O Brasil de Lula tem pouco tempo para mostrar que consegue evitar uma guerra entre dois vizinhos e promover a volta da democracia na Venezuela

O conflito entre Venezuela e Guiana representa o maior desafio já enfrentando pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em política externa desde o início de seu terceiro mandato. Está sendo testada a capacidade de liderança de Lula na região. 

O presidente brasileiro se posicionou — e aí cometeu erros, assumidos por fontes de seu governo — sobre os conflitos entre Rússia e Ucrânia, e Israel e o grupo terrorista Hamas. Mas agora o conflito é, como costumam dizer diplomatas e acadêmicos, no quintal do Brasil, e a principal cobrança por parte de grandes potências, sobretudo dos EUA, se a crise não for contornada, será ao governo Lula.

Até agora, a relação com o Palácio de Miraflores só causou dores de cabeça a Lula. Fontes no Itamaraty reconhecem que todos os gestos de Lula a Maduro renderam zero fruto. Ao contrário, até mesmo caminhões com produtos brasileiros continuam sendo barrados pelas autoridades venezuelanas na fronteira.

A tradicional paciência estratégica de Lula com Maduro estaria, confirmam fontes do governo, chegando a um limite. O brasileiro retornou da viagem a Oriente Médio e Alemanha com a determinação de que na última cúpula do Mercosul, no Rio, em 7 de dezembro, houvesse uma declaração contundente contra qualquer tipo de aventura militar na região. As ameaças de Maduro causaram profundo mal-estar no Palácio do Planalto, que temeu — e ainda teme — um descontrole da situação.

Irfaan Ali, presidente da Guiana, e Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, reuniram-se nesta quinta-feira para discutir questão do Essequibo — Foto: Divulgação / Ministério de Comunicação da Venezuela

Em duas reuniões no Rio, nas quais participaram o presidente, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, e o chanceler Mauro Vieira, chegou-se à conclusão de que a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) era o melhor âmbito para tentar uma aproximação entre Venezuela e Guiana — já que Caracas saiu da Organização dos Estados Americanos (OEA) e uma nova União de Nações Sul-americanas (Unasul) virou utopia com Javier Milei como presidente da Argentina.

Cientes de que nenhum dos dois países modificará suas posições, o que o Brasil busca é, segundo uma fonte diplomática, desinflar o conflito, ou seja, afastar o risco de uma escalada bélica. Paralelamente, a Celac garante ao Brasil que a crise fique encapsulada na região (leia-se longe da influência de EUA e China).

Esses são os objetivos mais urgentes do governo Lula, mas não os únicos. Se a mediação no conflito com a Guiana funcionar, o Palácio do Planalto acredita que ficará mais fortalecido como garante de um eventual — cada vez mais duvidoso — processo de democratização no país. 

O problema é que toda a agenda sobre eleições presidenciais em 2024 ficou paralisada por conta da tensão regional. Maduro não cumpriu grande parte do que prometeu na reunião em Barbados, em novembro, e, pior ainda, reforçou a caça às bruxas contra opositores, sobretudo vinculadas à candidata que venceu as primárias — não reconhecidas oficialmente — da oposição, María Corina Machado.

Enquanto o Brasil tenta contornar a crise com a Guiana, o regime de Maduro prendeu colaboradores de María Corina, entre eles Roberto Abdul, que esteve à frente da comissão nacional das primárias. Enquanto outros opositores tiveram pedidos de captura confirmados, Abdul foi preso e seu paradeiro é desconhecido. A repressão nunca se deteve na Venezuela, e nas últimas semanas se acentuou.

O Brasil de Lula tem pouco tempo para mostrar que é capaz de evitar uma guerra entre dois vizinhos e, quase simultaneamente, promover o retorno da democracia no maior deles.


Fonte: O GLOBO