele é muito bom taticamente, lê muito o jogo com o Tiago e contribui bastante em substituição, mexer no time em cima do adversário. É um complemento do trabalho do Tiago — analisou Monique Vilela.

Tiago Nunes em conversa com o auxiliar Evandro Fornari nos tempos de Corinthians — Foto: Rodrigo Gazzanel/Ag. Corinthians

Presença no vestiário

Mas mais do que só o campo e bola, Tiago Nunes precisará ter personalidade e boa gestão de grupo no vestiário alvinegro. Afinal, Bruno Lage foi demitido após pedido dos jogadores a diretoria e Lucio Flavio é visto pelos atletas e por membros da diretoria como um treinador passivo, que não tem muita presença nesses bastidores. 

Além disso, depois de sofrer duas viradas por 4 a 3, um empate com gols nos minutos finais e perder a liderança que chegou a ter 13 pontos de vantagem, é inegável que a questão psicológica é um fator importante dentro desse elenco, embora a partida contra o Bragantino também tenha deixado pontos positivos quanto a isso.

Após o acerto de Nunes com o Botafogo, viralizou nas redes sociais um trecho de um discurso do treinador antes de um jogo decisivo do Athletico-PR pela Copa do Brasil. No Furacão, o treinador, que galgou da base para o profissional, era bastante querido pelo elenco e visto como um "paizão". Responsável por efetivar jovens como Bruno Guimarães e Renan Lodi, convocados frequentemente para a seleção brasileira, Tiago Nunes tinha a personalidade comparada com o de Cuca.

No entanto, Tiago Nunes precisará tomar cuidado para que esse trabalho no vestiário não ultrapasse a linha tênue do incentivo e da confiança para se tornar uma pressão a mais para os jogadores. Foi o que aconteceu no Sporting Cristal, como revelado pelo próprio em entrevista em setembro ao ge.

"Tive dificuldade aqui no início diante do ambiente tóxico no Brasil, com cobrança por resultado imediato, que você não ganha três jogos e é demitido. Eu transferi isso para os jogadores aqui e tive dificuldade. Eles não entendiam tanto essa cobrança precoce. A parte boa é que isso gerou uma comunicação melhor, uma relação melhor", disse o treinador

Além disso, Tiago Nunes também enfrentou problemas no vestiário com os jogadores no Corinthians (2020), e no Ceará (2021/22).

— O Tiago acumulou algumas rusgas com a diretoria, ao criticar algumas decisões do então presidente Robinson de Castro) e com o elenco. Ele era bem duro nas coletivas quando jogavam mal. Apesar de eliminações vexatórias no campeonato cearense e na Copa do Nordeste, o que foi determinante para a saída dele foi a má gestão de vestiário e o azar de ser bode expiatório de problemas ligados a diretoria da equipe — falou o jornalista Tércio Brilhante.

Posteriormente, Tiago Nunes esteve envolvido em polêmicas com o Ceará quando afirmou, em entrevista ao Flow Esporte Clube, que havia um jogador do elenco que evitava fazer faltas para não perder pontos em um fantasy game. A declaração pegou mal, foi criticada, e o treinador acabou pedindo desculpas.

Já no Timão, os atletas consideravam que o discurso do treinador internamente e também externo, nas coletivas após as partidas, era ruim. A análise dos jogadores do time paulista era de que o treinador transferia responsabilidades. Essas situações, aliadas a críticas a líderes do elenco, como Fagner, fizeram com que Nunes perdesse apoio do vestiário e fosse demitido pela diretoria após 26 partidas e nove vitórias.

Dessa maneira, entre questões táticas e extracampo, Tiago Nunes terá que solucionar alguns desafios para levar esse Botafogo ao sucesso tão rapidamente.


Fonte: O GLOBO