Setores da esquerda resistem ao nome da ex-prefeita, que deixou o PT no auge da Lava-Jato e apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff

Selada a aliança para a eleição municipal em São Paulo, o próximo passo da chapa encabeçada pelo deputado Guilherme Boulos (PSOL), que terá Marta Suplicy como vice, é aparar arestas entre petistas e psolistas. Setores da esquerda resistem ao nome da ex-prefeita, que deixou o PT no auge da Lava-Jato e apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

A volta de Marta ao PT com o intuito de ser vice de Boulos foi articulada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem ela foi ministra. A expectativa é que a filiação da ex-prefeita ocorra em evento nos próximos dias, que deve contar com a presença de Lula. O assunto deve ser discutido em reunião do diretório municipal do partido amanhã.

Integrante do diretório nacional do PT e de uma corrente à esquerda, Valter Pomar é um dos que têm feito críticas recorrentes à articulação do partido em torno de Marta.

“Se uma pessoa é eleita pelo partido, não uma, mas inúmeras vezes; se esta mesma pessoa trai seu eleitorado e seu partido, não apenas uma, mas também inúmeras vezes; se essa pessoa, com esta traição, contribuiu direta ou indiretamente, para desgraçar a vida de grande número de brasileiros; e se, mesmo assim, esta pessoa pode ser aceita de volta no seu partido, com pompa e circunstância; se as coisas são assim, o que mais pode acontecer ‘daqui para frente’?”, publicou Pomar em seu blog, dirigindo-se ao deputado Rui Falcão (PT-SP), que defende a volta de Marta e participou das articulações para isso.

Outro que questiona a indicação da ex-prefeita para vice de Boulos é o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT), ex-marido de Marta, que tem defendido a realização de prévias e o nome da vereadora Luna Zarattini para a disputa interna. Ela agradeceu a lembrança, mas disse que seu projeto é disputar a reeleição.

Prévias

No sábado, ao deixar o apartamento de Marta, onde participou de um almoço para selar a aliança, Boulos se encontrou com Suplicy. Rui Falcão, que já foi presidente nacional do PT e também esteve no almoço, descartou a realização de prévias. A iniciativa é tradicionalmente defendida por Suplicy com o argumento de reforçar a democracia interna.

No PSOL, Marta já trocou farpas com a deputada Luiza Erundina em eleições passadas. Na eleição de 2000, então no PSB após ter se desfiliado do PT em 1998, Erundina se recusou a abandonar a disputa pela prefeitura para apoiar Marta, a candidata petista, no pleito.

Quatro anos depois, quando Marta tentava se reeleger prefeita, Erundina mais uma vez se recusou a apoiar o PT no segundo turno da eleição, na qual seu ex-partido enfrentaria José Serra (PSDB), que acabou eleito.

Em 2016, as críticas se aprofundaram, com ambas concorrendo de novo à prefeitura. Já no PSOL, Erundina chamou Marta de “traidora do povo” depois de a adversária se filiar ao partido de Michel Temer, que tinha tirado a esquerda do poder com o impeachment. Marta terminou com 10,14% dos votos, e Erundina, 3,18%.

As rusgas entre as duas continuaram em 2020, quando Erundina foi vice na chapa de Boulos à prefeitura de São Paulo.

No sábado, Boulos buscou deixar para trás o passado de embates entre a ex-prefeita e o PSOL. Segundo ele, a aliança que “está se construindo” não vai “olhar para o passado, mas para o compromisso de presente e futuro”. Já Marta, em nota, resgatou o “Manifesto Frente Ampla”, lançado em setembro de 2019, reunindo nomes de oposição a Jair Bolsonaro. “É a expressão do que essa reunião representa”, resumiu a ex-prefeita, em referência ao apoio do ex-presidente buscado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), que disputará a reeleição e de quem ela era secretária de Relações Internacionais até a semana passada.

No cálculo da direção dos dois partidos, Marta ajudará a atrair votos na periferia da cidade. Entre as regiões que a ex-prefeita pode angariar apoio está a Zona Sul, uma das mais populosas da capital, onde Nunes recebeu mais votos em sua última eleição para vereador, em 2016 — em 2020, ele foi vice do vencedor Bruno Covas.

A aposta em Marta como catalisadora de votos nas regiões mais pobres se justifica nos números dos últimos pleitos que disputaram. No primeiro turno de 2020, Boulos teve quase o dobro de votos válidos de Marta em 2016 (1,08 milhão a 587 mil). Ainda assim, o deputado conquistou menos apoiadores que a ex-ministra em seis zonas eleitorais, todas elas na periferia: Cidade Dutra, Jardim Ângela, Parelheiros e Capela do Socorro (Zona Sul), e em Guaianases (bairro da Zona Leste que abriga duas zonas eleitorais).


Fonte: O GLOBO