Autor de histórias do esporte, o jornalista Jeff Benedict explicou pesquisa e contou histórias de seu novo livro em entrevista ao GLOBO

Quatro títulos da NBA, quatro seleções como melhor jogador (MVP), duas medalhas de ouro e a recém-conquistada NBA Cup. Aos 38 anos de idade e ainda atuando em alto nível, LeBron James é uma lenda das quadras de basquete e do esporte como um todo. 

Por trás de um jogador campeão, dominante, vencedor e perfeccionista, há um pai, um marido, um empresário e um homem que tirou o melhor de cada experiência que viveu desde a infância pobre na cidade de Akron, em Ohio. É esse retrato que Jeff Benedict descreve em sua biografia “LeBron”, lançada no Brasil em novembro pela editora Companhia das Letras.

O GLOBO leu a obra e conversou com o jornalista, produtor e escritor americano, que em suas últimas dois livros escreveu biografia de Tiger Woods e sobre a dinastia do New England Patriots na NFL. Agora, mergulha em lados pouco conhecidos da carreira de outro esportista lendário.

— Muitas das histórias que estão no livro me surpreenderam, eu tento me usar como medida para o leitor quando decido o que incluir e o que deixar de fora. Normalmente, deixo os jogos de fora, já que dá para assisti-los no Youtube, não é? — explica — Eu estava muito interessado em como ele construiu suas relações com (o rapper e produtor) Jay-Z e Michael Jordan. São relações que começaram quando LeBron era adolescente e foram formadoras para ele de jeitos diferentes. Jay-Z virou um verdadeiro amigo de LeBron, quase um irmão, numa relação que se fortaleceria ano a ano — conta Benedict.

Biografia de LeBron James foi lançada no Brasil em novembro — Foto: Divulgação/Companhia das Letras

Em uma das histórias do livro, ele revela o primeiro contato entre Jordan e LeBron, em Chicago. Na época, o hoje jogador do Los Angeles Lakers estava em seu terceiro ano do ensino médio, já acompanhado de perto pela imprensa americana, enquanto Michael vivia os últimos momentos da carreira pelo Washington Wizards, já conhecido como lenda do basquete. LeBron foi convidado por um dos seus treinadores para passar as férias treinando no ginásio de Michael.

— No último dia, quando estavam saindo para entrar no carro, Jordan chegou. E LeBron nunca tinha o conhecido. Jordan saiu do carro, foi em direção a LeBron, e Maverick Carter (amigo e empresário de LeBron) o chamou de "o Jesus negro". 

Michael o convidou para entrar e conversaram um pouco em particular. Jordan não deu muitos conselhos, mas deu seu número de celular. Quando LeBron foi para a escola no dia seguinte, no primeiro dia de seu terceiro ano, ele tinha o número de celular de Michael Jordan em sua carteira. Foi o início de uma relação realmente importante, que durou até LeBron entrar na NBA — relata o autor.

Existem muitos livros, filmes e documentários sobre o LeBron. Que tipo de visões, histórias e insights novos a biografia traz?

Provavelmente 75% das histórias do livro já foram contadas antes. Existem aspectos muito públicos da vida do LeBron, como a ida para Miami (para atuar no Heat). Claro que tenho que escrever sobre esses momentos, os leitores se perguntarão sobre eles. Ao mesmo tempo, quem compra um livro não quer ler sobre o que já sabe, querem ler do que não sabem. No caso do LeBron, é um desafio, já que ele vive uma vida pública desde adolescente. 

Mas também fez um bom trabalho protegendo muito dos aspectos privados da sua vida do público. O trabalho do biógrafo é conseguir o material e, da melhor forma, dar ao leitor uma ideia melhor de quem o retratado é. Talvez além dos holofotes e, no caso do LeBron, além das quadras. Todo mundo sabe o que ele é nas quadras, está exposto toda vez que ele joga uma partida. Mas como ele é fora das quadras? Como pai, marido, amigo, empresário ou vizinho? São áreas nas quais temos que mergulhar mais.

LeBron é um cara muito conectado à família, inclusive trouxe os filhos para os holofotes do basquete. Como você explora essa relação no livro?

Começo pelo fato de que LeBron não teve um pai em sua vida. Não teve um pai presente em qualquer momento de sua criação. Sua mãe teve que fazer a dupla função de pais. Houve outras pessoas em sua vida quando era um garoto, um adolescente, que foram basicamente os exemplos para ele de como ser um pai e marido. 

Algumas delas foram seu treinadores. Um das coisas em que ele mais teve sorte na juventude foi que os homens que o treinaram também eram grandes homens em suas vidas pessoais. Tudo poderia ter ido para outro lado facilmente. LeBron foi muito astuto, observava muito esses homens, o jeito que tratavam os filhos, as esposas.

Acredito que agora que ele é pai, está usando das melhores qualidades que viu em outras pessoas. Acho que muito do que ele faz como pai são coisas que ele queria ter tido se tivesse um pai. É interessante para mim como LeBron é um grande empresário. Ele está definitivamente nos negócios do basquete. Para ele, é negócio, é uma profissão. É claro que é uma arte, um trabalho de construção, mas no cerne da coisa, é um negócio. 

E qualquer pai que é excepcionalmente bom em um negócio vai passá-lo para os filhos. Pode ser um bancário, um corretor, uma farmacêutico ou um investidor, se um pai ganhou muito dinheiro e foi bem em um negócio, é natural que queira compartilhar com os filhos, fazê-los crescer dentro desse negócio. Os filhos de LeBron estão crescendo no negócio do basquete e é fascinante de assistir. Para mim, é uma progressão natural para ele, está muito envolvido.

LeBron e o filho mais velho, Bronny — Foto: Christian Petersen / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP

No final do In Season Tournament (vencido pelos Lakers), LeBron disse que recordes seriam quebrados, mas ninguém seria o primeiro a ganhar o torneio de novo. É essa mentalidade que faz dele um ícone do esporte?

Acredito que sim. É difícil subestimar o poder de quem cresceu tendo nada, o poder de sentir fome, fome de comida, literalmente. Quando você desenvolve um desejo por algo, isso vira um combustível para te levar muito à frente, como no caso do LeBron. Ele cresceu sem privilégios, nada foi dado a ele, tudo foi conquistado. 

Com o que ele fez quando jovem, virando profissional saindo do ensino médio aos 18 anos, poderia pensar "olha todo esse dinheiro, posso fazer o que quiser, comprar os carros mais caros, viajar pelo país, ir para festas" e essas coisas, mas ele economizou. LeBron sempre foi muito conservador com seu dinheiro, era um cara com mentalidade de negócios. 

Entendeu desde cedo onde estava entrando no mundo do esporte profissional. Desde cedo queria fazer disso um negócio, e conseguiu. Ele mantém seu corpo em forma porque seu corpo é sua principal ferramenta de trabalho. Se quebrar, ele está fora.

LeBron foi campeão e MVP do In Season Tournament — Foto: Ethan Miller/Getty Images/AFP

É claro que ainda pode fazer outras coisas como ter ou comandar uma franquia, mas seus dias de jogador terminariam. Quando olhamos para o jeito com que ele se relaciona com o basquete, não é surpresa que ele termine com a maioria dos recordes. Vai terminar com o maior número de pontos marcados, com o maior número de minutos jogados, com o maior número de jogos. Vai ser o primeiro campeão do In Season Tournament na história da NBA. 

Está acumulando recordes, alguns que nunca vão ser quebrados. É claro que ele está certo e alguns deles vão ser, mas várias coisas que ele faz provavelmente nunca vão ser superadas, como ele fez no torneio. Quando você é o primeiro em algo, é o primeiro para sempre. Não vai ter outro. É incrível que ele tenha ficado na liga tempo o suficiente para ser o primeiro, com seu time, a ganhar algo assim. Ele chegou com 18 anos em 2003, quais eram as chances de em 2023 ele ainda estar eu seu auge e liderando os Lakers nesse torneio? Ninguém diria isso. Mas é o que é a carreira de LeBron.

Durante o processo de entrevistas, alguma história ou informação te pegou de surpresa?

Muitas das que estão no livro me surpreenderam, eu tento me usar como medida para o leitor quando decido o que incluir e o que deixar de fora. Normalmente, deixo os jogos de fora, já que dá para assisti-los no Youtube, não é? Então não escrevo muito sobre eles, prefiro as histórias pessoais que nunca ouvi falar e me deixaram animado. 

Por exemplo, eu estava muito interessado em como ele construiu suas relações com Jay-Z e Michael Jordan. São relações que começaram quando LeBron era adolescente e foram formadoras para ele de jeitos diferentes. Jay-Z virou um verdadeiro amigo de LeBron, quase um irmão, numa relação que se fortaleceria ano a ano.

E no caso de Jordan?

Foi um impacto ainda quando era adolescente. Quando LeBron entrou na liga, eles já não mantiveram uma relação muito próxima, o que é normal. A parte importante foi como ele o conheceu e os seus últimos dois anos de ensino médio. Uma das minhas histórias favoritas é quando LeBron estava prestes a entrar no terceiro ano (dos quatro do ensino médio americano) e estava em Chicago jogando um torneio de basquete de verão. 

Um dos treinadores de Michael foi ao torneio para assisti-lo e o convidou para o outro lado da cidade conhecer o ginásio particular de Michael, onde ele treinava. LeBron foi com seu amigo e empresário Maverick Carter. Michael era o ídolo de LeBron, era incrível entrar lá e ver onde seu ídolo treinava, é como um músico entrando em Abbey Road. E isso claramente teve um impacto nele.

O treinador disse a LeBron e Maverick que, se quisessem voltar mais tarde naquele verão, poderiam treinar lá. Foi o que eles fizeram. Na época, muitos jogadores da NBA voltavam a Chicago durante a offseason e Michael deixava que eles treinassem lá. Então, caras que LeBron assistiu na TV estavam lá treinando, e eventualmente deixavam LeBron jogar com eles.

Imagine estar no terceiro ano do ensino médio e ser convidado para jogar com caras que são estrelas na NBA. Eram maiores, mais altos, mais rápidos e mais fortes, e LeBron conseguiu acompanhar o ritmo. Para mim, foi um momento muito importante para ele perceber que poderia competir.

LeBron e Michael Jordan se conheceram antes do craque entrar na NBA — Foto: Streeter Lecka/Getty Images/AFP e Ronald Cortes/Getty Images/AFP

No último dia, quando estavam saindo para entrar no carro de Maverick e voltar para Ohio, Jordan chegou. E LeBron nunca tinha o conhecido. Jordan saiu do carro, foi em direção a LeBron, e Maverick o chamou de "o Jesus negro". É um momento que a maioria das crianças nunca viveria em suas vidas, conhecer seu ídolo de infância. 

Ele conheceu o dele, Michael o convidou para entrar e conversaram um pouco em particular. Jordan não deu muitos conselhos, mas deu seu número de celular. Quando LeBron foi para a escola no dia seguinte, no primeiro dia de seu terceiro ano, ele tinha o número de celular de Michael Jordan em sua carteira. Foi o início de uma relação realmente importante, que durou até LeBron entrar na NBA.

São histórias que mudam percepções...

Se você é um leitor e está interessado em LeBron, ou se pensa que havia uma grande rivalidade entre LeBron e Michael, histórias como essa realmente informam como era na realidade. Há um pouco mais de complexidade nessas coisas. Também faz você apreciar a grandeza de ambos. Jordan foi o maior jogador de basquete de todos os tempos, e lá estava ele conversando com um jovem de 16 anos que talvez fosse a única pessoa na Terra que poderia ser uma ameaça para esse status no futuro. Eles se encontram num estacionamento em Chicago. Quais as chances?

Outra coisa que realmente me fascinou foi o verão em que LeBron foi draftado pelo Cleveland Cavaliers. A maioria das pessoas não sabe que ele jogou, naquela época, em um time que Jay-Z treinou em Nova York, algo que nunca aconteceria hoje. 

Seria impossível para um calouro da NBA, que acabou de ser draftado, ser autorizado a jogar em um time de uma liga da cidade. Mas LeBron estava com Jay-Z naquele verão em Nova York, num torneio que foi simplesmente incrível e tinha outros jogadores da NBA. Essa é outra dessas histórias que as pessoas simplesmente não conhecem. E são as coisas nas quais realmente me aprofundei.

Falando sobre o jogo, em que momento você acredita que LeBron passa de um grande jogador para um ícone do esporte?

Para mim, é quando ele vai para Miami. Em seus sete anos em Cleveland, LeBron já estava fazendo coisas lendárias, como o jogo em Detroit, nos playoffs, em que ele basicamente assume a partida num um contra cinco e derrota os Piston "sozinho". 

Era algo anormal num time de basquete, um jogador não deveria jogar contra cinco, especialmente quando o time todo sabe que ele vai fazer isso. Os companheiros de LeBron apenas saíram do caminho e deixaram ele enfrentar os cinco adversários. Não dava para evitar. Isso foi lendário.

Quanto a se tornar icônico, entrar no mesmo patamar de Jordan, acontece quando ele vai para Miami. Lá, ele realmente aprende o que é preciso para ser campeão da NBA. No ensino médio, LeBron ganhou três regionais com treinadores que nunca tinham sido campeões. Em Cleveland, jogou com vários outros que nunca tinham ganhado nada. 

Em Miami, encontra com Pat Riley (pentacampeão da NBA como técnico), que já não era mais treinador, mas comandava as operações de basquete do Heat. Já tinha ganhado muitos títulos de várias formas. Nesses quatro anos em Miami, LeBron se tornou um jogador assustador, muito dominante, a ponto de caras mais velhos reconhecerem que tinham medo de jogar contra ele.

LeBron em ação pelo Miami Heat, em 2013 — Foto: Mike Ehrmann/Getty Images/AFP

Para mim, tudo que aconteceu em Miami foi o ponto de transição. A liderança de Riley, o aprendizado de o que é necessário para ser campeão, como montar times capazes de vencer campeonatos. Quando ele volta de Miami para Cleveland, traz tudo isso consigo e vai a mais quatro finais de NBA. Mesmo que só tenha ganhado uma, jogou todas contra o Golden State Warriors. Um time cheio de all-stars que suava para ganhar de LeBron. 

Ele leva essa mentalidade para os Lakers, que é campeão e segue batendo na porta. Tudo isso separa ele dos demais e o coloca lado a lado com Michael. Uma conversa que eu acredito que deveria incluir Kareem Abdul-Jabbar e Bil Russell. Se você construísse um Mont Rushmore do basquete, são os outros dois rostos que deveriam estar entre os quatro.


Fonte: O GLOBO