William Lai, candidato governista à Presidência próximo aos EUA, diz que está 'determinado a proteger Taiwan das intimidações e ameaças contínuas da China'
O candidato governista à Presidência de Taiwan, William Lai, venceu as eleições deste sábado no país asiático com 40,2% dos votos, em um resultado que pode complicar ainda mais as relações com a vizinha China, que considera a ilha uma província rebelde parte de seu território. Lai é vice-presidente do atual governo, que nos últimos oito anos tem demarcado uma linha de atrito com Pequim, deteriorando as relações bilaterais.
Lai, do Partido Democrático Progressista (PPD), vinha liderando as pesquisas de opinião com vantagem de cinco pontos percentuais sobre o líder da oposição, Hou Yu-ih, candidato do Partido Nacionalista (Kuomintang), segundo dados do agregador de pesquisas eleitorais da revista britânica The Economist. Sua vitória, em um pleito que teve um forte comparecimento às urnas de 70% do eleitorado, marca a primeira vez em que um partido ganha três mandatos consecutivos à frente do Executivo em Taiwan desde o estabelecimento das eleições diretas para presidente em 1996.
— Quero agradecer ao povo taiwanês por escrever um novo capítulo em nossa democracia. Nós mostramos ao mundo o quanto apreciamos nossa democracia. Este é o nosso compromisso inabalável. Taiwan conseguiu uma vitória para a comunidade das democracias — disse Lai após a divulgação dos resultados.
Hou reconheceu a derrota e pediu desculpas aos apoiadores por não ter conseguido derrubar o PPD do poder.
— Eu parabenizo William Lai e (a companheira de chapa) Hsiao Bi-khim por terem sido eleitos — disse ele aos apoiadores.
Oposicionista Hou Yu-ih reconhece derrota nas eleições em Taiwan — Foto: AFP
O novo presidente terá agora a tarefa de orientar a segurança de Taiwan e o relacionamento com Pequim nos próximos quatro anos, um período em que, segundo alertas de alguns especialistas e comandantes militares dos EUA, as Forças Armadas chinesas poderiam tornar-se cada vez mais capazes de realizar uma invasão da ilha, que fica a pouco mais de 150km do continente.
Antes de sua posse, em maio, Pequim e Washington ficarão atentas aos possíveis sinais de abordagem nas relações com a China, que, além de ser a maior ameaça à autonomia de Taiwan, também é o maior parceiro comercial do país.
Seu partido, o PPD, rejeita a reivindicação chinesa sobre a ilha, e Pequim tem demonizado Lai porque no início de sua carreira política ele se declarou um "trabalhador prático" pela independência de Taiwan. Funcionários chineses, ecoando os adversários locais de Lai, vinham advertindo que sua vitória poderia levar a ilha para mais perto de uma guerra. Em seu discurso de vitória, Lai foi cauteloso e ofereceu parceria baseada em respeito mútuo, mas deixou entrever os problemas à frente.
— Estamos determinados a proteger Taiwan das intimidações e das ameaças contínuas da China — disse Lai, comprometendo-se a manter a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan.
Taiwan é um território com um governo distinto da China continental desde 1949, quando os nacionalistas sob comando de Chiang Kai-shek se refugiaram na ilha após a derrota para os comunistas de Mao Tsé-tung na Revolução Chinesa.
Porém, o governo chinês considera que a ilha é parte do seu território e reiteradamente afirma que a sua incorporação é um processo inevitável, não descartando nem o uso da força. Diante dessas tensões, a relação de Taiwan com a China teve um grande peso eleitoral, e as duas candidaturas se dividiam em como melhor lidar com essa situação.
Lai é o atual vice da presidente Tsai Ing-wen. Durante seus oito anos de mandato, Tsai adotou uma política de aproximação com os Estados Unidos e distanciou-se da China. Seu governo enfatizou políticas de valorização da identidade nacional taiwanesa e reforçou a sua capacidade militar, incluindo o aumento do serviço militar obrigatório de quatro meses para um ano.
Neste período, a China e Taiwan encerraram seus canais de comunicação oficiais, e o governo da ilha perdeu o reconhecimento formal de sete países que passaram a ser aliados da China. Atualmente, só 13 países com assento na ONU ainda reconhecem a República da China, nome oficial de Taiwan. Os demais países, incluindo Brasil e Estados Unidos, não a reconhecem oficialmente.
Lai tem prometido manter a política externa promovida por Tsai. O maior sinal nesse sentido foi a escolha de Hsiao Bi-khim como sua vice. Representante de Taiwan nos EUA entre 2020 e 2023, ela foi alvo de uma série de sanções por parte da China.
Apesar dessa escolha e da promessa de continuidade, Lai diz estar aberto ao diálogo com o governo chinês durante seu mandato. “A nossa porta estará sempre aberta para compromissos com Pequim sobre os princípios da igualdade e da dignidade”, disse Lai em entrevista coletiva na última semana.
Durante a campanha eleitoral, o candidato da oposição enfatizou diversas vezes que mais um mandato do PDP poderia levar ao crescimento das tensões no Estreito de Taiwan de maneira irreversível. Hou Yu-Ih lembrou do histórico do PDP, e do próprio Lai, junto ao movimento pela independência de Taiwan no passado.
Linha direta com Pequim
Prefeito licenciado de Nova Taipé, a maior cidade da ilha, Hou é um ex-policial que conseguiu notoriedade ao solucionar um caso de comoção nacional nos anos 1990. Entre os dois candidatos, o nome de Hou é visto como mais favorável aos interesses da China continental. “Se Hou vencesse a eleição, a situação poderia voltar a ser como era em 2008, quando a administração do Kuomintang podia negociar diretamente com Pequim, o que não é bom para os Estados Unidos. Já o PDP sempre precisa dos Estados Unidos como intermediário entre a China e Taiwan”, diz Chung-Min Tsai, professor de Ciência Política da Universidade Nacional de Chengchi, em Taipé.
Durante os últimos 30 anos, a população taiwanesa passou a se reconhecer cada vez menos como parte da China. Embora mais de 95% da população seja da etnia han, de origem chinesa, mudanças curriculares e um movimento nacionalista desde a democratização do país na década de 1990 levaram a um crescimento dessa percepção. Atualmente, a maior parte da população da ilha (62,8%) se considera somente taiwanesa. Outros 30,5% se consideram taiwaneses e chineses ao mesmo tempo, e somente 2,5% se enxergam exclusivamente como chineses, segundo pesquisas realizadas pela Universidade Nacional de Chengchi.
Apesar disso, a grande maioria da população não é favorável a uma declaração imediata de independência, opção apoiada por somente 4,5% da população. No total, 82,1% da população defendem a “manutenção do status quo” no curto prazo — expressão que demonstra a preferência pela situação atual, em que Taiwan se mantém como uma entidade política autônoma, com exército, governo e moeda próprios, mas sem uma declaração formal de independência, que irritaria Pequim.
Impacto da economia
A manutenção do status quo é uma maneira eficiente de amenizar a possibilidade de conflito entre China e Taiwan, segundo Chung-Min Tsai:
— Há somente duas condições em que a China adotaria uma ação militar. A primeira é se Taiwan declarar a sua independência, e a segunda seria se os Estados Unidos rejeitassem a política de uma só China — diz o professor.
Independentemente de quem ganhasse as eleições, o cientista político acredita que atualmente está em curso uma diminuição das tensões no estreito, devido a fatores externos a Taiwan que se sobrepõem à eleição local.
“A economia doméstica na China está atualmente em uma situação muito perigosa e arriscada, portanto eles não têm tempo para lidar com a questão de Taiwan. Já os EUA estão dialogando novamente com os chineses, então não há como Taiwan continuar sendo tão firme em relação à China”, afirma o cientista político.
Fonte: O GLOBO
Lai é o atual vice da presidente Tsai Ing-wen. Durante seus oito anos de mandato, Tsai adotou uma política de aproximação com os Estados Unidos e distanciou-se da China. Seu governo enfatizou políticas de valorização da identidade nacional taiwanesa e reforçou a sua capacidade militar, incluindo o aumento do serviço militar obrigatório de quatro meses para um ano.
Neste período, a China e Taiwan encerraram seus canais de comunicação oficiais, e o governo da ilha perdeu o reconhecimento formal de sete países que passaram a ser aliados da China. Atualmente, só 13 países com assento na ONU ainda reconhecem a República da China, nome oficial de Taiwan. Os demais países, incluindo Brasil e Estados Unidos, não a reconhecem oficialmente.
Lai tem prometido manter a política externa promovida por Tsai. O maior sinal nesse sentido foi a escolha de Hsiao Bi-khim como sua vice. Representante de Taiwan nos EUA entre 2020 e 2023, ela foi alvo de uma série de sanções por parte da China.
Apesar dessa escolha e da promessa de continuidade, Lai diz estar aberto ao diálogo com o governo chinês durante seu mandato. “A nossa porta estará sempre aberta para compromissos com Pequim sobre os princípios da igualdade e da dignidade”, disse Lai em entrevista coletiva na última semana.
Durante a campanha eleitoral, o candidato da oposição enfatizou diversas vezes que mais um mandato do PDP poderia levar ao crescimento das tensões no Estreito de Taiwan de maneira irreversível. Hou Yu-Ih lembrou do histórico do PDP, e do próprio Lai, junto ao movimento pela independência de Taiwan no passado.
Linha direta com Pequim
Prefeito licenciado de Nova Taipé, a maior cidade da ilha, Hou é um ex-policial que conseguiu notoriedade ao solucionar um caso de comoção nacional nos anos 1990. Entre os dois candidatos, o nome de Hou é visto como mais favorável aos interesses da China continental. “Se Hou vencesse a eleição, a situação poderia voltar a ser como era em 2008, quando a administração do Kuomintang podia negociar diretamente com Pequim, o que não é bom para os Estados Unidos. Já o PDP sempre precisa dos Estados Unidos como intermediário entre a China e Taiwan”, diz Chung-Min Tsai, professor de Ciência Política da Universidade Nacional de Chengchi, em Taipé.
Durante os últimos 30 anos, a população taiwanesa passou a se reconhecer cada vez menos como parte da China. Embora mais de 95% da população seja da etnia han, de origem chinesa, mudanças curriculares e um movimento nacionalista desde a democratização do país na década de 1990 levaram a um crescimento dessa percepção. Atualmente, a maior parte da população da ilha (62,8%) se considera somente taiwanesa. Outros 30,5% se consideram taiwaneses e chineses ao mesmo tempo, e somente 2,5% se enxergam exclusivamente como chineses, segundo pesquisas realizadas pela Universidade Nacional de Chengchi.
Apesar disso, a grande maioria da população não é favorável a uma declaração imediata de independência, opção apoiada por somente 4,5% da população. No total, 82,1% da população defendem a “manutenção do status quo” no curto prazo — expressão que demonstra a preferência pela situação atual, em que Taiwan se mantém como uma entidade política autônoma, com exército, governo e moeda próprios, mas sem uma declaração formal de independência, que irritaria Pequim.
Impacto da economia
A manutenção do status quo é uma maneira eficiente de amenizar a possibilidade de conflito entre China e Taiwan, segundo Chung-Min Tsai:
— Há somente duas condições em que a China adotaria uma ação militar. A primeira é se Taiwan declarar a sua independência, e a segunda seria se os Estados Unidos rejeitassem a política de uma só China — diz o professor.
Independentemente de quem ganhasse as eleições, o cientista político acredita que atualmente está em curso uma diminuição das tensões no estreito, devido a fatores externos a Taiwan que se sobrepõem à eleição local.
“A economia doméstica na China está atualmente em uma situação muito perigosa e arriscada, portanto eles não têm tempo para lidar com a questão de Taiwan. Já os EUA estão dialogando novamente com os chineses, então não há como Taiwan continuar sendo tão firme em relação à China”, afirma o cientista político.
Fonte: O GLOBO
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