Relatório da OCDE destaca que diferenças de gênero não são explicadas por 'capacidade inata', mas por contextos sociais e culturais

Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) de 2022 divulgados na última terça-feira continuam a indicar uma tendência já observada nos exames aplicados anteriormente: as diferenças nas performances de meninas e meninos na faixa dos 15 anos de idade no Brasil e em outros países, a depender da disciplina analisada. De um lado, elas vão melhor em Leitura. Do outro, eles estão à frente em Matemática.

No caso do Brasil, os meninos têm oito pontos de vantagem em relação às meninas, se avaliadas as competências em Matemática. O mesmo cenário é observado em 40 países, com destaque para Itália, Austrália, Chile e Peru, onde a discrepância supera os 15 pontos. Em 17 nações e economias, os indicadores do exame apontam para o oposto: meninas vão melhor que meninos em Matemática, entre elas Autoridade Palestina e Albânia. Em outros 24 países, não há diferença significativa entre os gêneros.

Além disso, 71% dos meninos brasileiros não conseguiram atingir o que a OCDE considera como patamar mínimo de aprendizagem em Matemática para a idade. Entre as meninas, o percentual chega a 76%. A organização avalia como patamar mínimo conseguir interpretar e reconhecer, sem instruções diretas, como uma situação simples pode ser representada matematicamente (por exemplo, comparando a distância total entre duas rotas alternativas ou convertendo preços numa moeda diferente).

As estudantes brasileiras, por outro lado, estão 17 pontos à frente dos meninos na avaliação de competências de Leitura, cenário semelhante ao de 79 dos 81 países participantes do exame. No Brasil, menos da metade delas (47%) não conseguiu atingir um patamar mínimo de aprendizagem na disciplina. Entre os meninos, são 54% os que não alcançaram as competências básicas em Leitura.

A OCDE ressalta, no relatório, que as diferenças de gênero não são explicadas por "capacidade inata", mas por contextos sociais e culturais que "reforçam atitudes e comportamentos estereotipados".

Papel da primeira infância

A presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, enfatiza que a diferença entre meninos e meninas não existe no começo da formação educacional e se amplia ao longo da trajetória escolar. Um dos aspectos que ajudam a explicar o cenário é a projeção social que é levada para a escola.

Áreas como Matemática, Química e Física, em geral, são mais ocupadas por homens e isso também aparece entre os professores na escola. Por outro lado, as meninas são mais estimuladas a se expressar e utilizar a linguagem, por fatores culturais e sociais, que os meninos, o que gera diferenças de vocabulário e ajuda a explicar o melhor desempenho delas em Leitura. O estímulo na primeira infância é crucial para enfrentar ambas as desigualdades.

— Enquanto a Matemática depende mais da escola, as competências da linguagem são mais usadas fora dela. Na primeira infância, os meninos também precisam de investimento na aquisição de vocabulário e exercício da linguagem, precisam frequentar mais a contação de histórias, ir às bibliotecas públicas, ao teatro. A mesma coisa para as meninas em relação ao raciocínio lógico e pensamento matemático. Elas precisam de mais estímulo na primeira infância.

Outra solução, na avaliação de Priscila Cruz, é melhorar as metodologias específicas para o ensino da Matemática, área que especialmente apresenta deficiências nos cursos de Pedagogia. Os cursos de licenciatura à distância, avalia, são hoje um entrave e prejudicam essa formação, que é complexa.

— A qualidade da educação é do tamanho da qualidade dos professores — defende.


Fonte: O GLOBO