Mudar a Constituição e a interpretação do Supremo por projeto de lei é um erro jurídico, será derrubado. O problema é o que acontece nesse meio tempo

O que o Congresso fez ao derrubar o veto ao marco temporal é inconstitucional. Essa é uma discussão que já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mudar a Constituição, mudar a interpretação dos ministros do Supremo por um projeto de lei, uma lei infraconstitucional, é absolutamente equivocado. Pela hierarquia das leis e a ordem constitucional, o Congresso está completamente errado. Quem está certo é o governo que vetou a proposta.

Com a derrubada do veto, a questão voltará para o Supremo Tribunal Federal que terá que dizer se o que a Corte interpretou sobre não haver marco temporal é o que prevalece. Eu acredito que vão reafirmar a inconstitucionalidade do marco temporal. O grande problema é o que acontecerá nesse meio tempo.

O marco temporal é uma briga ideológica e também econômica, é uma tentativa de entrar em terras indígenas, limitar o direito dos indígenas, tem a ver diretamente com a preservação do meio ambiente. Eu posso dizer isso porque, em reportagens que fiz pelo Brasil, vi fazendeiros e grileiros que ocupavam terras indígenas, inclusive demarcadas, e um deles a quem questionei sobre porque estava ali, a resposta foi: porque tinha advogados e deputado. Os parlamentares ligados à base ruralista mostraram ontem seu poder ao derrubarem esse veto.

No hiato entre a derrubada do veto e a apreciação pelo STF, o temor é que queiram ganhar tempo e que sejam criados fatos consumados com a ocupação de terras indígenas. A preocupação é o governo não ser capaz de homologar as terras indígenas que já foram demarcadas, que já cumpriram todos os requisitos legais. Demarcar uma área grande é difícil , demorado, leva anos, 15 anos até. E o governo agora pode se ver impedido.

Então há risco de prejuízos imediatos com a lei, por isso espero que o Supremo entenda isso e tome uma decisão o mais rapidamente possível sobre esse assunto.

Já a derrubada do veto do presidente Lula à prorrogação da desoneração da folha de pagamento era favas contadas. O imposto sobre trabalho no Brasil é de fato muito alto. O ideal sempre será uma medida que atinja todas as empresas e não 17 setores, mas o fato é que o governo conduziu mal todo esse debate, não apresentou alternativa.

Os setores que empregam muito, inclusive o da comunicação, se mobilizaram para defender seu ponto de vista e o governo disse que apresentaria uma alternativa. Acabou sendo derrotado.


Fonte: O GLOBO