Prefeito foi às ruas da capital acompanhar de perto o primeiro domingo de gratuidade no transporte municipal

Um dia depois de o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) subir no palanque ao lado do presidente Lula (PT), para dar início a obras do Minha Casa Minha Vida na zona Leste paulistana, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) foi às ruas para acompanhar de perto a estreia do programa que oferece ônibus de graça aos domingos. A novidade, porém, acabou, em partes, ofuscada pela repercussão negativa do aumento da tarifa dos trens e metrôs a partir do ano que vem.

O "Domingão Tarifa Zero", como foi apelidada a iniciativa, promete ser uma das principais bandeiras do emedebista na campanha à reeleição, em 2024. Nunes anunciou o benefício na segunda-feira, a poucos dias do ano terminar, e a colocou em prática na mesma semana, prevendo um gasto anual de R$ 283 milhões.

Alegando “saúde financeira” das empresas responsáveis pelo transporte sobre trilhos, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou um reajuste de R$ 0,60, elevando o preço da passagem para R$ 5. A notícia pegou o prefeito paulistano de surpresa. Dias antes, ele havia dito à imprensa que tomaria uma decisão com o aliado no fim do mês.

A prefeitura divergiu da gestão estadual e decidiu manter a tarifa do ônibus em R$ 4,40. Mesmo assim, nas redes sociais, o assunto foi amplamente explorado pela oposição. “Num dia eles falam do passe livre aos domingos e no outro aumentam a tarifa do transporte público”, escreveu o vereador Toninho Vespoli, do PSOL, no "X" (antigo Twitter).

Nas redes sociais, moradores reclamaram da falta de gratuidade no metrô. "Um crime: só a passagem do ônibus ser de graça aos domingos e a do metrô não", escreveu um internauta. "Muito conveniente deixarem só os ônibus de graça no domingo, sendo que a população prefere transitar de metrô porque várias linhas de ônibus não funcionam ou não fazem todo o trecho de domingo", disse outro.

O primeiro domingo com isenção no transporte da capital ganhou contornos eleitorais com o atual prefeito e pré-candidato à reeleição indo a campo acompanhar de perto a implantação da medida. A empreitada do chefe do Executivo Municipal começou à meia-noite, no Terminal Santo Amaro, zona Sul paulistana, e teve direito até a ofensas de munícipes que estavam no local.

Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), andou de ônibus em dia de estreia da tarifa zero na cidade — Foto: Leon Rodrigues/SECOM/Divulgação

Ao longo do trajeto, Nunes apresentou o programa a moradores da cidade (muitos sequer estavam sabendo), pediu opiniões sobre a iniciativa e também ouviu das mais diversas reclamações sobre a cidade. À tarde, o prefeito deve voltar às ruas, desta vez embarcando num ponto próximo ao Aeroporto de Congonhas para descer na Vila de Natal Água Espraiada, na zona Sul.

A ideia de trazer a tarifa zero para a cidade de São Paulo surgiu há cerca de um ano e, inicialmente, cogitava-se estabelecer a gratuidade em todos os dias da semana. Diante dos desafios logísticos e orçamentários, a gestão municipal passou a estudar diferentes cenários de isenção, como o passe livre durante a madrugada ou apenas para os inscritos no Cadastro Único (CadÚnico).

A escolha pelo domingo, segundo explica o prefeito, tem como base principalmente o fato de, neste dia em específico, haver uma ociosidade de 60% na frota.

—É a possibilidade de pessoas conhecerem e curtirem a cidade. A gente tem, aos domingos, 4.830 ônibus que circulam em São Paulo. Hoje são utilizados 40%, ou seja, 60% ficam ociosos. Estamos dando gratuidade porque ela vai aumentar o número de pessoas utilizando o transporte coletivo, de algo que a gente já pagava e estava ocioso— afirmou Nunes em coletiva no Terminal Santo Amaro.

A tarifa zero é uma pauta historicamente ligada à esquerda, e foi defendida, inclusive, por Boulos na campanha municipal de 2020. Outra pauta que Nunes tem mirado para enfraquecer o líder sem-teto é a habitação, por meio do programa Pode Entrar, focado na população de baixa renda.

A área promete ser um foco de embates entre os dois pré-candidatos. No sábado, Boulos acompanhou Lula no lançamento das obras do empreendimento Copa do Povo, que faz parte do programa Minha Casa Minha Vida. A obra em Itaquera, na zona Leste de São Paulo, representa uma demanda histórica do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

Lula no lançamento das obras do empreendimento Copa do Povo, em São Paulo — Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Sem citar diretamente o pleito eleitoral, Lula cutucou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito Ricardo Nunes, destacando a ausência de ambos no evento. Nunes rebateu pouco depois, dizendo que não marcará presença em eventos relacionados a "invasão". A obra conta com recursos da prefeitura e da administração estadual.

Serviço foi usado, mas ainda não muda planos

Em pontos da cidade onde há amplo vai e vem de paulistanos querendo divertir-se, caso da Avenida Paulista e do Parque do Ibirapuera, a medida teve adeptos, mas não foi capaz ainda de motivar a saída de casa somente pela gratuidade. Quem passeava por esses pontos da cidade, em geral, afirmou que já tinha planos de curtir o domingo no entorno. O domingo, com uso dos ônibus grátis, funcionou apenas como um "agrado" aos passageiros.

Exemplo desse cenário é a dupla de amigas, moradoras de Guarulhos, na Grande São Paulo, Juliana Souza e Regiane Evangelista, que pegaram o ônibus Terminal Santo Amaro por vontade de conhecer o MorumbiShopping, na zona Sul.

— A gente não sabia que tinha tarifa zero hoje. Nem somos habituadas a pegar ônibus na cidade, mas devemos voltar do mesmo jeito, vamos ver como o Google Maps nos orienta ao fim do dia —conta Juliana.

No mesmo veículo em que estavam a dupla de amigas, passageiros perguntavam ao cobrador se a liberação de tarifa se prolongaria por outras datas do ano. A curiosidade em relação à medida, inclusive, foi vista em diversos pontos da cidade. Em um ônibus saindo da Brasilândia em direção à Avenida Paulista, houve quem chegou a pedir carona ao motorista, mas foi informado que no domingo não era mais necessário pagar.

— O rapaz ficou sem saber se pulava a catraca ou passava direto — diz a diarista Dileia Zago que estava acompanhada do filho e Pedro Zago. — Aproveitamos para fazer uma compra rápida na Paulista e íamos tentar passear, mas a avenida está aberta para carros — diz a mãe, que gostou da novidade.

Houve quem, contudo, tenha torcido o nariz para as intenções do prefeito Ricardo Nunes com a nova medida. É o caso de Ray Dourado, de 25 anos, que mora na região do Grajaú, no extremo Sul da metrópole. O rapaz usou o serviço de ônibus pela manhã e viu muita gente confusa com o funcionamento da passagem livre.

— Acho que é uma propaganda eleitoral do prefeito, até porque tarifa zero de ônibus nunca foi uma bandeira dele.


Fonte: O GLOBO